Doze estranhos acordam num espaço aberto de uma floresta. Não sabem onde estão ou como lá chegaram. Não sabem que foram escolhidos… para um propósito muito específico… The Hunt. Na sombra de uma teoria da conspiração da dark web, um grupo de elites globalistas reúne-se numa mansão remota para caçar humanos como se fosse um desporto. Mas o plano do grupo está prestes a ir por água abaixo pois um dos alvos, Crystal (Betty Gilpin), conhece o jogo dos caçadores melhor do que eles próprios. Ela dá a volta aos assassinos, um a um, enquanto percorre o seu caminho em direção à mulher misteriosa (Hilary Swank) no centro de tudo.
Ser de Portugal permite desfrutar mais destes filmes. Porquê? Bem, The Hunt foi adiado praticamente meio ano após um grande tiroteio nos EUA e, como os temas do filme são extremamente sensíveis, os produtores decidiram marcar o mesmo para outra data. Na altura, senti-me frustrado por, mais uma vez, terem de ser os filmes a sofrer devido a situações da vida real. Ir ao cinema é suposto ser uma experiência única e extraordinária. O público é transportado para um lugar fictício onde os problemas do mundo real podem ser esquecidos por um par de horas. Logo, nunca lidei muito bem com estas polémicas constantes que rodeiam os filmes…
Dito isto, acredito que The Hunt não só beneficiou deste atraso, como a sua história satírica tem ainda mais impacto agora. Não há como dar a volta a isto. O filme de Craig Zobel é um dos mais divisivos dos últimos anos. Sei que é uma analogia bastante básica, mas é tal e qual um espetáculo de stand-up de humor negro. Se não têm problemas com piadas sobre tópicos como racismo, estereótipos, imigração, refugiados, religião, política e todos os temas sensíveis que a vossa mente permite imaginar, então encontrarão em The Hunt uma alegoria brilhante às pessoas mais extremas da nossa sociedade.
Caso contrário, se não se sentem confortáveis com este tipo de comédia, mantenham-se bem longe deste filme, pois Damon Lindelof e Nick Cuse dão tudo como argumentistas!
Quando escrevo que todos os assuntos ou atividades tabu remotamente sensíveis são abordados sem quaisquer restrições, são mesmo TODOS os temas. É uma narrativa inacreditavelmente repleta de clichés e estereótipos extremos e exagerados de ambos os lados políticos. À primeira vista, os caçadores parecem simplesmente os “maus da fita”, no sentido em que estão a caçar pessoas inocentes por puro prazer. A partir do momento em que o público entende as razões por detrás da seleção das pessoas que estão a ser caçadas, um pensamento curto mas tremendamente eficaz entra na mente de todos: “bem… o mundo realmente seria um lugar melhor sem este tipo de gente”.
De repente, nem uma personagem merece qualquer preocupação. Para esclarecer, “preocupação” não da maneira comum e emocional. Nenhuma personagem é escrita com o propósito de fazer o público preocupar-se com esta. Na verdade, quase todas as personagens (talvez exceto a de Betty Gilpin) são seres humanos desprezíveis. A sua visão do mundo é ofuscada por mentalidades ideologicamente antigas.
Adoro como os argumentistas usam cada personagem para representar um tipo particular de… personalidade extrema, vou adjetivar assim. Um dos melhores elogios que posso oferecer ao filme é que este não escolheu um lado. Todos levam com imensas piadas. É uma sátira negra, mas hilariante, da sociedade atual, com um foco especial nas pessoas de mentalidade fechada que vão online tentar espalhar as suas teorias da conspiração e crenças imorais.
Tudo o que escrevi até agora assemelha-se ao impacto do filme no espetador: ou se sentem confortáveis com este tipo de argumento e irão sentir-se incrivelmente entretidos; ou vão ficar extremamente triggered por tudo isto. É um daqueles filmes que vai acabar em várias listas de Piores Filmes de 2020 simplesmente devido à natureza da sua narrativa.
No entanto, a história não é o único aspeto que pode fazer as pessoas desistirem de assistir a The Hunt. A caçada é tão over-the-top como tudo o resto. Há sangue por toda parte, mortes ridiculamente nojentas e absolutamente nenhum limite em matar pessoas da maneira mais depravada e divertida possível.
Em termos de ação, The Hunt está mais bem filmado do que muitos blockbusters. Há planos largos e bonitos quando algo (ou alguém) explode, tem uma coreografia excecional (e hilariantemente longa) na “luta final” e uma edição excelente no geral. É, genuinamente, um filme bem feito, bem produzido e bem filmado. A banda sonora também é muito porreira.
Obviamente, é um daqueles filmes em que é fácil apontar falhas. Todos os parágrafos que escrevi acima podem ser interpretados como alguns dos piores aspetos de todo o filme, dependendo da perspetiva de cada pessoa. Na minha opinião, o final teria beneficiado de um tom mais sério, mas, ao mesmo tempo, provavelmente entraria em conflito com o tom satírico ao longo do filme, por isso, é um final inevitavelmente difícil de acertar em cheio.
O elenco não é propriamente talentoso (algumas interpretações são muito fracas), mas Betty Gilpin entrega uma prestação excecional e carrega o filme inteiro sem grandes obstáculos. Finalmente, há uma pequena parte da película que envolve personagens militares que não pertencem a nenhum dos lados da caçada e esta porção não funcionou muito bem para mim.
Resumindo, The Hunt é uma sátira brilhantemente negra sobre as visões políticas atuais do mundo. Estava destinado a ser um dos filmes mais divisivos dos últimos anos e, sem dúvida alguma, teve sucesso nesta missão.
Assim como o humor negro, ou se gosta ou não se gosta. Se não conseguem aceitar uma piada sobre os temas tabu mais sensíveis (e TODOS são abordados), mantenham-se longe deste filme ou ficarão triggered durante uma semana inteira. No entanto, se são capazes de ver o lado divertido deste tipo de comédia, The Hunt é o thriller de ação mais divertido, inteligente, hilariante, sangrento e over-the-top que verão durante muito tempo.
Damon Lindelof e Nick Cuse não têm limites e não se esqueceram de um único tema. É um filme bem feito em todas as áreas: bem escrito, bem produzido e bem filmado. Alguns problemas menores sobre o final e um pequeno subplot não estragam o conceito excecionalmente cativante de Craig Zobel nem a performance convincente de Betty Gilpin. Recomendo vivamente, mas obviamente é um filme que irá depender da vossa apreciação de humor negro.
The Hunt deverá chegar a Portugal algures durante o verão.
PS: Todos conhecem o conto do coelho e da tartaruga, certo? De como o coelho faz uma corrida com a tartaruga e toda essa história infantil? Bem, a versão de The Hunt desse conto acabou de se tornar a minha favorita…