Spectre não consegue alcançar o tremendo potencial da sua narrativa intrigante e do seu antagonista fascinante, mas Sam Mendes ainda consegue dar ao público um filme decente.
Sinopse: “Uma mensagem enigmática do passado leva James Bond (Daniel Craig) à Cidade do México e Roma, onde conhece a bela viúva (Monica Bellucci) de um criminoso conhecido. Depois de se infiltrar numa reunião secreta, 007 desvenda a existência da organização sinistra SPECTRE. Precisando da ajuda da filha de um velho inimigo, o agente embarca numa missão para a encontrar. Enquanto Bond se aventura em direção ao coração de SPECTRE, descobre também uma conexão arrepiante entre o próprio e o inimigo (Christoph Waltz) que procura.”
Finalmente, cheguei ao último filme de Daniel Craig nesta maratona de rewatch de James Bond em preparação para No Time To Die – supostamente o último filme da saga 007 protagonizado pelo ator. Opiniões sobre Casino Royale, Quantum of Solace e Skyfall já foram partilhadas, mas Spectre é aquele que mais me deixa a pensar. Sam Mendes (1917) regressa para a cadeira de realizador e Jez Butterworth (Ford v Ferrari) junta-se à equipa de argumentistas do filme anterior, composta por John Logan, Neal Purvis e Robert Wade.
Para cada elemento positivo presente neste filme, existe a sua contraparte negativa. Na maioria dos casos, a diferença de opiniões depende do quanto cada um destes prós e contras impacta o espetador. Começando com a ação, Spectre ainda detém o recorde do Guinness de “maior explosão no cinema”, o que prova que não houve quaisquer restrições ou receios no que toca a apresentar sequências de ação alucinantes. Hoyte van Hoytema (Tenet) mostra habilidades impressionantes como diretor de fotografia, empregando sequências longas fascinantes e planos largos deslumbrantes. Durante as sequências em si, entretenimento está garantido.
No entanto, Mendes não controla tão bem o ritmo como na obra de 2012. Spectre é o filme mais longo da saga – pelo menos, até No Time To Die estrear -, mas encontra-se longe de justificar tal duração. O período entre sequências de ação não contém uma história suficientemente cativante para levar o filme em frente, fazendo com que se sinta algo maçador. A insistência em criar uma narrativa que muda toda a saga tentando ligar tudo e todos a uma única organização torna-se uma tentativa forçada que levanta mais questões do que revelações surpreendentes e impactantes.
Tal problema leva-me diretamente à falta de tempo de ecrã significativo de Christoph Waltz (Inglourious Basterds). Tal como Mr. Silva (Javier Bardem), o antagonista de Waltz ostenta uma história de origem intrigante que o liga emocionalmente a Bond, mas o desenvolvimento do vilão nunca atinge o seu potencial. Não só demora imenso tempo até o personagem aparecer no ecrã, como o próprio é tratado de uma forma bastante atabalhoada. Waltz é brilhante, apesar de tudo. A sua representação do referido personagem traz uma sensação de medo real e interações extremamente tensas. Continuo a defender que a sua cena na sala branca com Bond e Madeleine (Léa Seydoux) é uma das melhores da saga.
“Falando” de Seydoux, as prestações de todo o elenco não são nada menos que soberbas. Esta última não é apenas mais uma “Bond girl” – um arquétipo que não está a envelhecer lá muito bem. A personagem sabe como lidar com os problemas que surgem e mostra-se útil em mais do que apenas uma situação aleatória. A sua relação com Bond é bem explorada e é, definitivamente, o único subplot convincente do filme. Dave Bautista (Army of the Dead) retrata um “bad guy” de apenas uma palavra para Bond lutar e, honestamente, não preciso de pedir mais. A sua luta com Craig num comboio vale o bilhete. Os pares personagem-ator já conhecidos funcionam bem no contexto do filme, com exceção de Andrew Scott (His Dark Materials) como C.
A prestação não tem falhas, mas o casting em si praticamente estraga por completo um build-up excessivo e prolongado para algo que acaba por ser evidente desde o primeiro minuto. O enredo envolvendo C e o MI6 é um enorme sinal de STOP para a interessante jornada pessoal que Bond atravessa. A missão aventureira dos agentes de campo é constantemente deixada de lado para o público assistir a uma história lateral aborrecida, mas essencial, visto que o resto da narrativa necessita da mesma para que tudo o resto faça sentido.
Existe um filme absolutamente fenomenal escondido algures sob os problemas de argumento. Ainda assim, acredito que recebe mais ódio do que merece. Algumas mudanças nas frases famosas de Bond podem incomodar alguns espetadores mais do que outros, mas no geral, é um filme de ação e espionagem bem decente. Muito bem filmado, com excelente música de Thomas Newman – também foi compositor de Skyfall – e as suas sequências de ação de grande escala prometem altos níveis de entretenimento. É uma daquelas obras que podia ter sido muito, muito melhor, e este sentimento de desilusão é capaz de ser demasiado forte para alguns espetadores suportarem.
Spectre não consegue alcançar o tremendo potencial da sua narrativa intrigante e antagonista fascinante, mas Sam Mendes ainda consegue entregar um filme decente. O argumento gera problemas significativos com um enredo muito entediante que afeta profundamente o ritmo de um tempo de execução excessivamente comprido.
Além disso, o pouco tempo de ecrã impactante de Christoph Waltz é, no mínimo, dececionante, apesar de uma brilhante atuação por parte do ator. Por outro lado, as sequências ação de fazer cair o queixo elevam a peça no geral, que também beneficia da bela cinematografia e de prestações excecionais de todo o elenco. A relação entre as personagens de Daniel Craig e Léa Seydoux é emocionalmente convincente, tornando a missão de James Bond numa jornada pessoal interessante.
Um dos melhores filmes da saga está enterrado algures sob o argumento confuso, mas o que se encontra à superfície tem muito por admirar.