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Renfield é mais uma obra que oferece precisamente aquilo que vende.

Filmes propositadamente exagerados, extremamente caricaturais ou simplesmente ridículos não são propriamente um tipo de cinema que o público em geral aprecie muito. Nicolas Cage (The Unbearable Weight of Massive Talent) é um dos atores mais icónicos da história da arte respetiva e o rei absoluto das prestações habitualmente caraterizadas como “over-the-top” (OTT), ou seja, excessivas a todos os níveis. Mais uma vez, existe uma grande divisão entre espetadores que conseguem desfrutar deste tipo de performances e outros que consideram as mesmas insuportáveis. Renfield é a enésima adaptação de uma história sobre o Conde Drácula e, independentemente do que se possa escrever sobre a obra, entrega precisamente aquilo que promete.

Sempre que um novo filme é lançado, existe um número considerável de críticas genéricas que parecem meramente repetições de artigos passados sobre outras obras. Frequentemente, sinto que estou a ler/ouvir alguém a percorrer uma checklist com dezenas de categorias normalmente abordadas e a escolher um par de adjetivos superficiais para descrever a “qualidade” de cada uma. Não é difícil de o fazer, visto que basta trocar os nomes do filme, personagens, elenco e equipa técnica. Aliás, é tão fácil de cair nesta “armadilha” que não existem jornalistas que nunca o tenham feito.

Renfield pertence ao grupo de filmes que mais provocam este tipo de opiniões vulgares. O argumento de Ryan Ridley segue um caminho previsível e formulaico, sendo elevado pelas prestações de um elenco 200% dedicado à causa e um conjunto de elementos técnicos – montagem rápida, quantidade significante de gore e imensas stunts – que tornam a ação divertida. Chris McKay (The Tomorrow War) demonstra uma visão firme, sem nunca transformar a obra em algo mais daquilo que realmente é, nem se precaver demasiado ao ponto de perder a intenção original.

Cage mantém-se dono do trono de “performances OTT”, mas há que salutar Nicholas Hoult (The Menu) por saber acompanhar a atmosfera caótica que o primeiro consegue criar. Renfield tem mais ação e comédia do que horror, sendo que este último componente encontra-se misturado no meio dos outros dois. A dependência dos cortes rápidos para “proteger” os diferentes tipos de sangue – CGI umas vezes, prático noutras – gera uma falta de balanço nos momentos de luta, chegando mesmo a esconder as excelentes stunts e a causar alguma confusão visual aos espetadores.

Repararam? Estes dois últimos parágrafos podem ser ajustados e aplicados a muitos outros filmes, apenas alterando os nomes dos artistas envolvidos. Obviamente, tudo o que refiro acima sobre Renfield é o que penso e não deixa de ser a “minha verdade”, a minha experiência ao assistir à obra. Os aspetos técnicos que menciono podem agradar a metade da sala e desiludir a outra, pelo que a subjetividade está sempre presente em qualquer opinião sobre qualquer projeto cinematográfico. Sendo assim, porquê escrever esta crítica? Qual a diferença para as outras?

Bom, gostava de me focar em dois tópicos. O primeiro está relacionado com obras que entregam precisamente aquilo que prometem, frase que escrevi no início do artigo. O quanto se deve elogiar um filme cuja premissa é transferida para o grande ecrã tal e qual como o realizador imaginou? Se enquanto espetador, as expetativas foram cumpridas, como não considerar a obra um sucesso? Obviamente, existe o outro lado da moeda: se as expetativas não forem positivas e estas forem cumpridas, “sucesso” não será a palavra ideal para descrever o filme.

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Mas permitam-me focar em Renfield e as expetativas para o mesmo. Pessoalmente, antecipava cerca de hora e meia de entretenimento sem grandes lições de vida ou estudos temáticos profundos. Esperava um Cage descontrolado a fazer aquilo que tanto sabe e que marcou a sua carreira memorável. Contava com um elenco que pudesse acompanhar Cage no seu excesso, assim como sequências de ação cheias de tanto, mas tanto sangue, que fosse difícil de ver o que estava a passar em determinados momentos. E obtive tudo isto…

Conclusão: visualização satisfatória. Nada mais, nada menos. É estranho observar reações incrivelmente extrapoladas nas redes sociais como se Renfield fosse uma obra com um contexto para debater se é um dos melhores ou dos piores filmes do ano. Existem casos – demasiados até – em que as distribuidoras e os estúdios tentam vender uma obra por algo que não é nem tem para oferecer através de campanhas de marketing enganadoras. No entanto, em todos os outros cenários, a culpa está do lado dos espetadores que não conseguem estabelecer expetativas realistas e não dos cineastas que simplesmente fizeram o filme que pretendiam.

O segundo assunto é sobre abordagem cómicas a temas sensíveis. No caso de Renfield, a toxicidade, abuso e trauma de relações co-dependentes são retratados da mesma maneira que o resto da obra. Com tanto de excesso como de leveza, este é um tópico que gera imensa discussão e que se encontra inerentemente ligado a um dos maiores debates da comédia: pode-se ou não fazer piadas sobre tudo e todos? Os meus dois cêntimos: defendo que o que importa é o alvo da piada e não o assunto da piada em si, para além do contexto em volta da mesma, pelo que tanto me consigo rir de uma piada sobre o Holocausto como não achar outra de bom grado. 

No entanto, o que importa acima de tudo é a compaixão e respeito pelos que nos rodeiam. Nem todos têm a capacidade de encararem os obstáculos que a vida lhes coloca à frente com um sorriso na cara. Muitas pessoas simplesmente sentem-se desconfortáveis em rirem-se sobre eventos traumáticos, situações ligadas à saúde ou outros tópicos que os impactem pessoalmente, o que é completamente natural e compreensível. Creio que todos já passamos por momentos em que alguém brinca sobre algo que consideramos sério e importante e nos sentimos ofendidos…

A diferença com filmes como Renfield é que os espetadores possuem liberdade de escolha, tal como em espetáculos de standup, convívios com amigos ou atividades em que existem outras opções. Ninguém é obrigado a ir ao cinema assistir a uma história propositadamente absurda sobre a relação complicada entre Dracula e Renfield que nunca se leva a sério nem tenta ser um estudo essencial sobre o tema em concreto. Existem outras obras com esse propósito e são essas que devem ir ver se pretendem ser inspirados por uma narrativa complexa, detalhada e instigante.

Dito isto, criticar Renfield por não explorar um tema sensível que nunca, em nenhum momento do seu desenvolvimento, pretendeu explorar, é o equivalente a criticar uma obra que realmente faz esse estudo por não ser mais ao estilo de entretenimento-pipoca. Nenhum argumento tem sentido, pois as expetativas para ambos os filmes encontram-se desalinhadas. Espero que esta crítica admitidamente diferente ajude a decidir se Renfield é o tipo de filme que gostariam de assistir numa sala de cinema ou não, mas também que vos dê vontade de comentar abaixo sobre estes assuntos que tentei abordar da maneira mais honesta que consegui.

VEREDITO

Renfield é mais uma obra que oferece precisamente aquilo que vende. Uma história inacreditavelmente ridícula e propositadamente sem muito sentido sobre a relação co-dependente entre Dracula e Renfield, naturalmente elevada por Nicolas Cage e um Nicholas Hoult à altura do desafio. O ambiente leve e cómico abre espaço para sequências de ação excessivas em todos os elementos técnicos, algo que torna os níveis de entretenimento inconsistentes devido à constante mistura de uma montagem rápida e quantidades absurdas de sangue. A dedicação da equipa de stunts merecia mais e melhor tempo de ecrã. Mesmo assim, é uma recomendação para todos os fãs de Cage.

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