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Um filme que é uma demonstração de estilo, de ideias, mas com uma estrutura clássica que podia ser mais original e menos dependente de atalhos.

House of Gucci é como uma mala falsificada à venda na Feira da Ladra. É barato, tem bom aspeto e passa por Gucci, mas quando vamos a ver os seus pormenores, há qualquer coisa em falta. Se tiverem algum problema com isso, talvez não apreciem tanto este filme que se toma por sério, mas que não é mais que um melodrama divertido.

O novo filme de Ridley Scott, o segundo este ano, traz-nos uma biografia dramática sobre a família Gucci no período que antecede a ascensão de Maurizio Gucci, o herdeiro, e a sua iminente morte por assassinato. Isto não são spoilers. São factos históricos. Mas às vezes, parece que a história é mais fantástica que a ficção. Isso não quer dizer que não tenha que obedecer a algumas das regras de ficção.

Encabeçando o filme estão Lady Gaga, no papel de Patrizia Reggiani, e Adam Driver, no papel do seu esposo, o herdeiro do império de moda Maurizio Gucci. Ao apaixonarem-se e começarem uma união, vão gerar um choque entre dois mundos que vai acabar por mudar a história de uma das maiores casas de moda do mundo. Uma tragédia de traição, ambição e sacrifício que culmina com o fim de uma dinastia.

Um filme com laivos das intrigas dos Bórgias, mas com o estilo de um romance de aeroporto. Sofre um pouco porque o guião sólido não é adequadamente transportado para o grande ecrã, mas a realização, a estética, o elenco e a loucura geral desta tragédia tornam-no um filme digno de atenção, como todos os filme de Scott, verdade seja dita.

No fim de contas, trata-se de um melodrama com bons atores, com bons momentos de conflito, intrigas interessantes, mas as motivações são vagas e o sumo de toda esta tragédia não está totalmente em cena. Entre traições, denúncias, jogadas de poder e tudo o mais, começamos a questionar-nos se o filme não poderia ir mais longe em termos de narrativa. Não é que as motivações dos personagens não existam, os conflitos não estejam assentes e que Lady Gaga não assuma bem o manto de protagonista. Assume, mas por cada duas ou três cenas bem conseguidas, boas sequências de montagem ou excelentes planos, levamos com um momento de exposição desnecessário depois de vermos um salto na narrativa que nos faz questionar “Quando é que este personagem mudou?”.

Apesar disso, o filme é bom. É melodramático, convencional, demasiado dependente de diálogos expositivos, até um pouco apressado na sua narrativa, mas é uma peça interessante no que toca a biografias. Acima de tudo, o filme cumpre a função principal de um filme de Ridley Scott: entretém-nos como obra de cinema.

House of Gucci

A profundidade que tenta passar por vezes desvanece, há uma quebra de protagonismo a certa altura e perguntamo-nos porque não estamos mais do lado de Lady Gaga no terceiro ato, além de que o enredo depende demasiado de conveniências. Se vieram ao cinema para conhecer detalhadamente os meandros do mundo da moda e da família Gucci, vão ficar desapontados. Mas se estão à procura de diversão e entretenimento, House of Gucci não desaponta. Mas também não é assim tão louco. É só um drama biográfico com pretensões épicas, mas ao contrário de The Last Duel, o primeiro filme de Scott estreado este ano, por trás do espetáculo e fogo de artifício encontramos uma mensagem menos coesa na forma como nos é apresentada, mas não menos impactante.

Falando de realização, o filme não tem nada a apontar. A palete e a planificação estão em forma, Scott é um realizador que formalmente não deixa nada ao acaso, e desta vez até surpreende por escolher filmar uma cena de sexo, uma bengala que muitas vezes prefere evitar usar. Se há coisa que Scott faz bem é planear um enquadramento bonito, manter um bom ritmo na montagem e lidar bem com os momentos mais insólitos e pessoais dos seus personagens, e House of Gucci não é exceção. Desde a raiva destrutiva de Reggiani, à melancolia catártica de Maurizio, vão deleitar-se com a humanidade subjacente a estes personagens. Mas claro, sendo que o filme é um exercício de estilo e melodramático, Scott puxa também pelos talentos mais hiperbólicos do seu elenco. Temos direito a uma explosão irascível da parte de Al Pacino, como Aldo Gucci, e Jared Leto tanto encanta, como choca, como faz rir com as suas escolhas para o falhado Paolo Gucci. A certa altura, não dá para perceber se ele não é o único membro do elenco que percebe o nível de ridículo e melodrama que o filme pede dos seus atores. Como puro entretenimento, House of Gucci nunca perde o gás e deixa-nos interessados para ver como a história e os conflitos vão evoluir. Mas se há um problema, acaba por ser exatamente esse – a forma como os conflitos evoluem é muito conveniente e sente-se que, em partes, forçada.

Ou seja, a um nível superficial e emocional, o filme funciona, mas quando tentamos cavar e perceber a lógica dos conflitos, encontramos algumas lacunas. Infelizmente, o tal fator de exposição em excesso, a ausência de algumas ligações entre enredos, até um olhar mais profundo sobre os trâmites dos impérios da moda, ajudariam a reforçar um lado mais adulto a este enredo. Sentimos que este drama tem pretensões épicas, mas a narrativa dá saltos muito grandes na história retratada, acabando por privar-nos de revelações e reviravoltas que tornariam a história melhor.

Também não ajuda que o filme comece a dispersar-se e a dar demasiado relevo a conflitos pessoais de personagens secundários, que depois acaba por não resolver de forma satisfatória. O que acontece também, a nível estrutural, é que o guião interliga os conflitos de forma desequilibrada, tanto que a certa altura, quando Reggiani e Maurizio se separam, começamos a deixar de perceber sobre quem é este filme. Talvez seja sobre todos os Gucci, mas sendo assim, a experiência mais parece uma amostra de sabores do que uma degustação.

Mas claro que recomendo o filme, até porque continua a ser uma amostra singular de uma voz cinematográfica única. No final, por muitas falhas que o filme tenha, vão sentir a tristeza da dissolução de um casal, uma família que estava destinada a coisas maiores, mas que sucumbiu perante o peso do seu ego, ambição e avareza.

Falando um pouco da representação, devo dizer que esta vertente do filme é o que realmente sustenta a experiência. Já no trailer dava para perceber que House of Gucci abraçava o exagero e os arquétipos. Para bem ou mal, parecia que este seria o “mais italiano dos filmes não italianos”. E vendo o filme, não fica muito aquém desse medo de abusar dos arquétipos, mas consegue fazê-lo de forma ternurenta, e até entretida. Os sotaques vão e vêm, principalmente com Driver, e às vezes são demasiado cómicos, mas no fundo, estamos a ver um elenco de luxo a fazer um trabalho sólido.

House of Gucci

Depois, há os insólitos. Os Letos e os Pacinos da vida, que trazem sempre um pouco mais aos seus papéis, seja por traços característicos da sua representação (a gritaria e suspiros de Pacino), seja pela escolha quase de revista que Leto emprega no seu Paolo Gucci. Devo dizer que, apesar dos seus contornos mais exagerados e estilizados, Leto surpreende por imbuir num personagem que parece um exagero uma humanidade surpreendente. Não fosse pela peruca horrível com que o caracterizaram, este personagem destacar-se-ia até mais pelo seu lado dramático do que pela comédia inerente à sua caracterização. E Lady Gaga? Está ótima. Ela representa muito bem e, não fosse pelos desequilíbrios de protagonismo no guião e a falta de alguns momentos de decisão no seu conflito, diríamos que o filme seria sobre ela.

Aliás, o filme funciona melhor quando está focado nela e em Driver. Ver Reggiani e Maurizio a começarem a conhecer-se com todo o encanto da cortesia, do romance quase de conto de fadas entre um príncipe e uma campesina, torna-se ainda mais poderoso ao vermos como estão ambos num caminho iminente de autodestruição. A forma como Reggiani tenta salvar o seu casamento e até o momento em que ameaça a pretendente ao seu esposo arrepia pela entrega assumida de Gaga, que nos mostra que é uma artista multifacetada e talentosa. Ela tem a difícil tarefa de trazer empatia e coração a uma personagem que para muitos é demoníaca, a escaladora, caça-fortunas. Mas aqui, Reggiani, nas mãos de Gaga, parece-nos mais uma mulher disposta a tudo para singrar num mundo de homens que não estão dispostos a reconhecê-la, não só pelo seu estatuto e nome, mas por ser mulher. Como a figura central do filme, é uma mulher que está habituada a cuidar dos homens e torna-se melancólico vê-la aspirar a ser algo mais, apenas para regredir para um estado de destruição e desespero quando é descartada depois de deixar de ser útil. Ela é o personagem central do filme e, sem ela, House of Gucci tombaria como a casa de Usher.

Também Driver está no seu melhor aqui, levando-nos a acreditar que ele é um simples e ingénuo descendente que quer fugir das amarras da dinastia, da maldição do nome da família e crítico da hipocrisia e do ego Gucci. O coração quebra-se ao vermos como ele começa a congeminar e ser conquistado por essa ideia de assumir o controlo do império. A forma como a sua história termina é um momento de catarse interessante, bonito, que pedia um filme mais sério.

Posto isto, não há nada de mal neste filme. É um drama divertido, emocionante, como disse, com laivos das intrigas dos Borgia, e escolhas maquiavélicas. Temas sobre ganância, sacrifício, traição andam aqui à flor da pele e sofremos realmente com o destino destes personagens.

É divertido. Tem boa imagem. Bons atores. Boas ideias. Boa banda-sonora. Mas é isso. Tudo o que encontraram no trailer, está aqui, mas não muito mais. Este filme é uma demonstração de estilo, de ideias, mas com uma estrutura clássica que podia ser mais original e menos dependente de atalhos. House of Gucci cumpre um objetivo, entretém. Isso é o suficiente, mas se quiserem mais, talvez não deviam ver um filme que se chama House of Gucci.

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