Hillbilly Elegy sofre com a sua narrativa formulaica presa num loop cansativo de cenas super dramáticas que escalam demasiado rápido.
Sinopse: “J.D. Vance (Gabriel Basso), um ex-fuzileiro oriundo do sul do Ohio e atualmente aluno de direito em Yale, está prestes a conseguir o emprego com que sempre sonhou, quando uma crise familiar o obriga a regressar a casa e a reencontrar uma vida que queria esquecer. J.D. terá de lidar com a complexa dinâmica da sua família rural, incluindo a relação volátil com Bev (Amy Adams), a sua mãe toxicodependente. Tocado pelas memórias da avó Mamaw (Glenn Close), a mulher forte e sagaz que o criou, J.D. percebe que, para realizar os seus sonhos, terá primeiro de aceitar as suas raízes.”
Este filme é baseado num memoir com o mesmo título, escrito por J.D. Vance, o homem que dá nome à personagem principal ou, melhor, à personagem cujo ponto de vista é o que o filme descreve. Como sempre, a minha preparação para qualquer filme significa não assistir a trailers nem tentar saber demasiado sobre a história. Sabia que o filme se inspirava numa história supostamente verdadeira ou em algum tipo de livro, para além de reconhecer que podia muito bem ser um chamado Oscar-bait devido ao elenco talentoso e à data de lançamento tardia. Apenas isto.
Não tinha ideia sobre o background político nem sobre as declarações pessoais de Vance. Vivo em Portugal, não num país de “Republicanos vs. Democratas” ou “Vermelho vs. Azul”. A política é e sempre será um tema extremamente irrelevante, deprimente e sem impacto na minha vida pessoal.
Logo, a não ser que as polémicas em redor dos filmes sejam problemas globais, não me podia importar menos com as mesmas. Para mim, Hillbilly Elegy parecia mais um melodrama familiar com pais não-exemplares, abuso de drogas, bullying, discriminação e todos estes pontos de enredo formulaicos desenvolvidos neste tipo de filme. Em termos de expectativas, não consegui evitar as primeiras reações (tremendamente negativas) de outros críticos nas redes sociais, por isso, preparei-me parcialmente para o pior. No entanto, existe uma razão pela qual escrevo este prólogo acima, explicando as minhas origens e o que considero ser importante para mim…
Não querendo justificar as opiniões de outros (todos têm o direito de adorar/odiar qualquer filme por quaisquer razões que escolham), parece-me claro que muitos críticos americanos foram influenciados por J.D. Vance (da vida real), pelo seu memoir e pela forma como algumas pessoas interpretaram sobre o seu ponto de vista. Repito: todos têm o direito de odiar este filme (existem razões mais do que suficientes para tal e vou chegar às mesmas), mas considero as declarações “o pior filme do ano” tão exageradas como as sequências demasiado dramáticas do filme. Os maiores problemas com Hillbilly Elegy dizem respeito às escolhas de edição e à estrutura narrativa em loop, para além dos desenvolvimentos genéricos de clichês conhecidos.
Começando com o primeiro caso, Ron Howard (Solo: A Star Wars Story) devia ter conseguido criar um filme realmente fantástico a partir da história original. No seu melhor, Hillbilly Elegy podia ter sido um relato comovente sobre os obstáculos emocionais de viver numa família tão violenta e problemática, assim como tentar escapar deste estilo de vida difícil e alcançar uma vida melhor.
No entanto, os flashbacks constantes da vida jovem de J.D. prejudicam a conexão do espetador com a personagem e com os seus familiares, especialmente a sua mãe, Bev. Andar de trás-para-a-frente e vice-versa, sem parar, pela linha temporal da história, quebra o ritmo do filme (a edição de James D. Wilcox carece de consistência e coerência) e leva-me ao próximo problema.
Hillbilly Elegy é um ciclo de cenas dramáticas que rapidamente escalam para ações inacreditáveis. Desde o abuso repetitivo de drogas e consequentes recaídas, até à horrível paternidade exibida da forma mais aleatória possível (num minuto está tudo bem, no próximo é o caos), Vanessa Taylor não consegue quebrar o loop do seu argumento e Ron Howard não realiza estas sequências de uma forma distinta. Adicionalmente, Hillbilly Elegy também faz muito pouco para evitar as fórmulas comuns deste tipo de narrativa, possuindo zero surpresas durante todo o tempo de execução, sendo totalmente previsível praticamente desde o início.
No entanto, tal como mencionado acima, Hillbilly Elegy está longe de ser um candidato à pior peça de cinema em 2020. Na verdade, pode até receber algumas nomeações na altura das cerimónias de prémios, incluindo os Óscares. Como de costume com “histórias da vida real”, as adaptações cinematográficas enchem sempre os créditos finais com imagens ou vídeos das pessoas reais que foram retratadas no filme.
É fácil reparar no trabalho impressionante feito pelo departamento de maquilhagem. Glenn Close parece incrivelmente semelhante à verdadeira Mamaw e a sua prestação carismática irá, certamente, receber algumas nomeações, pelo menos noutras cerimónias para além das principais. Entrega mais uma performance emocionalmente convincente, repleta com diálogos poderosos, expressividade detalhada e uma exibição física fenomenal.
Amy Adams (Justice League) não fica atrás. Se Glenn Close tem chances como papel secundário, Amy Adams pode receber algumas nomeações para Melhor Atriz. A sua personagem, Bev, não recebe um tratamento justo ao nível do guião, mas Adams tenta o seu melhor para compensar essa falha. A sua prestação pode ser considerada extremamente exagerada para muitos espetadores e reconheço as opções over-the-top em algumas cenas, mas, no geral, entrega uma interpretação soberba. Gabriel Basso também é muito convincente como J.D. (assim como Owen Asztalos, que interpreta a versão mais jovem), tal como Haley Bennett (The Devil All the Time) como Lindsay. A banda sonora de Hans Zimmer e David Fleming é doce, mas não tem muitos momentos para brilhar.
No final, Hillbilly Elegy sofre com a sua narrativa formulaica presa num loop cansativo de cenas super dramáticas que escalam demasiado rápido. O melodrama previsível apresenta decisões de edição questionáveis que prejudicam o ritmo e a consistência geral da história, bem como a ligação emocional do espetador com as personagens.
Ron Howard e Vanessa Taylor não conseguem retratar uma premissa interessante de uma forma distinta e cativante, recorrendo, em consequência, às prestações dignas de prémios por parte de Amy Adams e Glenn Close para salvar o filme do desastre total. Para além das interpretações marcantes das duas atrizes, as performances notáveis do resto do elenco dão alguma força ao argumento, entregando algumas cenas que valem a pena assistir.
Tecnicamente, uma maquilhagem impressionantemente precisa (burburinho para um Óscar garantido) e uma banda sonora adorável mereciam um filme muito melhor. Recomendo Hillbilly Elegy para todos aqueles que gostam de histórias de família melodramáticas, mas não esperem nada de especial.
Hillbilly Elegy fica disponível na Netflix a 24 de novembro.