Foe apresenta um dos argumentos mais trapalhões do ano.
Mesmo num festival como o BFI London Film Festival, é possível entrar para a maioria das sessões sem qualquer conhecimento prévio da premissa, elenco, argumentista, realizador e até da receção às obras em outros eventos de cinema. Ironicamente, Foe é precisamente o caso contrário, sendo que é inevitável existir uma certa curiosidade pré-visualização em perceber o que provocou uma reação inicial tão negativa, levando a expetativas baixas que até podiam ter beneficiado a opinião geral em Londres… Infelizmente, foi mesmo o pior e mais provável cenário…
Foe é realizado por Garth Davis (Lion) e baseado no livro com o mesmo título de Iain Reid, que co-escreve o argumento com o primeiro. Referi recentemente que aprecio imenso narrativas sci-fi de alto-conceito, logo este filme protagonizado por Saoirse Ronan (Little Women), Paul Mescal (Aftersun) e Aaron Pierre (Old) devia ter começado, na teoria, com o pé direito. A premissa futurística consiste na “emigração” do ser humanos para colónias fora do planeta Terra, sendo que os “sortudos” escolhidos para a viagem espacial são substituídos por cópias físicas de inteligência artificial totalmente conscientes.
Sinceramente, a incessante discussão em volta dos prós-e-contras de AI começa a tornar-se rapidamente repetitiva e monótona, perdendo cada vez mais significado por mais que filmes tentem criar narrativas criativas à volta do tópico. No entanto, Foe consegue surpreender… pela negativa. E não é pouco, pois estamos perante um dos piores filmes do ano. Sem dúvidas, o argumento trapalhão, confuso e tematicamente inconsistente destaca-se de qualquer outro elemento narrativo, estrutural ou técnico. O elenco é inocente, mas nem as prestações dedicadas salvam este desastre.
Não existem muitos métodos de contar histórias que me deixem profundamente frustrado, mas a explicação constante e desnecessária de literalmente todos os pontos de enredo e ações de personagens, seja através de diálogo, narração, texto ou detalhes visuais, fica sempre a roçar o desrespeito pela audiência. Obviamente, se a premissa se foca na substituição de pessoas por robôs e apenas existem três personagens, é previsível assumir que pelo menos um deles não será humano. Foe deseja intencionalmente criar dúvida no espetador, mas não só arruína por completo eventuais revelações com um texto de abertura altamente indicador da resposta, como a estrutura não-linear – propositada ou não – não ajuda a cativar o público.
À medida que a narrativa se desenrola, mais questões lógicas se levantam e, chegando ao fim, simplesmente são ignoradas. Os saltos temporais repentinos são mais um elemento distrativo e Foe demora mais a terminar do que The Return of the King, possuindo infinitos finais que ainda nada acrescentam uns aos outros, repetindo informação já adquirida pelo público uma e outra vez. Mesmo os restantes aspetos técnicos não se distinguem o suficiente para ajudar com uma experiência audiovisual interessante, mas a “cereja no topo do bolo” é uma das mensagens transmitidas durante o terceiro ato.
Acidentalmente ou não, Foe defende que a AI é mais eficiente em relações íntimas que um ser humano, o que contradiz vários pontos narrativos da obra, nomeadamente o facto da empresa responsável pela tal substituição não prever que o parceiro humano se apaixone pelo robô. Se existem tantos argumentos em favor da tecnologia ser superior e adaptar-se exponencialmente, como é possível não antever este resultado? Serão todos os humanos simplesmente incapazes de mudar? Demasiadas perguntas ou por responder ou com respostas contraditórias ao longo da obra, para além de um world-building banal e extremamente superficial. Como terão conseguido um elenco tão talentoso…
VEREDITO
Foe apresenta um dos argumentos mais trapalhões do ano, repleto com explicações incessantes e desnecessárias através de vários métodos narrativos e visuais, saltos temporais abruptamente confusos, revelações absurdamente desprovidas de qualquer impacto e uma mensagem, no mínimo, estranha sobre a superioridade de AI em relações íntimas humanas. Com pouco menos de duas horas, consegue arrastar-se lentamente até uma conclusão com múltiplos finais, nenhum capaz de entregar algum tipo de informação relevante que já não se soubesse previamente. Elenco faz o melhor que pode, mas longe de ser suficiente para resgatar uma obra destinada a deixar o público desiludido.