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Flow é uma celebração da resiliência e do espírito coletivo em tempos de adversidade, para além de um poderoso alerta sobre as consequências das ações humanas no meio ambiente.

O tema “inteligência artificial”, especificamente no cinema e televisão, tem sido dos debates mais intensos e controversos dos últimos anos. Como em tudo o que é polémico, as opiniões são quase sempre extremas e sem grande profundidade, criando-se lados opostos “IA é bom” e “IA é mau”, como se os métodos de usar a tecnologia fossem todos idênticos e em igual quantidade. Flow foi totalmente animado através do programa Blender, uma ferramenta open-source gratuita de renderização 3D altamente popular na indústria cinematográfica – desde Spider-Man 2 (2004) que tem vindo a ser utilizado com frequência.

O cineasta Gints Zilbalodis já tinha impressionado em 2019 ao criar Away, a sua primeira longa-metragem de animação… completamente criada apenas pelo próprio! Realização, argumento, animação, banda sonora… um trabalho notável de um só homem que tem agora continuação – com mais apoio técnico e financeiro – com Flow. A narrativa sem qualquer diálogo segue um gato solitário, deslocado por uma grande inundação, encontra refúgio num barco com várias espécies. Juntos, enfrentam os desafios da adaptação a um mundo transformado.

O poder do cinema é universal e não há nada que defenda esta afirmação melhor do que narrativa puramente visual. Não importa a origem, cultura ou língua do espetador, pois Flow é das obras mais acessíveis e abrangentes do ano, conseguindo gerar uma atmosfera incrivelmente cativante através da sua animação simplista mas altamente imersiva. Uma prova bem firme de que não é necessário hiper-realismo para agarrar a audiência, mas sim pequenos pormenores como expressões, sons e movimentos tão autênticos que, em determinadas fases, quase parece que estamos a assistir a animais reais. A forma como cada animal se lambe, dorme, demonstram felicidade, medo ou tristeza… todos estes detalhes são animados na perfeição.

Flow tem no seu centro um gato preto, mas ao longo do seu arco de sobrevivência, encontra vários cães – dos quais se torna próximo de um Labrador Retriever – um capivara, um pássaro, um lémure e até uma baleia. Desde cedo, os temas de união e comunidade tornam-se proeminentes através das inúmeras interações distintas entre as espécies. Num mundo pós-apocalíptico, são os animais que transmitem uma mensagem clara contra qualquer tipo de discriminação, sendo que o barco onde eventualmente se juntam não vê raças diferentes, mas sim membros unidos por um bem comum, com respeito mútuo pela partilha, espaço e até crenças de cada um.

Aliás, Zilbalodis e o seu co-argumentista Matīss Kaža têm o cuidado notável de demonstrar que o que realmente importa dentro de uma sociedade são as atitudes e comportamentos individuais em prol do coletivo, algo subtilmente transmitido através do grupo de cães de várias raças mais barulhento e menos respeitador. As interações iniciais tensas gradualmente dão lugar a colaboração, apesar de ser em alguns momentos forçados que se nota a dificuldade de Flow em justificar os minutos todos da sua duração.

A história tanto é demasiado realista para conter momentos de comédia animada – como é demasiado simplista para tentar ser ambíguo e complexo relativamente ao fim do arco de certas personagens. Flow é visualmente deslumbrante e fácil de se seguir, repleto de planos absolutamente lindíssimos com silhuetas memoráveis. A música complementa a narrativa e a animação naturalista, ajudando a “explicar” os sentimentos e relações entre as personagens. Sinceramente, enquanto amante de animais  – principalmente cães – senti-me mais emocionalmente investido nesta história sem qualquer fala ou texto do que muitas produções “normais” deste ano.

Finalmente, Flow deixa um alerta claro sobre o ambiente e impacto humano na natureza. Se não existirem mudanças drásticas, as alterações climáticas poderão, de facto, dar azo a que um filme fictício criado num programa de computador venha a ser um possível futuro bem real. Dito isto, o mundo animal tem a capacidade de se adaptar melhor do que qualquer outra “sociedade”, sendo que a conclusão da obra é poderosa o suficiente para levar alguns espetadores às lágrimas.

VEREDITO

Flow é uma celebração da resiliência e do espírito coletivo em tempos de adversidade, para além de um poderoso alerta sobre as consequências das ações humanas no meio ambiente. Com a sua animação imersiva, música emotiva e abordagem narrativa única, Gints Zilbalodis convida espetadores de todas as idades e origens a refletir sobre a capacidade de adaptação e união, não apenas entre as espécies, mas dentro da própria sociedade. É um testemunho de que mesmo nas histórias mais simples podem residir mensagens universais profundas, inspirando empatia, respeito e aprendizagem sobre a fragilidade e beleza da natureza.

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