Crítica – Evil Does Not Exist (BFI London Film Festival 2023)

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Evil Does Not Exist é um slow-burn que desaponta.

Ryusuke Hamaguchi conquistou a atenção de audiências um pouco por todo o mundo com Drive My Car, obra que recebeu inúmeras nomeações ao longo da temporada de prémios, incluindo nos Óscares, onde venceu a categoria de Melhor Filme Internacional. Devido ao lançamento tardio no meu país, não cheguei a comprovar pessoalmente a aclamação mundial, mas o interesse em Evil Does Not Exist mantinha-se alto, sendo mesmo um dos filmes mais antecipados desta edição do BFI London Film Festival.

A premissa é simples: uma empresa deseja construir um parque de campismo no seio de uma vila remota pacífica, trazendo para a mesa questões pertinentes sobre a relação da humanidade com a natureza, assim como a simplicidade da vida e a ganância obsessiva corporativa. Evil Does Not Exist é tão claro na apresentação destes temas como nos seus visuais cristalinos. Qualquer filme que apresente aspetos técnicos notáveis estará sempre mais próximo de conseguir construir um ambiente imersivo e, apesar de Hamaguchi entregar um slow-burn puro, as menos de duas horas passam surpreendentemente rápido precisamente devido a essa atmosfera cativante.

São raros os takes inferiores a cinco minutos ininterruptos. Todas as cenas possuem um nível de detalhe narrativo e audiovisual incrivelmente complexo, mostrando as atividades diárias de um faz-tudo na vila sem saltar um único segundo. Desde cortar lenha a apanhar água do rio, Evil Does Not Exist prossegue linearmente sem cortes rápidos ou saltos temporais, alongando excruciantemente todos os pontos narrativos. No entanto, é de louvar a dedicação tremenda de Hamaguchi em se manter fiel ao realismo da sua obra, sendo que em momentos chega a parecer um documentário.

Por outro lado, se não existir um determinado balanço, facilmente Evil Does Not Exist cai num ciclo repetitivo de ações mundanas que, mesmo possuindo impacto temático, torna-se redundante e, consequentemente, aborrecido. Os tais sons da natureza, assim como a cinematografia deslumbrante de Yoshio Kitagawa e a banda sonora contemplativa de Eiko Ishibashi, tornam-se os principais atributos para manter os espetadores acordados ao invés da história e respetivas personagens que pecam por falta de maior desenvolvimento pessoal e conexão emocional.

Evidentemente, por estas razões, Evil Does Not Exist não é, nem de perto, uma obra acessível para o público geral que não costuma apreciar obras lentas, técnicas e superficialmente vazias. Não tem grande valor de repetição e os seus momentos de humor ocasionais não são suficientes para tornar a visualização geral numa experiência positiva. As próprias prestações são, na sua maioria, estóicas e pouco emotivas. No entanto, o maior problema da obra encontra-se no facto de Hamaguchi confiar em demasia nos espetadores para “completarem” o seu trabalho, deixando os temas centrais pouco aprofundados e os escassos arcos de personagem – dois, no máximo – sem qualquer conclusão.

Existe uma grande diferença entre histórias ambíguas com finais em aberto que, de facto, justificam tal decisão criativa e uma narrativa que simplesmente não se esforça para explorar os tópicos que introduz ao longo da sua duração. Evil Does Not Exist possui uma cena genuinamente fascinante em que a população da vila se junta para uma apresentação do plano turístico e subsequente discussão com dois representantes da agência publicitária. A veia comunal atravessa todos os membros da vila, sendo a única sequência da obra que verdadeiramente mergulha fundo nos temas centrais.

Infelizmente, não existem mais momentos como este. Estranhamente, são os dois agentes que possuem arcos passíveis de evolução e as pessoas da vila que permanecem numa espécie de standby, como se o facto de se viver numa rotina simples impossibilitasse o crescimento enquanto membro de uma comunidade, seja um dono de um restaurante, o chefe da vila ou um pai que ocasionalmente se esquece de apanhar a filha na escola. Evil Does Not Exist demonstra, assim, alguma inconsistência nas suas mensagens e o final não podia ter corrido pior.

Sem spoilers, o melhor que posso dizer é que parece uma tentativa abrupta de acordar espetadores que possam ter adormecido. Uma conclusão chocante pelo simples facto de possuir esse valor de choque e não por ter sido devidamente construída, antecipada e executada na perfeição. É o exemplo perfeito para descrever Evil Does Not Exist como um filme que depende em demasia dos espetadores para imaginarem razões convincentes para certas personagens tomarem determinadas decisões. E, mesmo após um dia inteiro de ponderação e busca incessante de respostas para as perguntas deixadas em aberto, a desilusão permanece tanto como as perguntas…

VEREDITO

Evil Does Not Exist é um slow-burn que desaponta, que falha em oferecer um estudo pertinente, impactante e completo sobre os temas centrais genuinamente interessantes ligados à natureza, sentido de comunidade, simplicidade da vida e obsessão lucrativa industrial. Tecnicamente, nada a dizer: Ryusuke Hamaguchi possui uma equipa soberba, agarrando-se à cinematografia belíssima e banda sonora atmosférica para criar o ambiente detalhadamente imersivo. O grande problema encontra-se no excesso de confiança do cineasta na audiência para desenvolver e completar a sua própria história e respetivos arcos de personagem, culminando num final desconcertantemente chocante e estranhamente vazio.

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