Crítica – El Conde (Venice International Film Festival 2023)

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El Conde entrega uma sátira político-social eficaz, brutalmente sangrenta e repleta de comentários sarcásticos numa narrativa que compara a eternidade dos vampiros com a impunidade dos crimes do ditador chileno, Augusto Pinochet.

A primeira sessão de um festival de cinema gera sempre imensa antecipação à sua volta. Especialmente no maior festival do mundo, o Venice InternationaL Film Festival, onde alguns dos filmes mais esperados do ano se encontram disponíveis durante um par de dias. Todos querem começar a cobertura com uma obra fantástica para estabelecer um “favorito a bater”, logo é normal que os filmes de abertura sofram com expetativas elevadas e irrealistas. O facto de El Conde pertencer a um estúdio de streaming também não cai bem no seio da crítica em Veneza, mas a verdade é que deixou-me bastante satisfeito.

Não sou, de todo, o maior conhecedor da filmografia de Pablo Larraín (Spencer), nem da história chilena e do seu ditador Augusto Pinochet, em quem El Conde se baseia para uma sátira político-social eficiente, se bem que algo repetitiva. O argumento de Guillermo Calderón e Larraín foca-se na obsessão por dinheiro e poder que marca a família Pinochet através de uma comédia negra fantasiosa, transformando o protagonista num vampiro e utilizando as caraterísticas normalmente associadas aos mesmos como objetos de comparação com comportamentos do ser humano guiado por riquezas fúteis.

A sátira atinge o seu pico de sucesso quando emprega ironia e sarcasmo para, basicamente, virar as noções de “bom” e “mau” ao contrário, representado Pinochet como uma vítima mal-entendida pelo mundo. Coitado do senhor que matou milhares de chilenos para sustentar a sua vida eterna ou as inúmeras fraudes fiscais para poder desfrutar de uma vida de luxo. Até a própria questão dele ser o único vampiro da família e não desejar deixar essa “herança” para ninguém é observada de um ponto de vista em que o ditador é praticamente um mártir. Uma sequência de entrevistas aos seus filhos exemplifica belissimamente esta componente narrativa.

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El Conde (Venice International Film Festival 2023) – Netflix

El Conde é bastante claro com a sua mensagem alegórica de que, assim como vampiros vivem para sempre à custa do sangue de outros e nunca desaparecem, também os crimes, farsas e roubos de um político não devem passar impunes. A falta de algum conhecimento histórico sobre o país ou política internacional é um fator que inevitavelmente pesa na desfrutação do filme, algo que admito ter sentido durante uma secção do terceiro ato. No entanto, Larraín compensa eventuais problemas de compreensão com momentos de humor requintado e violência brutalmente sangrenta.

A cinematografia de Edward Lachman (Dark Waters) é absolutamente deslumbrante. Como um fã ávido de filmes a preto-e-branco, estas cores são tão cristalinas no grande ecrã, criando uma atmosfera verdadeiramente imersiva. Os planos largos que acompanham os voos do vampiro são nada menos que fantásticos, sendo elevadas pela produção sonora igualmente cinemática. El Conde não se acanha relativamente aos níveis de gore em disposição, mostrando totalmente sem restrições todo o tipo de decapitações, incluindo animais, pelo que fica o aviso para espetadores mais sensíveis.

El Conde é tecnicamente soberbo e narrativamente eficaz, mas deixa a desejar no que toca à componente satírica e desenvolvimento de personagens. O filme perde-se na sua insistência repetitiva em passar a mensagem de que Pinochet era um homem ganancioso, insaciável, corrupto e egocêntrico, assim como a sua família milionária que, mesmo assim, queria mais e mais riqueza. A maioria das personagens termina a obra da mesma maneira que começaram, sendo meros peões numa história guiada pelo seu comentário político-social.

Para além disso, o papel de uma freira no enredo principal deixa questões por esclarecer, ao passo que a linha narrativa focada na obsessão dos filhos em ficar com as riquezas do pai nunca chega a conquistar real atenção, tirando a tal sequência de entrevistas que se destaca mais pela montagem de Sofía Subercaseaux e diálogo rápido e instigante do que propriamente por algum interesse nas personagens. Dito isto, o terceiro ato carrega um valor de entretenimento mais ativo, cheio de humor e violência que acordará espetadores mais “sonolentos”. Cumpre igualmente com o propósito de deixar-me com vontade de pesquisar sobre a história chilena e de Pinochet.

VEREDITO

El Conde entrega uma sátira político-social eficaz, brutalmente sangrenta e repleta de comentários sarcásticos numa narrativa que compara a eternidade dos vampiros com a impunidade dos crimes do ditador chileno. Tecnicamente maravilhoso, empregando um preto-e-branco de deixar os olhos de qualquer cinéfilo bem arregalados, assim como excelentes contributos por parte da cinematografia, banda sonora e montagem para uma experiência imersiva cativante. Personagens subdesenvolvidas e mensagens repetitivas removem algum do maior impacto que a obra podia ter tido.

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