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Blink Twice marca uma estreia promissora para Zoë Kravitz como cineasta, demonstrando que a sua criatividade e visão pessoais não estão confinadas ao lado da câmara em que trabalha.

Novas vozes surgem no cinema todos os anos e, por vezes, essas vozes não são totalmente desconhecidas. É cada vez mais comum atores virarem cineastas e tentarem a sua sorte por detrás das câmaras. Zoë Kravitz (The Batman) é a mais recente artista corajosa com desejos de transportar para o ecrã as suas ideias pela primeira vez, contribuindo igualmente para o argumento com E.T. Feigenbaum (High Fidelity). Com um elenco interessante protagonizado por Naomi Ackie (Whitney Houston: I Wanna Dance with Somebody) e Channing Tatum (Magic Mike XXL), para lá de nomes conhecidos como Christian Slater (Mr. Robot) e Adria Arjona (Hit Man), Blink Twice tem muito talento ao seu dispor.

A história foca-se no bilionário Slater King (Tatum) e no seu encontro espontâneo com Frida (Ackie), empregada de mesa na sua gala de angariação de fundos. Após uma noite repleta de química entre os protagonistas, King convida Frida para se juntar a umas férias de sonho na sua ilha privada com amigos. É o paraíso: noites selvagens misturam-se com dias cheios de sol e todos estão a ter um serão maravilhoso. Ninguém deseja que a viagem termine, mas à medida que certos desenvolvimentos estranhos começam a ocorrer, Frida começa a questionar a sua realidade…

As influências de outras sátiras sociais e até de obras recentes, como Get Out, são evidentes ao longo de Blink Twice. A abordagem temática à classe bilionária, assim como ao controlo que estes desejam ter perante o resto da sociedade e a falta de consequências para os seus atos criminosos, é um dos vários tópicos levados à mesa por Kravitz e Feigenbaum. Frida atravessa um arco de auto-descoberta que culmina numa missão vingativa para recuperar o que perdeu, sendo que uma das mensagens essenciais da obra gira à volta da conexão entre trauma, perdão e esquecimento.

“Esquecer é um dom” é uma frase proferida múltiplas vezes ao longo de Blink Twice numa tentativa de evitar traumas do passado ao invés de lidar de frente com os mesmos. Procurar perdão – ou pedi-lo – é muito mais emocionalmente complexo e requer muito mais de nós enquanto seres humanos do que simplesmente fingir que nada aconteceu e atirar para debaixo do tapete problemas que, mais tarde ou mais cedo, voltam para nos assombrar. O esquecimento é também usado frequentemente como desculpa para não assumir erros cometidos, pois a capacidade genuína de pedir desculpa é igualmente difícil de se atingir.

Kravitz nem sempre controla a mistura de tons de forma eficiente – Blink Twice é um thriller psicológico no seu centro, mas possui fases mais bem-humoradas que nem sempre se encaixam na perfeição no enredo -, mas a atmosfera inquieta é excecionalmente gerada através de uma produção sonora imersiva, montagem desconfortante e composição de imagem provocativa. Todos os movimentos de câmara – sejam estes rápidos ou prolongados – e cortes abruptos possuem um propósito claro de oferecer informação aos espetadores sem cair na armadilha da exposição barata.

A agora-cineasta é fã do lema cinematográfico “show, don’t tell“, aproveitando todos os segundos extra de tempo de ecrã para colocar mais uma “pista” para os segredos da sua narrativa e das personagens misteriosas que a compõem. Blink Twice contém imensos momentos de choque visual e narrativo, mas praticamente todos encontram-se inerentemente conetados às revelações e reviravoltas do terceiro ato verdadeiramente insano, pelo que evitarei debruçar-me em demasia sobre os mesmos para evitar spoilers. Apesar de se tornar algo repetitivo algures a meio da sua duração e demorar a tomar o próximo passo, Kravitz constrói a rampa ideal para os últimos minutos frenéticos que compensam a paciência do público.

A visão de Kravitz é instigante e o elenco torna-a ainda mais cativante através de prestações fenomenais, algumas talvez até as melhores das carreiras respetivas, como é o caso de Tatum e Ackie. A troca de olhares entre os dois é um misto de tensão e atração intensa que joga com as expetativas dos espetadores de maneira bastante interessante. Slater – o ator – também se destaca com aquele seu sorriso que parece estar sempre a esconder alguma coisa e, naquele que aparenta ser o seu melhor ano até então, Arjona entrega mais uma performance incrivelmente hipnotizante, roubando os holofotes sempre que aparece no ecrã.

Existem outros temas associados com tópicos sensíveis da nossa sociedade, nomeadamente o poder masculino avassalador sobre mulheres vulneráveis e o uso de substâncias para promover determinado tipo de contatos, mas estaria a estragar a experiência de assistir a Blink Twice sem qualquer conhecimento prévio do mesmo a cinéfilos como eu. Termino com os parabéns a Kravitz por não só conseguir fazer um filme – algo que não é suposto ser considerado tarefa fácil -, mas por transportar para o grande ecrã as suas ideias e estilo pessoal que mal posso esperar para experienciar novamente. O seu talento claramente não é limitado pela posição em que se encontra em relação à câmara.

VEREDITO

Blink Twice marca uma estreia promissora para Zoë Kravitz como cineasta, demonstrando que a sua criatividade e visão pessoais não estão confinadas ao lado da câmara em que trabalha. Apesar de pecar na gestão dos tons da obra, a narrativa cativante, apoiada por prestações memoráveis de Ackie, Tatum e Arjona, e uma atmosfera inquieta imersiva, tornam este thriller psicológico numa experiência envolvente e catártica. Kravitz aborda temas contemporâneos relevantes e complexos, oferecendo uma reflexão instigante sobre poder, trauma, perdão e esquecimento. Uma estreia que, acima de tudo, deixará muitos espetadores ansiosos pelo que Kravitz trará ao mundo de cinema no futuro próximo.

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