Black Panther: Wakanda Forever pode não chegar ao nível do seu antecessor, mas deixa uma homenagem orgulhosa, bonita e silenciosa ao legado de Chadwick Boseman.
Uma das tarefas mais árduas de um cineasta surge quando um problema externo à sua obra a afeta por completo, mudando todos os planos bem estruturados e ideias cuidadosamente construídas, muitas vezes, ao longo de vários anos. A vida e carreira de Chadwick Boseman impactou o mundo de uma forma imensurável e avassaladoramente positiva, deixando connosco um legado inspirador e culturalmente significante. Ryan Coogler tinha uma missão impossível com Black Panther: Wakanda Forever, mas independentemente dos problemas do filme, não há dúvidas que T’Challa ficaria orgulhoso.
Muito se tem discutido sobre a direção desta Quarta Fase do Universo Cinemático da Marvel. “Sem direção” tem sido a descrição repetidamente atirada a esta fase, mas, se antes de Black Panther: Wakanda Forever já discordava bastante desta definição, agora ainda mais. Temas podem perfeitamente ser uma direção e o trauma pós-Avengers: Endgame permeia por todo o conteúdo lançado depois do mesmo. Na verdade, o MCU nunca foi tão tematicamente consistente como agora, abordando o luto através de todos os seus filmes e séries, sendo mesmo a força narrativa principal.
E é precisamente aqui que Black Panther: Wakanda Forever brilha. A duração supostamente longa e pesada nunca se sente quando a obra se foca nas maneiras distintas que cada personagem tem de lidar com a perda de T’Challa – que inevitavelmente possui um impacto mais poderoso devido às circunstâncias da vida real. Shuri (Letitia Wright), Ramonda (Angela Bassett), Okoye (Danai Gurira), Nakia (Lupita Nyong’o) e até M’Baku (Winston Duke) tentam viver o “novo mundo” da forma que lhes traz mais conforto, mas nem todos o conseguem, levando a interações entre os mesmos absolutamente devastadoras.
Todos os detalhes influenciam o eventual luto em si. A ligação com a pessoa em questão, a causa da morte, em que ombros se pode pousar a cabeça durante este processo, entre muitos outros. Em Black Panther: Wakanda Forever, M’Baku demonstra puro respeito, Okoye foca-se em proteger a irmã de T’Challa, Nakia afasta-se de tudo e todos e Ramonda é obrigada a manter a postura invulnerável de uma Rainha com um povo e país por defender, enquanto que Shuri possui uma viagem complexa com imensos altos-e-baixos, tornando-a numa protagonista cativante e merecedora de total investimento emocional.
Coogler explora todos os Wakandans principais e os seus métodos diferentes de lidar com a morte do rei em Black Panther: Wakanda Forever, construindo arcos incrivelmente genuínos que homenageiam silenciosamente – nunca uma obra de super-heróis ofereceu tais níveis de emoção com puro silêncio – o legado deixado pelo protagonista e ator. Em nenhuma altura se sente que o filme está a tirar partido de uma tragédia real e a prova disso mesmo encontra-se num momento chocante e inesperado do segundo ato, demonstrando imensa coragem e dedicação para com o tema narrativo em destaque.
Uma das frases mais fascinantes de todo o MCU encontra-se em WandaVision: “o que é o luto senão amor a perseverar?” Black Panther: Wakanda Forever segue a fórmula Marvel em muitos outros aspetos – já lá vou – mas não deixa de possuir uma das conclusões mais catárticas, subtis e contemplativas do universo cinemático. Uma interação entre Shuri e Ramonda fica na memória e destaca-se como o momento mais importante do filme, onde as personagens abordam o que as suas mentes constroem para lidar com o luto, sendo que uma se foca no conforto que T’Challa lhe trazia enquanto que a outra se deixa afogar pelo tormento da sua ausência.
O final do filme é tematicamente perfeito e belissimamente executado, continuando com a mensagem inspiradora e genuinamente capaz de mudar completamente a perspetiva pessoal sobre um processo visto frequentemente de forma negativa. O caminho de Shuri em Black Panther: Wakanda Forever é digno de estudo e serve de exemplo positivo para todos os que se encontram na mesma situação. Independentemente da opinião geral sobre o filme ou até sobre a própria Quarta Fase, o tratamento deste tema sensível merece todos os elogios.
Os problemas surgem quando Coogler e Joe Robert Cole são, de alguma forma, “obrigados” a criar um enredo típico do género, para além de seguir uma estrutura narrativa que não ajuda a navegar entre as diferentes histórias secundárias. O tema abordado acima é mais do que suficiente para suportar Black Panther: Wakanda Forever, mas as introduções de Namor (Tenoch Huerta) e Riri (Dominique Thorne) levantam questões político-sociais sobre o colonialismo que nunca são propriamente aprofundadas, mascarando o tópico como uma mera desculpa para gerar uma espécie de guerra civil.
O mundo subaquático de Namor possui pormenores visuais impossíveis de não comparar com Avatar, mas é a falta de tempo de ecrã que causa alguma frustação, pois são muito mais as semelhanças culturais de Talokan com Wakanda do que com a fantasia de James Cameron. A intenção de Coogler em mostrar o quanto as origens de uma cultura podem levar a variações igualmente merecedoras de respeito, dignidade e proteção é clara, mas a constante troca entre as diferentes linhas narrativas com os seus próprios tons não permite o mesmo nível de atenção e cuidado que o tema principal.
Black Panther: Wakanda Forever também sofre sempre que volta a Everett Ross (Martin Freeman) devido a um sub-enredo totalmente desnecessário e desinteressante que apenas serve o propósito de deixar mais pistas para o futuro do MCU, sem qualquer impacto real na história do filme em si. Riri encontra-se envolvida numa mescla de linhas narrativas, mas a prestação soberba de Thorne é suficiente para convencer espetadores a darem uma oportunidade à sua série, Ironheart. Huerta convence como Namor, mas as motivações do vilão (?) parecem fúteis comparativamente às de Killmonger (Michael B. Jordan), que realmente acreditava que os seus ideais eram o melhor para o seu povo.
Obviamente, não pode faltar ação num filme de super-heróis. Apesar de alguma inconsistência nos efeitos visuais e na iluminação de algumas sequências noturnas, Black Panther: Wakanda Forever entrega momentos de elevado entretenimento, em especial uma inundação com surpreendentes efeitos práticos. No entanto, o terceiro ato, tal como a estrutura narrativa, também perde foco ao trocar constantemente entre batalhas distintas em locais diferentes, removendo impacto emocional do confronto principal e chegando mesmo a terminar abruptamente.
O destaque técnico vai, sem dúvida, para a música e produção sonora. A decisão de não colocar qualquer tipo de som em determinadas sequências é extremamente arriscada, mas resulta de forma extraordinária, provocando lágrimas bem sentidas. A banda sonora de Ludwig Göransson, assim como as canções escolhidas para acompanhar Black Panther: Wakanda Forever, trazem uma camada extra de inspiração, sendo que a nova música de Rihanna, “Lift Me Up”, receberá dezenas de nomeações inevitáveis.
O humor típico do MCU é naturalmente reduzido e, como alguém que estava gradualmente a sentir-se mais cansado da quantidade excessiva do mesmo, Black Panther: Wakanda Forever definitivamente possui um controlo mais agradável. Os poucos momentos cómicos que existem são bem colocados e os problemas de tom nunca estão relacionados com os mesmos. Apesar de defender que o MCU recebe demasiadas críticas em relação ao seu humor, também admito que ultimamente tem existido um balanço menos satisfatório.
Finalmente, um elogio geral ao elenco. Boseman tinha uma presença incomparável, sendo que a sua interpretação de T’Challa não é nada menos do que icónica. A sua morte acaba por tornar todos os diálogos de Black Panther: Wakanda Forever mais poderosos, mas é a autenticidade de todos os atores envolvidos que realmente eleva a obra no seu todo. A destacar alguém, Bassett é quem atinge o pico de emoção ao entregar falas com um impacto tremendo, mas Wright também impressiona como protagonista, carregando a história com toda a sua alma. Gurira é igualmente surpreendente.
Black Panther: Wakanda Forever pode não chegar ao nível do seu antecessor, mas deixa uma homenagem orgulhosa, bonita e silenciosa ao legado de Chadwick Boseman, contando uma história emocionalmente poderosa e impactante sobre como o luto pode realmente ser amor perseverante. O argumento enfrenta problemas quando se desvia do tema principal e tenta misturar outras histórias/personagens do MCU, sendo que Namor e Riri sofrem dano colateral. Tecnicamente, os momentos de ação são maioritariamente cativantes, apesar de alguns efeitos visuais e iluminação inconsistentes. Música e produção sonora destacam-se de forma bem memorável. Prestações brutalmente emotivas, especialmente de Wright, Bassett e Gurira.
Apesar de tudo, não se sente o peso da duração longa. Vale totalmente a pena o investimento emocional.
Tenho a certeza que irá ser um sucesso, e acredito que se o primeiro foi incrível não deixarão este ficar pior.
Espero ansioso por vê-lo
Espero que tenha gostado, Carlos!