Crítica – Beetlejuice Beetlejuice

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Beetlejuice Beetlejuice captura a magia do original, mas tropeça na sua ambição narrativa.

O cinema tem centenas de anos de história, logo é mais do que natural que, geração após geração, os tais “blind spots” surjam de formas diferentes. Aqueles que nasceram com clássicos do seu tempo ficam chocados quando pessoas décadas mais novas nunca viram determinado filme ou até qualquer obra de um cineasta influente. É um ciclo cinéfilo que perdurará para sempre – afinal de contas, se mergulharmos profundamente no passado como se estivéssemos a vivê-lo em tempo real, como conseguiremos desfrutar do que o presente tem para oferecer? Tudo isto para referir que assisti a Beetlejuice (1988) pela primeira vez este último fim‑de‑semana em preparação para a sua sequela, Beetlejuice Beetlejuice, novamente realizada por Tim Burton.

Com vários membros do elenco original de volta, assim como novas caras, Beetlejuice Beetlejuice ocorre 36 anos após os eventos da história original, sendo que a família Deetz regressa a Winter River após a morte inesperada de Charles Deetz (Jeffrey Jones). A vida de Lydia (Winona Ryder) é virada do avesso quando a sua filha adolescente rebelde, Astrid (Jenna Ortega), descobre o modelo misterioso da cidade no sótão e o portal para a Afterlife é acidentalmente aberto. Com problemas em ambas as dimensões, é apenas uma questão de tempo até alguém mencionar o nome de Betelgeuse (Michael Keaton) três vezes e o demónio relançar a sua própria versão de caos.

Desfrutei bastante do filme original de Burton, mesmo não sendo dos meus favoritos da sua carreira. O humor tonto de Beetlejuice, juntamente com a banda sonora fantástica de Danny Elfman – que volta a compor a música nesta sequela – faz bater o pé e abanar a cabeça dos espetadores mais quietos, e prestações memoráveis de um elenco repleto de química genuína fazem valer todos os minutos da curta mas eficiente duração da obra de 1988. Dito isto, é impossível não ficar especialmente agradado com a produção artística que eleva a visão mágica de Burton. Sejam os sets belissimamente construídos, o guarda-roupa criativo, os animatrónicos e miniaturas hilariantes… é filmmaking no seu melhor, onde todos os departamentos contribuem para uma experiência inesquecível.

E Beetlejuice Beetlejuice possui todas estas caraterísticas técnicas também, sendo que com um orçamento maior é possível construir sets mais complexos, usar ainda mais animatrónicos – o que é algo surpreendente tendo em conta a facilidade atual de usar efeitos visuais para tudo – e, claro, contratar mais atores, levando a mais linhas narrativas no argumento de Alfred Gough e Miles Miller (criadores de Smallville)… o que, infelizmente, traz problemas estruturais que afetam o ritmo e níveis de entretenimento do filme.

O tom leve e bem-disposto mantém-se ao longo de Beetlejuice Beetlejuice de forma consistente, sendo que os atores merecem muito mérito pela maneira divertida com que se entregam aos seus papéis. Sejam Keaton (Batman), Ryder (Stranger Things) e Catherine O’Hara (Schitt’s Creek) a reinterpretar personagens clássicas – não perderam o jeito – ou Ortega (Scream), Justin Theroux (The Leftovers) e Willem Dafoe (Poor Things) a darem o ar da sua graça a novas personagens com a mesma capacidade de cativação que as primeiras, Burton conta com um elenco de luxo que, sem dúvidas, transforma todas as linhas de diálogo melhores no ecrã do que no papel. Dito isto, o destaque tem de ir para Ortega que continua a impressionar e a demonstrar que é das atrizes mais promissoras da sua geração.

As sequências de dança – ou de sonho, como preferirem – de Beetlejuice Beetlejuice são maiores e mais longas, mas falta algo para chegar ao mesmo patamar das predecessoras. Existe um ambiente pequeno e especial na cena à mesa de jantar do filme original que é perdido no meio de tanta complexidade e escala da sequela. As sequencias mais emocionantes possuem os ingredientes certos e não deixam de ser divertidas, mas com tanta antecipação ao longo do filme para estes momentos, as expetativas não foram propriamente cumpridas. Elfman é inocente no meio disto, pois a sua banda sonora volta a ser brilhante, incluindo as escolhas das canções utilizadas.

Na verdade, o único grande problema passa pelo excesso de vários elementos que tinham um excelente equilíbrio anteriormente. Monica Bellucci (The Passion of the Christ), por exemplo, passa Beetlejuice Beetlejuice a repetir exatamente a mesma cena com personagens diferentes ao longo do filme, sendo que Burton tenta criar algum build-up para uma sequência importante no terceiro ato… que acaba por se resolver em meros segundos de forma algo desapontante. O arco de Astrid contém, de longe, a componente temática mais instigante do filme, pelo que era preferível mais tempo de ecrã a desenvolver a relação complicada entre mãe e filha, assim como explorar o sentimento de luto predominante durante todo o tempo de execução.

Também fica uma sensação estranha ao descobrir que Charles Deetz, apesar de falecido, tem tempo de ecrã mais do que suficiente para justificar a presença de Jeffrey Jones, ator que interpretou a personagem em 1988. Beetlejuice Beetlejuice inclui até uma sequência de animação com Charles cuja razão criativa para tal passa apenas pelo facto de não terem contratado o ator. Com tantas referências e conexões narrativas essenciais à história original, é sinceramente esquisito que se tenha decidido ir por esta via, mas não desejo entrar em especulações.

VEREDITO

Beetlejuice Beetlejuice captura a magia do original, mas tropeça na sua ambição narrativa. Tim Burton consegue manter o charme visual e a atmosfera peculiar que marcaram tantos espetadores, sendo que o elenco entrega-se de corpo e alma às personagens novas e clássicas. No entanto, a estrutura narrativa sobrecarregada com personagens e enredos secundários leva a algum desencantamento, para além das sequências de dança não atingirem o nível das anteriores. Dito isto, existe muito prazer e diversão em reencontrar Betelgeuse e o mundo bizarro que habita, assim como desfrutar da banda sonora inesquecível de Danny Elfman. Excelente para ver com a família!

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