Back to Black falha totalmente ao adaptar a vida de Amy Winehouse para o grande ecrã, caindo em armadilhas comuns de biopics.
Considero biografias – mais conhecidas como biopics – dos tipos de narrativa mais complicados de se adaptar para o grande ecrã. Desde o inevitável bias sobre a pessoa habitualmente epónima, principalmente se a produção da obra envolver membros familiares, à armadilha comum de contar apenas o que mais favorece o argumento, frequentemente escondendo detalhes que possam afetar negativamente a perceção do “protagonista”, filmes como Back to Black não se costumam destacar como das obras mais memoráveis do ano.
Para além disso, a história de Amy Winehouse já foi documentada através de Amy (2015) e Amy Winehouse: Back to Black (2018), pelo que um projeto dramático de Hollywood não trazia propriamente um apelo notável. Back to Black é, então, mais um olhar sobre a vida e carreira de uma das artistas britânicas mais populares e bem-sucedidas de sempre, desta vez sob o controlo diretorial de Sam Taylor-Johnson (Fifty Shades of Grey), o argumento de Matt Greenhalgh (Film Stars Don’t Die in Liverpool) e a interpretação de Marisa Abela (She is Love).
Pessoalmente, acredito que todas as perspetivas são bem-vindas numa crítica de qualquer obra cinematográfica. Não existe ponto de vista certo ou errado, apenas experiências distintas. Dito isto, consideraria o meu trabalho preguiçoso, incompleto e, acima de tudo, incoerente com a minha opinião genuína se não fizesse uma pesquisa ou estudo sobre a pessoa a ser retratada numa biopic. Caso contrário, caímos todos no risco de acreditar em mentiras descaradas contadas pela obra, como se esta fosse a verdade absoluta.
Claro que Back to Black é uma dramatização da vida de Amy Winehouse e não um documentário. Não se pode sequer pensar em tratar este dois tipos de narrativas da mesma maneira. No entanto, defendo que é necessário um mínimo de cuidado para não aceitar alterações guiadas por razões feias de entretenimento barato. “Quem me dera ter conhecimento disso antes de ter escrito a minha crítica” é uma das reações mais comuns de colegas da indústria quando lhes apresento a omissão ou modificação de um facto vital da vida da pessoa em análise.
Infelizmente, Back to Black não só comete estas falhas quase ofensivas e desrespeitosas – elimina por completo um membro familiar direto importante para Amy e altera totalmente a motivação principal da sua morte sem qualquer evidência para tal -, como consegue algo quase inacreditável: transformar uma história de vida, já por si com bastante tristeza, em algo ainda mais deprimente. Mesmo ignorando todos estes pormenores acima que não terão qualquer impacto em muitos espetadores, Taylor-Johnson afunda o filme em montagens rápidas, sem peso emocional ou sequer interesse em acompanhar os imensos degraus que a protagonista teve de subir para chegar onde chegou.
Back to Black não é mais do que uma leitura na diagonal da página de Wikipedia da artista, passando pelas suas músicas mais conhecidas como se estivesse num shuffle no Spotify, ao mesmo tempo que atira todas as culpas dos seus vícios fatais para a própria, tirando responsabilidade a um pai ausente e complacente e a um namorado que a introduziu precisamente à droga e a uma vida emocionalmente e mentalmente instável. Sinceramente, é uma obra que quanto mais se pensa na mesma, mais a prestação excelente de Marisa Abela perde valor.
Este filme deveria servir de exemplo sobre como não adaptar a vida de uma pessoa real. Infelizmente, é apenas uma de muitas biopics que cometem estas modificações incompreensíveis e motivadas por tudo menos razões de bem. Repito, Back to Black não é um documentário, logo não deve ser tratado como tal. Mas também não é baseado numa história fictícia, logo também não deve ter tratado como um mundo mágico alternativo ao nosso. O tal equilíbrio que deve existir na escrita do argumento também deve existir na crítica sobre o mesmo. E, por isso mesmo, é que nunca poderei recomendar esta obra.
VEREDITO
Back to Black falha totalmente ao adaptar a vida de Amy Winehouse para o grande ecrã, caindo em armadilhas comuns de biopics. A obra não só omite e modifica factos importantes da vida da artista de forma bastante desrespeitosa, mas falha igualmente em transmitir a profundidade emocional das suas músicas e os desafios enfrentados pela mesma. Ao transformar a sua história numa versão superficial e barata, nem a performance notável de Marisa Abela consegue salvar o trabalho horrendo de Sam Taylor-Johnson e Matt Greenhalgh. Não merece recomendação alguma, servindo apenas como exemplo do que evitar ao adaptar a vida de uma pessoa real para o cinema.