O clássico da SNES chega oficialmente ao ocidente pela primeira vez em toda a sua glória, rugas e não só.
Apesar da sua marca no género de terror, a série Clock Tower parece nunca ter alcançado a popularidade que merecia, sempre relegada ao estatuto de clássico esquecido, perdido entre plataformas, relançamentos e sequelas que pouco fizeram para encontrar um novo público. Mas a sua influência é impossível de desconsiderar, até agora, duas décadas depois da última entrada na série. O primeiro título, lançamento em 1995 para a SNES, demonstrou como o género de terror podia adaptar-se aos limites de hardware da quarta geração de consolas, com uma visão artística muito forte, apoiada pela apropriação de elementos do género no cinema, nomeadamente dos realizadores italianos – a obra de Dario Argento, especialmente Phenomena e Suspiria são uma forte influência no título da Human Entertainment –, e com uma jogabilidade que procurava contornar as barreiras do comando da Super Nintendo, mas também criar uma experiência mais tensa e desconfortável ao longo das suas várias horas de campanha. Sem Clock Tower, o género de terror não teria a mesma ambiência e cinematografia, servindo como um dos pilares de design ao lado de Alone in the Dark e Resident Evil.
A tragédia de Clock Tower é que nunca chegou ao ocidente. O primeiro jogo não recebeu um lançamento oficial fora do Japão, talvez vítima do lançamento da SEGA Saturn e PlayStation no ano anterior, e deixou para trás toda uma geração de jogadores que ansiava por experiências de horror antes do advento e popularidade do género com a estreia de Resident Evil. Quando as sequelas foram lançadas, incluindo Clock Tower II e o spin-off The Struggle Within, a jogabilidade imersiva e ponderada da série já era vista como limitadora e arcaica quando comparada à franquia da Capcom e subsequentes clones, relegando Clock Tower novamente para um patamar de nicho e pouco mais. O que teria mudado se Clock Tower tivesse chegado à Super Nintendo em 1995, livre das barreiras linguísticas e mais próximo a um público que não só era capaz de reconhecer facilmente as suas influências cinematográficas e até literárias do que o público japonês? Uma pergunta que permanecerá sem resposta.
A colaboração entre a WayFoward e a Limited Run Games, alimentada pelo impressionante Carbon Engine, volta a dar frutos com aquele que é o lançamento oficial de Clock Tower no ocidente. Pela primeira vez, o clássico da Human Entertainment chega ao PC e consolas sem necessitar de ROMs e emuladores de terceiros para ser jogado. A nova versão, que a WayFoward apelidou de Rewind, mantém a jogabilidade point-and-click intacta e traz-nos uma versão de betão do clássico da SNES. Jennifer está finalmente de regresso, novamente presa na mansão do abastado Simon Barrows, intitulada Clock Tower graças à característica torre que exibe orgulhosamente, e em fuga do Scissorman, onde um simples click pode ditar um ataque de pânico ou o fim da nossa protagonista.
Clock Tower: Rewind é mais uma vitória para o Carbon Engine, que emula na perfeição o desempenho do jogo sem perder o seu estilo visual clássico, onde cada pixel mantém-se no local certo sem sacríficos de otimização. A versão conta com vários extras, desde filtros, entrevistas com o criador Hifumi Kono, a opção de fazer rewind (ainda que muito limitada, já que só conta com uns poucos segundos da ação), a possibilidade de gravarmos em qualquer parte e ainda um novo Motion Comic que conta a história do jogo com novos atores de voz, dando vida ao comic que acompanhava o manual do original.
Fora algumas melhorias de vida, Clock Tower mantém-se idêntico à sua estreia em 1995. A experiência mantém-se focada na exploração da mansão Barrows enquanto Jennifer investiga as suas várias salas, resolve puzzles e evita os ataques constantes de Scissorman, que pode surgir a qualquer momento. A exploração é lenta e ponderada, com Jennifer a alternar entre os passos premeditados e a corrida rápida, que prejudica a sua stamina. Os pontos de interação são mínimos, quase comparados a outros títulos do género, mas a mansão é inicialmente labiríntica, repleta de salas e corredores com objetos interativos, cuja finalidade é quase sempre impossível de determinar num primeiro contacto. Então clicamos e vemos Jennifer a mover-se lentamente, às vezes apenas para comentar sobre o objeto em que clicámos, naquele que é um dos ritmos mais lentos que já encontrei no género e que irá enervar os menos pacientes.
Clock Tower é genuinamente assustador, muito graças ao estado de tensão em que coloca o jogador. Não só Scissorman pode aparecer a qualquer momento, o que se traduz numa corrida pela sobrevivência em busca de um esconderijo ou de uma arma para contra-atacar, como a mansão parece estar viva. Com vários finais possíveis, uma ação pode ter um efeito negativo ou positivo que não conseguimos prever, mas que poderá ditar a sobrevivência de Jennifer a curto e longo prazo. O sistema de stamina nasce exatamente desta dicotomia entre exploração e risco constante, com Jennifer a ficar mais cansada à medida que corre e é afetada pelos sustos e acontecimentos mais inexplicáveis que encontramos pela mansão. A stamina transforma-se em pânico e se Jennifer não estiver suficientemente calma durante um confronto com Scissorman, a sua psique não aguentará a pressão. Não só Jennifer fica mais vulnerável aos ataques do homem das tesouras, como cometerá mais erros se estiver em pânico, caindo regularmente e sendo incapaz de utilizar armas para se defender. Felizmente, podemos descansar entre momentos de tensão, ajudando Jennifer a restabelecer a sua sanidade.
O que me surpreendeu mais em Clock Tower foi a sua forte visão cinematográfica, uma marca do talento e dedicação da Human Entertainment. Estamos a falar do estúdio que nos trouxe Moonlight Syndrome e Mizzurna Falls, dois clássicos da PlayStation, ainda presos no Japão sem uma tradução oficial, com traços cinematográficos muito vincados e memoráveis. Goichi “Suda51” Suda começou a sua carreira na Human Entertainment, diretor de títulos como Twilight Syndrome e o já mencionado Moonlight Syndrome, antes de fundar a Grasshopper Manufacture e é fácil delinear a sua visão enquanto diretor até ao estúdio japonês que fechou as suas portas em 2000. Clock Tower não é o primeiro jogo da Human Entertainment a demonstrar este amor pelo cinema, mas é certamente dos mais arrojados do seu catálogo, com momentos que ficaram na história da indústria. A utilização de uma iluminação cuidada e de cores fortes, claras influências estéticas de Dario Argento e de Lucio Fulci, são perfeitas para as sequências pré-definidas da campanha, com planos mais aproximados e centrados no horror das cenas. Por exemplo, os vários aparecimentos do Scissorman, especialmente a sua queda do topo da mansão com uma das vítimas. Um momento chocante e que funciona em toda a sua glória visual devido à composição da sequência, com Scissorman a cair com vítima, estilhaços de vidro por todo o lado e a música a chegar ao seu clímax perante uma Jennifer petrificada pelo medo.
Clock Tower: Rewind não procura mudar opiniões, antes chegar a um novo público naquele que é o lançamento oficial há muito aguardado. As melhorias de vida tornaram a experiência mais acessível, mas o ritmo da campanha e a jogabilidade point-and-click não foram alteradas ou modernizadas, requerendo alguma paciência e dedicação para serem apreciadas. A versão Rewind não vem desprovida de extras e se são fãs da série, recomendo as entrevistas com Hifumi Kono e o material promocional do lançamento original. No fundo, Clock Tower continua a ser um produto do seu tempo, com limitações já conhecidas e que não envelheceram tão graciosamente, mas com uma visão artística muito forte e uma das melhores ambiências da sua época. É um clássico de terror imperdível para todos os amantes do género, mesmo que necessite de algum tempo de habituação devido aos controlos.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela WayFoward.