Um clássico renascido que regressa numa edição demasiado dispendiosa para os conteúdos incluídos.
Desaparecido há 27 anos, onde permaneceu perdido por salões de jogos bolorentos e esquecidos pelo tempo, Cannon Dancer, ou Osman, como foi conhecido na Europa, estreia-se finalmente nas consolas. Uma estreia que seria impossível sem o trabalho da ININ Games e da Ratalaika Games, que continuam a recuperar e a relançar videojogos descatalogados e abandonados pelas suas produtoras, cujo legado podia ter ficado perdido sem a preservação de uma indústria que pouco parece importada com a sua história.
Cannon Dancer renasce assim dos mortos, naquele que é o capítulo perdido da saga de Kouichi “Isuke” Yotsui. Desenvolvido após o lançamento de Strider, o novo título de Yotsui procurou evoluir a fórmula através de um sistema de combate mais profundo e uma aposta numa narrativa mais presente, cinematográfica e impactante. Ao longo de seis níveis, controlamos Kirin, um agente secreto da unidade Cannon Dancer, contratado para eliminar um feiticeiro que quer dominar o mundo. Um ponto de partida que partilha algumas semelhanças com o já mencionado Strider, mas Cannon Dancer vai mais longe, com uma narrativa repleta de reviravoltas, traições, vilões vistosos e uma maior sensação de progressão e perigo que suplantam, em partes, o seu antecessor.
Ao contrário de Hiryu (Strider), Kirin não necessita de espadas ou outras armas. As suas mãos são tão mortíferas como qualquer lâmina e são as suas combinações rápidas que o tornam num assassino implacável. No entanto, as semelhanças entre Kirin e Hiryu são incontornáveis. O foco mantém-se numa experiência arcada, com golpes rápidos, combinações fáceis e uma movimentação fluída. O que Cannon Dancer adiciona à fórmula é uma maior aposta na verticalidade e na movimentação, com Kirin a ser mais ágil, capaz de saltar, agarrar-se às plataformas e movimentar-se através delas – tal como Strider – e até utilizar um deslize que pode ser utilizado para combinar ataques. No fundo, Kirin é uma personagem ligeiramente mais complexa que combina a destreza de Hiryu com um leque de ataques assentes no combate corpo a copo.
Cannon Dancer é, até certo ponto, uma experiência mais familiar e próxima aos títulos arcada do que Strider. Apesar de utilizar um sistema de vidas semelhante – com três pontos iniciais que podem ser expandidos à medida que colecionamos itens – e apostar fortemente na dificuldade, Cannon Dancer afasta-se do seu antecessor ao adotar mecânicas que associamos a géneros como os shoot’em ups e brawlers, como a implementação de um ataque especial – com Kirin a atacar todos os inimigos em campo – e do sistema de power ups. Ao explorarmos os níveis temos a possibilidade de encontrar as cobiçadas cápsulas que melhoram o poder de ataque de Kirin, no total de quatro níveis de power ups. Cada nível adiciona uma cópia de Kirin que ataca síncrona ao protagonista, com a velocidade de cada golpe a aumentar entre power ups. A última evolução é apenas temporária, mas altera por completo as melhorias de Kirin ao adicionar um novo ataque à distância e não apenas um novo clone. São adições clássicas e muito associadas ao género, mas que injetam em Cannon Dancer uma maior variedade e estratégia que nos incentivam a jogar melhor e a aprender as suas mecânicas.
Ainda sobre o sistema de combate, tenho de destacar as combinações de Kirin. Apesar de sentir que não são inteiramente intuitivas e fáceis de aprender em combate, até porque o jogo é implacável do principio ao fim, a verdade é que a adição de vários novos ataques transformam Cannon Dancer numa experiência muito mais completa. Para além do deslize, Kirin é capaz de agarrar e atirar os seus inimigos, culminando num suplex destrutivo que funciona até com os bosses; ativar uma combinação rápida de três golpes; e também a já mencionada habilidade especial, com Kirin a movimentar-se implacavelmente enquanto ataca todos os inimigos em campo. Estas combinações, fora a habilidade especial, são ativadas através de simples combinações de botões, como os suplex, que podem ser realizados após deslizarmos ou saltarmos contra um inimigo. Mesmo com a adição de novas opções, Cannon Dancer nunca é complexo com o mapeamento dos controlos e nunca vai além dos três botões (atacar, saltar, habilidade especial), e é sempre refrescante voltar atrás no tempo para experienciarmos novamente a magia destes jogos arcada, onde a jogabilidade está sempre focada na rapidez, na destreza e na leitura dos cenários e inimigos.
Se Cannon Dancer vivesse apenas da sua jogabilidade, penso que tinha ficado satisfeito devido ao seu sistema de combate e à variedade de bosses e setpieces que encontramos ao longo da campanha, mas não seria a mesma experiência sem a excelente direção de arte que o acompanha. Tal como Strider, Cannon Dancer transporta-nos para um futuro industrial, onde robots gigantescos coexistem com animais e soldados de máscara de gás; onde a beleza natural é absorvida pelo metal do progresso, com torres de fumo a decorarem os cenários. Ao contrário de outros títulos futuristas, Cannon Dancer rejeita as cores escuras, a melancolia dos seus temas e abraça a cor e uma paleta quente, variada e marcante. De facto, os níveis jorram cor, os cenários são animados e existe uma consistência na direção de arte que facilita a leitura dos inimigos em campo, até nos momentos mais caóticos. O design pode parecer demasiado complexo quando começamos devido ao desenho dos inimigos e à verticalidade dos níveis, mas Cannon Dancer encontra sempre um ponto de equilíbrio ao apresentar modelos definidos das personagens e ao centrar a ação em combates de proximidade, com a câmara a seguir sempre a ação de forma coesa.
Em 2023, Cannon Dancer renasce numa edição com as novidades já esperadas para este tipo de reedição. A Ratalaika Games e a ININ Games adicionaram a possibilidade de gravarmos em qualquer momento da campanha, tal como a habilidade de rebobinarmos a ação ou até acelerarmos quando for necessário. Também existem dois modos de jogo, Standard e Challenge Mode, com o último a retirar todas as vantagens desta nova edição. Existe, no entanto, uma adição muito interessante sobre a forma dos menus Enhancements e Cheats. No primeiro, podemos definir que Kirin é capaz de dar dois saltos, em vez de um, ou então adicionar frames de invencibilidade ao deslize. No segundo, é possível ativar a invencibilidade e o número máximo de power ups, mas também retirar completamente o tempo limite dos níveis.
No fundo, Cannon Dancer: Osman é uma reedição sólida de um jogo perdido no tempo, cuja jogabilidade mantém-se refrescante tantos anos depois devido ao seu foco no combate frenético e numa direção de arte marcante. O que não consigo apoiar, no entanto, é o valor a que chega ao mercado. Para um jogo tão curto, cujas novidades não expandem a sua longevidade ou oferecem novos conteúdos aos jogadores – temos acesso aos modos já mencionados e às versões US e JP, mas nada mais –, o preço vai afastar possíveis compradores e fãs devido ao custo de admissão. Uma escolha infeliz para um excelente jogo.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela PR Hound.