Battlefield 6 comete o pecado capital de oferecer uma campanha tão insossa como descartável. Mas nunca insignificante, pois a sua existência tem um impacto real na forma como a Electronic Arts decidiu desperdiçar tanto talento e experiência.
Enquanto toda a gente tem estado a divertir-se naquela que parece ser uma extraordinária experiência multijogador, os meus olhos e energias concentraram-se exclusivamente na campanha de Battlefield 6, o mais recente capítulo da longa série de jogos militares da Electronic Arts, que este ano concentrou as forças e a experiência dos maiores estúdios do grupo. Desde o seu anúncio que fiquei francamente entusiasmado com Battlefield 6, a um nível que não era muito comum. Um entusiasmo assombrado por algum nervosismo, porque a campanha não parecia ser apenas “mais um modo opcional” ou um tutorial. A promessa era gigante. Afinal de contas, foi com a sua campanha que Battlefield 6 foi apresentado ao público, revelação que também foi marcada pela confirmação dos estúdios envolvidos na sua produção, agora designados como Battlefield Studios. Este super grupo é compostos pela a DICE (criadora da franquia) e pela Ripple Effect (um antigo ramo do estúdio em Los Angeles, agora dirigida por Vince Zampella), que ficariam a cargo da componente multijogador. A quem se juntam ainda a britânica Criterion (responsável por sagas como Burnout e Need For Speed), em conjunto com a Motive (que nos trouxe jogos como Star Wars: Squadrons, a campanha de Star Wars: Battlefront 2 e o recente remake de Dead Space), para se dedicarem à campanha.
Juntar a Criterion e a Motive para se dedicarem à campanha – e até darem uma perninha de suporte ao resto do jogo –, parecia uma excelente ideia. Pois teríamos aqui uma ótima divisão de tarefas, em que temos equipas do multijogador ficariam dedicadas ao seu modo e a experiência conhecida destes dois estúdios mencionados, poderia resultar em algo especial, único, substancial, com uma história minimamente solida e emocionante, e com mecânicas de jogo que só em ambiente off-line (a solo) é que seriam possíveis. Infelizmente todas essas expectativas saíram furadas, naquele que é um dos jogos mais frouxos que joguei este ano.
Pior que um mau jogo, é um jogo medíocre. Aquele que se joga e não oferece nada, que não nos marca para lá do desejo de voltar atrás no tempo para recuperarmos as poucas horas passadas na sua experiência. Um jogo cuja memória dos seus eventos evapora-se mais rápidamente do que um cubo de gelo ao sol. Um jogo que nos faz questionar a sua existência. Battlefield 6, no seu conjunto completo, pode não ser esse jogo, mas a sua campanha em particular é definitivamente esse “jogo“. Uma campanha que após seis horas se revelou desnecessária e que me irritou ao relembrar-me do desperdício de talento apresentado no ecrã. Isto porque a Criterion poderia ter continuado a produzir novos Need For Speed e a Motive poderia estar a criar novas experiências, remakes, sequelas, tudo o que não fosse esta campanha. E para meter ainda mais o dedo na ferida, ao revelar-se desnecessária, a campanha também sabe ainda pior em contexto dos cortes estratégicos na Electronic Arts, que decidiu colocar todas as fichas em Battlefield 6.
A série Battlefield não é estranha a campanhas e a sua qualidade flutuou ao longo dos anos. Bad Company e Bad Company 2 contaram com sólidas e divertidas campanhas, apresentando um elenco de personagens bem caracterizado e interessantes de conhecer e acompanhar; Hardline trocou os ambiente bélicos por uma história de investigação policial cheia de ação e variedade; já os restantes Battlefield 3, 4 e 1 e V, apesar de apostarem em missões de diferentes cenários, como vinhetas de guerra que serviam de tutoriais para o multijogador, eram preenchidos por uma grande variedade de ambientes e de situações dedicadas a diferentes mecânicas de jogo. Estas missões representavam também show-offs técnicos e, acima de tudo, deixavam-nos com água na boca por mais, a salivar até por uma maior dedicação a um fio narrativo. E, para ser franco, Battlefield 6 chega para colmatar essa falta, com uma história e uma narrativa com um fio condutor em busca de algo que a concorrência – a série Call of Duty – nos seus melhores anos, tão bem tem conseguido. Mas não conseguiu executar essa ambição da melhor forma ao apresentar uma narrativa superficial, genérica e apolítica, sem emoções, peso ou risco. Numa campanha vazia em segmentos cinemáticos, mecanicamente repetitiva e linear, incapaz de traduzir a experiência multijogador nas suas missões, e com decisões de storytelling e de direção artística extremamente baratas.
Em Battlefield 6 somos então apresentados à PAX Armada, uma força militar privada que cresce nas sombras de um colapso político, causado por um ataque direto à NATO, e que ganha dimensão suficiente para desafiar qualquer aliança global. A campanha divide-se em várias perspetivas, com o jogador a assumir o papel de diferentes soldados do mesmo grupo, o Dagger 1-3, espalhados por diversos pontos do mundo, à medida que perseguimos o mercenário Kincaid, apontado como o principal responsável pelo atentado que deu inicio à destruição da NATO. Cada personagem controlável é um arquétipo básico, representado por uma das classes principais do jogo, por exemplo, Lopez é o suporte, Gecko atua como sniper e faz reconhecimento, Murphy é o engenheiro e Carter o sargento de assalto. E cada episódio é apresentado através de flashbacks, permitindo-nos controlar cada uma das classe em missões dedicadas, mas sem grande esforço para caracterizar as personagens ou explorar as suas diferenças de forma significativa.
Com uma premissa de enorme potencial para estabelecer interessantes paralelos evidentes com o mundo real – como o cenário de desordem global, de alianças frágeis e de fronteiras políticas e morais difusas – Battlefield 6 raramente explora isso de forma aprofundada, optando por uma leitura simplificada e excessivamente americanizada, que coloca os Estados Unidos como força heroica e moralmente indiscutível. A narrativa tenta ganhar profundidade através de ideias de infiltração inimiga, conspirações internas e redes paramilitares secretas, mas tudo isso acaba por ser pouco original e previsível. O resultado é uma história que podia ser provocante e relevante, mas que se limita a repetir clichés de guerra sem questionar nada do que representa, sendo usada apenas como pano de fundo para mais uma sucessão de missões de bons contra maus, ou, neste caso, para o aspeto central do seu pacote – os confrontos online.
As missões são maioritariamente lineares, com objetivos claros e caminhos bem delimitados, cheios de barreiras invisíveis que impõem um “volta para traz ou falhas a missão” sempre que nos afastamos do seu contido perímetro ou trajeto previsto. Essa estrutura limita qualquer sensação de liberdade ou experimentação, tornando a campanha uma sequência previsível de combates. Essa sensação de limitação continua na sua variedade de armas, também superficial, e no uso de veículos que são opcionais, restritos ou totalmente scripted, quase sempre em espaços controlados e em pequena escala (com exceção de uma das suas nove missões). Com isto, também se faz sentir a ausência de missões maiores, onde se poderia usar aviões ou helicópteros, que estão completamente ausentes da campanha.
Há também uma falta evidente de visão criativa no uso das mecânicas centrais de Battlefield, em particular na destruição dos cenários. A série que sempre viveu dessa dimensão imprevisível, aqui é usada com timidez e de forma quase decorativa. Quando tenta ser mais espetacular, fá-lo através de sequências pre-renderizadas de qualidade duvidosa, ou corta o controlo ao jogador com cenas em primeira pessoa, muito caóticas e mal realizadas, a metade do frame-rate do jogo (passando de 60FPS para 30FPS). Uma decisão estranha, dissonante e muito irritante.
E continuando na apresentação do jogo, no geral, também é algo que desilude. Desde a direção artística militar genérica e sem alma, passando pela apresentação técnica com visuais pouco impressionantes e pela menção de bugs e glitches reminiscentes de uma falta de polimento de jogos infames como Mass Effect Andromeda (que na altura também usou o Frostbite Engine). Battlefield sempre se posicionou como um novo patamar visual no género, mas aqui não aproveita a sua campanha para tirar partido das capacidades visuais dos avanços do seu motor gráfico. E não é pela falta consciente de técnicas como o ray-tracing para reflexos e sombras, mas sim pela sua apresentação geral que pouco ou nada grita a “next-gen”. Não faltam elementos de baixa resolução ou geometria no ecrã, animações robóticas, expressões faciais irrealistas e sem vida, ou ambientes estáticos. Battlefield consegue ser muito melhor do que isto, mais rico, dinâmico e imersivo.
Apesar do desempenho do jogo ser excelente, com os seus 60FPS em consola (jogado na PlayStation 5 Pro), fui confrontado com alguns problemas que impactaram a experiência. Coisas como falhas de ligação à Internet que deitam o jogo abaixo, loadings lentos que apresentam o ecrã de espera aos servidores, bugs visuais com personagens e elementos no ecrã que desaparecem milagrosamente, inimigos que entram num estado de bloqueio e obrigam a reiniciar o checkpoint para serem eliminados, e animações, que, para além de serem robóticas, também se apresentavam quebradas. A lista é grande e inclui também uma falta de polimento na própria direção do jogo quando as passagens de jogo com sequencias de ação mais automatizadas não colam de forma seamless.
O modo de campanha de Battlefield 6 apresenta-se assim como um modo de jogo descartavél, que pode ser ignorado por todos os jogadores. É certo que a maior parte deles está a pensar no modo multijogador, mas é uma enorme pena que este modo não tenha sido mais bem trabalhado. Não é uma porção de jogo completamente horrível, mas com tão pouco para dizer e fazer, afirmar que é um enorme desperdício é a única coisa que me apetece comentar. Não é só um desperdício de potencial, como mencionei várias vezes ao longo do texto, é também um desperdício de talentos, de ideias e de projetos que transcendem Battlefield. O jogadores merecem mais e melhor, assim como as suas equipa e, por extensão, a indústria. Esta campanha é um claro exemplo de que se não sabiam o que queriam fazer, mais valia estarem quietos e apostar em algo diferente.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Electronic Arts.