Assassin’s Creed Shadows é um excelente novo capítulo da popular saga da Ubisoft, com mil e uma razões para mergulharmos e nos deixarmos apaixonar. Mas a forma como a Ubisoft entrega os seus jogos, e a falta de cuidado no suporte, podem transformar-se numa barreira que dita rapidamente o fim da aventura.
Tenho uma relação difícil com a Ubisoft. As experiências mais atuais apresentam-se como jogos com clichés mecânicos que saturam rapidamente a minha paciência e testam o meu défice de atenção, contrastando com a adaptação de franquias pelas quais até tenho algum carinho (Star Wars e até Avatar) e a apresentação de mundos e aventuras legitimamente interessantes.
Nos últimos anos, esse tipo de relação tem sido uma constante, quase sem exceções, mas que em nada corresponde ou espelha os argumentos da campanha de ódio projetada por algumas franjas da comunidade de jogadores. É, até certo ponto, um daqueles casos de “não és tu, jogo, sou mesmo eu”.
Ainda distante do ódio desproporcional à sua nova aposta, Assassin’s Creed Shadows poderia ter sido um ponto de viragem positivo, oferecendo finalmente algo com que poderia olhar de lado para muitos dos clichés à lá Ubisoft, abraçando o seu mundo e personagens com força, deixando-me levar ao sabor do vento durante horas de exploração e de missões secundárias. Mas, desta vez, uma barreira técnica, um imprevisto singular, pessoal, mas inerente à plataforma de acesso aos meus jogos, impediu-me de continuar a história de Naoe e Yasuke. Refiro-me a dados do jogo corrompidos.
Durante 21 horas de jogo, Assassin’s Creed Shadows divertiu-me imenso, como um Assassin’s Creed não fazia desde, talvez, Unity. Desde então, não faltaram jogos de altas produções da série, que fui experimentando aqui e ali, à procura de algo que me fizesse ficar naquele mundo para além das suas horas iniciais. Só Mirage foi capaz de o fazer, apesar de entregar uma das experiências mais medíocres e “ok” dentro do seu género. Assassin’s Creed Shadows, porém, revitalizou o meu interesse na série graças ao “corte na gordura” no que toca a conteúdo, foco narrativo, excelente ambiente e período escolhido, e nos seus protagonistas, origens e motivações. E, claro, graças a uma jogabilidade divertida e profunda o suficiente para a experimentação.
Para quem estiver fora da esfera dos videojogos, Assassin’s Creed Shadows abraça finalmente o Japão Feudal, mais precisamente durante o século XVI, quando os europeus, em particular os Portugueses, tentaram infiltrar-se no país nipónico, impingindo sua a cultura e religião. Esta premissa deu à equipa da Ubisoft a oportunidade de adaptar a história de Yasuke, um escravo português de origem africana tornado Samurai, adotando-o como um dos dois protagonistas – isto com uma boa dose de liberdade criativa, como a série sempre fez com personagens reais e históricas. A segunda estrela é Naoe, já uma personagem fictícia e o coração emocional desta aventura, que carrega consigo o fardo de dar continuidade ao legado da irmandade de assassinos.
Mais do que em jogos anteriores da série, Assassin’s Creed Shadows é, sem dúvida nenhuma, uma das entradas mais cinemáticas e narrativas da série de que tenho memória. Pelo menos nas horas iniciais, sobretudo dedicadas a Naoe, onde grande parte do tempo é passado a assistir ao seu crescimento e a uma série de eventos traumáticos e descobertas que a moldam e a tornam numa personagem tridimensional, com motivações fortes e uma missão bem vincada que passa pelo cliché de vingança, liderança e libertação típicos destas histórias. Já Yasuke surge mais tarde, também com o seu desenvolvimento focado, mas menos aprofundado do que Naoe. Ainda assim, o suficiente para ficar investido na sua história pessoal e querer continuar a fazer missões consigo.
Algo que é particularmente notável em Assassin’s Creed Shadows é a calma com que o jogo nos apresenta conteúdo complementar, desde missões secundárias, novas personagens, atividades no mundo ou, até, a progressão da personagem com habilidades e equipamento. Não é propriamente nada de revolucionário nem algo que não tenhamos visto noutros jogos, mas é de assinalar como existe uma certa simplicidade na gestão e no malabarismo destes elementos, ao ponto de ter tido imensos momentos em que pensei: “até me esqueci que este era um jogo da Ubisoft.”
Com uma leitura de objetivos bem clara, eventualmente a lista começou a crescer e o teste ao meu défice de atenção tornou-se mais agressivo, mas nada comparado ao nível de saturação de, por exemplo, Valhalla, onde a cada minuto o jogo parecia apresentar novos elementos com o seu próprio manual de instruções.
Talvez parte desta simplicidade (que acaba por se revelar complexa) tenha a ver com a natureza do mundo e do ambiente em que se inspira, o Japão Feudal. As comparações a um Ghost of Tsushima serão óbvias. Assassin’s Creed Shadows não existiria sem o sucesso do jogo da Sucker Punch, mas não nos devemos esquecer que Ghost of Tsushima não existiria sem anos de jogos de mundo aberto da Ubisoft. Assim, acabam por se complementar conceptualmente ambos , mas não poderiam ser mais diferentes.
Não só o período histórico apresenta uma separação de séculos, como a própria visão e direção artística dos jogos é claramente distinta. Ghost of Tsushima aposta numa era do Japão mais simples, mais natural e menos povoada, ainda que embrenhada em conflitos bélicos. Já Assassin’s Creed Shadows apresenta um mundo mais evoluído, populado, e politicamente e socialmente complexo. Adicionalmente, a direção artística também aponta para caminhos opostos, com Ghost of Tsushima a apresentar um mundo mais onírico, com uma paleta de cores mais vincada, um mundo mais segmentado e distinto, com ambientes e momentos dignos de uma tela pintada, segundo a lógica da cinematografia, onde tudo é apresentado por design e de forma consciente. Assassin’s Creed Shadows, porém, tem uma direção mais focada no fotorrealismo, com ambientes visualmente mais ruidosos – mas bem trabalhados –, mais palpáveis e realistas, que acabam por revelar alguns dos meus problemas com o jogo.
Não há dúvida que Assassin’s Creed Shadows é um jogo belíssimo e um novo passo para a Ubisoft no que toca a tecnologias usadas, como o ray tracing, iluminação global, geometria avançada de personagens e de elementos do mundo, entre outras coisas. Mas o seu mundo expansivo rapidamente perde a sensação de novidade, com áreas e regiões pouco distintas, repetição de arquiteturas e elementos naturais que tentam evocar demasiado a ilusão de espaços reais, com um resultado pouco convincente, artificial e, em parte, aborrecido. Algo que me levou mais vezes a recorrer ao fast-travel do que à navegação orgânica e natural, a pé ou a cavalo, pelo seu mundo do ponto A ao ponto B.
O ritmo das missões propostas não é agressivo, com Assassin’s Creed Shadows a abraçar o elemento RPG de escolhas de objetivos de forma bastante orgânica. A exploração do mundo abre, obviamente, com mais coisas para fazer, com NPCs que nos pedem ajuda, ou atividades secundárias que nos dão pontos adicionais para as habilidades, sendo estes elementos os mais convidativos à exploração, mas sem nunca se posicionarem como objetivos obrigatórios para a progressão. Assim, é possível equilibrar as nossas aventuras entre objetivos principais e secundários de forma satisfatória, abrindo-nos a oportunidade da experimentação da jogabilidade.
A ação furtiva é um dos pilares principais da série Assassin’s Creed, e Assassin’s Creed Shadows aperfeiçoa a fórmula finalmente adaptada ao “simulador Ninja”. Não revoluciona a forma como abordamos os conflitos, apenas a adapta ao move set natural do que imaginamos que um ninja é capaz de fazer nas sombras, com destaque para momentos de ação furtiva onde saltamos de telhado em telhado ou podemos saltar para o teto de uma divisão para não sermos vistos pelos inimigos.
O mais agradável desta abordagem não é a fórmula já pré-estabelecida da Ubisoft no que toca à ação furtiva, mas sim a fluidez do controlo da personagem e das suas animações, que se desmultiplicam de acordo com o arsenal usado e os seus finalizadores mais espetaculares. Claro que esta é apenas uma das partes da jogabilidade, especialmente focada em Naoe, já que Yasuke tem um controlo substancialmente diferente.
Yasuke, tal como Naoe, pode ser utilizado livremente durante a exploração e em missões específicas, com um sistema de troca bastante simples, aparecendo no mesmo local da personagem anterior. Contudo, em vez da furtividade, Yasuke é um tanque, uma parede brutal, com recurso a espadas longas, tacos e arcos e flechas — ideal para entrar numa fortaleza com caos e violência e não tanto pelas sombras com subtileza. É possível adotar uma abordagem mais furtiva, mas abordar os inimigos como se de um Exterminador Implacável se tratasse é infinitamente mais divertido.
Infelizmente, o meu tempo com Assassin’s Creed Shadows não passou de uma experiência com fim precoce, que me impediu de explorar mais a fundo algumas das minhas apreciações e críticas. Ao longo do meu tempo neste Japão virtual, a chama por este tipo de jogos e, particularmente, por Assassin’s Creed, foi reacendida, ao ponto de, em momentos chave, estar tão investido que mergulhei em wikis e em vídeos de YouTube para me colocar a par com o lore da franquia — algo que é explorado de forma particularmente tímida nas primeiras horas de jogo, ou não fosse esse aspeto algo para descobrir nesta aventura na pele de Naoe.
Ao fim de 21 horas, um crash. Um crash como tantos outros que já tinha tido na versão para PC, via Ubisoft Connect. Mas este foi diferente, pois corrompeu os meus dados. O cliente da Ubisoft revelou-se o verdadeiro boss final desta minha aventura com Assassin’s Creed Shadows, ao fazer upload de ficheiros corrompidos. Após backups, reinstalação do jogo, do cliente, de drivers e outras experiências que consumiram mais umas horas tangentes às do jogo, atirei a toalha ao chão e aceitei o meu destino: Ou recomeçaria tudo de novo; ou abandonaria o jogo por completo.
Assim, a minha opinião sobre Assassin’s Creed Shadows fica comprometida, tal como uma avaliação de recomendação, pois como poderei eu recomendar um jogo que estava legitimamente a gostar de experienciar, quando o jogo me deixou de funcionar? Que garantias tenho de que outros jogadores não terão este ou outros problemas semelhantes? Bugs e glitches podem ser giros e engraçados, e encontrar um jogo travado de tempos a tempos é perfeitamente comum — portanto, costumo ignorar esses aspetos com frequência. No entanto, com uma porta assim fechada, Assassin’s Creed Shadows recebe uma apreciação negativa da minha parte. Não tanto pelo jogo em si, mas pela plataforma e condições em que a Ubisoft oferece os seus jogos aos jogadores.
Cópia para análise (versão PC) cedida pela Ubisoft.