Não há melhor altura para (re)visitar The Last of Us como agora.
Com The Last of Us Part II mesmo ao virar da esquina, resolvi fazer algo que já tinha pendente há demasiado tempo e joguei a primeira parte, agora remasterizada na PlayStation 4.
Antes de falar desta revisita do opus magnus da norte-americana Naughty Dog, há algumas coisas que preciso de tirar do peito, entre elas a de que a minha primeira aventura ao lado de Ellie e Joel não me marcou tanto como gostaria, um efeito que parece ter abalado a indústria e toda a comunidade de jogos no seu lançamento em 2013.
Depois de uma experiência amarga com Uncharted 3, aliada ao meu desinteresse por mundos pós-apocalípticos, com zombies, e com a existência de outros jogos que se ajustavam mais aos meus gostos pessoais, uso estes argumentos para justificar o meu sentimento de descarte na minha primeira jornada em The Last of Us. Lembro-me obviamente de o jogar, mas, infelizmente, não fez o suficiente para me marcar.
Apesar de já se terem passado quase sete anos desde que Ellie e Joel se apresentaram ao mundo, a sua sequela não tardou em ser revelada, tendo acontecido três anos e meio depois. Foi aí que me apercebi o quão mal eu experienciei The Last of Us, ao ponto de não me lembrar da maioria dos seus eventos, além do seu chocante, e sempre emocionalmente eficaz, início. Este esquecimento tem as suas vantagens, especialmente agora que The Last of Us está disponível na PlayStation 4 em forma remasterizada. Por isso, com a sequela a caminho, achei que era a altura perfeita para me atualizar.
Senti-me iluminado no final da minha nova aventura. A “verdade” esteve sempre à minha frente: The Last of Us é um jogo excecional, ligas acima de 99% do que é feito ainda hoje, quer em nível técnico quer a nível narrativo. Mas não deixa de apresentar alguns pontos menos positivos (aos meus olhos), que espero que a Part II resolva.
The Last of Us Remastered passa-se num futuro próximo, em 2033, quando a sociedade se desmoronou devido a uma pandemia global, um cenário que atualmente tem um peso emocional muito maior devido à COVID-19, cuja falta de cuidado no seu combate e controlo poderá levar-nos até um cenário perigosamente semelhante, exceto pela existência de zombies/mutantes.
Por si só, visitar este mundo decadente, mas igualmente belo da Naughty Dog, é uma experiência estranha nos dias de hoje: é como olhar para uma janela de um universo paralelo que mostra uma possível realidade negra.
Neste mundo de sobreviventes acompanhamos Joel, um pai em luto, cuja missão é levar a jovem Ellie, imune ao vírus que desolou o mundo, até um refugio, onde supostamente poderia viver com o mínimo de condições até ser a cura desta pandemia.
Por esta altura, quem já jogou já sabe a história, o ritmo, os dramas e as aventuras sofridas dos nossos protagonistas, pelo que não vou estragar as surpresas aos novos jogadores. No entanto, é impossível falar de The Last of Us sem referir o nível de excelência na escrita da história, do mundo e das personagens.
The Last of Us Remastered é um blockbuster dos raros, com uma apresentação cinemática e narrativa com potencial para prémios dos Óscares da Academia. Uma observação que poderia ser exagerada, não fosse a busca e perseguição por uma adaptação do jogo ao grande ecrã tão concorrida que atualmente está nas mãos da HBO para se transformar numa série, escrita pelo produtor do jogo (e da sua sequela) e do criador da aclamada série da rede televisiva, Chernobil.
Mas, como em muitos jogos, há coisas que não serão tão fáceis de transcrever para um meio menos interativo, especialmente nos momentos mais calmos do jogo, onde o nosso objetivo é simplesmente andar em frente ou explorar, encontrar uma casa abandonada e conhecer a história dos seus antigos habitantes apenas pela forma como o cenário é apresentando, onde os objetos, pistas e por vezes os seus corpos contam as histórias. É também nesses momentos, quando as personagens interagem e partilham o que lhes vai na alma ou no seu passado, que os seus laços se tornam muito mais fortes do que quando acontece uma cinemática. E nos momentos de ação, onde a urgência de uma fuga ou salvamento bate mais forte, é fácil vestir a pele da personagem e perceber as emoções que lhe vai na alma.
Jogar The Last of Us Remastered não é, e dificilmente será, a mesma coisa que assistir a The Last of Us, por estas e outras razões. São detalhes invisíveis, ou os ingredientes secretos, que tornam este jogo um título obrigatório para os fãs de aventuras mais narrativas.
Algo pelo qual The Last of Us Remastered é bastante gabado é pela sua imersão, especialmente pelo nível mais elevado, que desliga uma série de indicadores, como o “modo de detetive”, auto-aim, elementos do HUD, etc, que tornam o jogo mais realista e que nos obrigam a usar os sentidos. Não é para fracos, mas também não é razão para alienar os jogadores mais novatos, porque existe sempre um modo fácil (e outros três pelo meio, totalizando cinco), que tornam o jogo num verdadeiro passeio virtual.
The Last of Us foi lançado no final da geração da PlayStation 3, o que significa que tirou o máximo de partido da consola da Sony. Na versão da PlayStation 4, o jogo está melhor, com resoluções de 1080p ou superiores (na PS4 Pro), taxas de frames mais altas, texturas de melhor qualidade e conta até com suporte HDR.
Apesar de não ser propriamente um jogo recente – A sua remasterização foi lançada a meio da geração atual -, The Last of Us impressiona a nível técnico, o que é ainda mais impressionante quando este é um título que aponta para o fotorrealismo na sua direção artística, algo que normalmente envelhece mal, mas aqui não é de todo o caso.
Apesar de datado, apresenta-se extremamente atual. Os modelos das personagens são extremamente detalhados e com melhor qualidade do que muitos jogos atuais, todas as animações são credíveis e fluidas, o sistema de iluminação dos cenários torna o jogo numa janela e claro, o trabalho de câmara dentro do jogo e nas suas cinemáticas tornam The Last of Us num “filme” interativo sem grande esforço. Há muito “smoke and mirrors” que nos dão a ilusão de um realismo e qualidade maior do que a que existe, mas a verdade é que, tecnicamente, é eficaz e atual, a menos que paremos ou puxemos do modo de fotografia para apreciar alguns objetos ou elementos de fundo menos detalhados.
E todo este aparato visual é acompanhado por uma excelente prestação dos atores que dão vida e alma a Joel e Ellie, retratados de uma forma tão natural e realista que será certamente difícil de, no futuro, vê-los nas nossas televisões com outras caras e vozes. O que felizmente não irá faltar é a fantástica banda sonora de Gustavo Santaolalla, que é quase um terceiro elemento da nossa jornada com as melancólicas e deliciosas melodias da sua guitarra, e que estará de volta na segunda parte e até na série da HBO.
A nível de jogabilidade, The Last of Us também se apresenta bastante atual. Este é, para mim, um dos elementos menos favoritos do jogo, mas que reconheço que funciona para o seu propósito, ao mesmo tempo que nos relembra que o salto da geração da PS3 para a PS4 não foi tão espetacular a nível mecânico como muitos esperariam. É um jogo de ação na terceira pessoa, com momentos de ação mais frenéticos e outros de ação furtiva, que nos dão alguma flexibilidade para lidar com alguns confrontos.
Tinha na minha memória que os encontros com humanos, clickers e infetados eram mais frequentes. Nesta minha aventura, optei por fazer o mínimo de barulho possível e evitar estes confrontos, mas quase sempre sem sucesso. A ação furtiva é extremamente divertida, especialmente conhecendo os padrões dos inimigos e usando objetos para controlar os seus movimentos, e é, sem dúvida, uma das melhores abordagens a ter no jogo, porque além de termos quase sempre os nossos recursos contados, o sistema de tiro não é, de todo, o meu favorito.
Há um peso, um desleixo da nossa personagem, em acertar eficazmente nos inimigos, especialmente em dificuldades maiores, o que às vezes torna tanto humanos como clickers em inimigos esponja, resultando em alguns confrontos mais tensos em bombas de ansiedade desproporcional, onde os inimigos vêm de todo o lado e não temos como sobreviver.
E claro, temos também os puzzles, ou as tentativas de puzzles, que se resumem a arranjar maneiras de passar de lado A a lado B, subir ou descer de áreas, etc, que são excelentes para obter novos pedaços de história através das interações das personagens, mas que acabam por parecer um excesso para esticar a longevidade do jogo.
Estas são pequenas observações muito pessoais de uma revisitação feita apenas por curiosidade, mas que são importantes para perceber o que poderá mudar, ou não, na segunda parte. Mas se há coisas que são objetivas em The Last of Us é que a sua jornada é bela, trágica e emocional e as personagens são tão ricas como o seu mundo, explorando um lado da condição humana que talvez nunca tenha sido tão importante como agora.
Depois deste pequeno aperitivo e com os portões abertos para mais uma nova aventura, fica no ar se The Last of Us será capaz de repetir a proeza elevando a fasquia, ou se será apenas uma sequela. Dia 19 de junho ficaremos a saber.
The Last of Us Remastered está disponível para a PlayStation 4.
Plataforma: PlayStation 4