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Uma conversão muito sólida de um dos títulos mais surpreendentes de 2021.

Não sou o maior adepto de piadas fáceis, mas admito que é difícil resistir à sua simplicidade e determinação em surpreender o ouvinte. No secundário, o meu professor de informática era adepto destas piadas. Entre trabalhos, costumava chamar alguns alunos para partilhar a sua sabedoria tradicional. Já era uma parte integral da disciplina e nós, enquanto turma, tentávamos sempre puxar por este seu lado mais humorístico. Uma das suas piadas favoritas começava, como muitas outras, com uma pergunta: sabem porque os cemitérios são quadrados e não circulares? A resposta vinha logo a seguir: porque circular é viver.

Não pensava nesta piada há anos, perdida e recalcada nos verdes anos do secundário, mas existe alguma verdade na sua idiotice popular. Em Loop Hero, o mais recente título da Four Quarters, o nosso herói está preso numa realidade em repetição, sem escape aparente à vista, obrigado a realizar e a viver as mesmas ações em busca de um fim para a sua tormenta, mas também de respostas para o que o levou a ficar preso neste paradoxo temporal. Esta estrutura repetitiva assenta-se numa experiência roguelike, como só poderia ser, o que significa que nenhuma tentativa será idêntica à anterior. A novidade nasce assim da rotina, onde as ações são repetidas, mas nunca inteiramente iguais. Mas sabem o que é sempre uma certeza neste mundo de surpresas? Os níveis são sempre circulares.

Com um ponto de partida definido, a nossa aventura resume-se a caminhar em torno de um caminho definido e circular, onde iremos encontrar inimigos, itens e equipamentos, mas também cartas que nos permitem personalizar esta viagem cíclica. O objetivo é sobreviver, não fossem os níveis circulares – a sabedoria popular nunca falha –, mas também melhorar os atributos do nosso herói e conquistar recursos que lhe permitem evoluir o seu acampamento. O movimento e os combates são automáticos, com os últimos a serem por turnos, mas existe sempre a possibilidade de pararmos a ação para posicionarmos novas cartas e equiparmos novas armaduras e armas – que são descartadas quando as substituímos, por isso, não se apeguem a nenhuma delas. Cria-se assim um híbrido entre idle game, ainda que muito mais interativo, e um roguelike, onde a sorte está tão presente como a nossa aptidão para gerir as cartas e o equipamento que temos à nossa disposição.

As cartas são um dos elementos que mais se destacam em Loop Hero, pois mudam por completo o ritmo e a dificuldade de cada tentativa. O jogo aproveita o formato circular dos seus níveis, que vão ficando mais desafiantes à medida que completamos voltas inteiras ao seu circuito – como se fosse, na verdade, uma corrida de automóveis, onde os veículos são substituídos por vampiros, harpias e goblins –, para dar mais agência ao jogador através da possibilidade de influenciar as suas partidas. As cartas representam novos biomas que podemos colocar em jogo, desde prados a montanhas, cujos atributos podem influenciar positivamente a nossa partida. No entanto, existe a outra face da moeda. Estas cartas representam também os covis de inimigos e, ao colocarmos em jogo, estamos a determinar que teremos mais monstros para eliminar, o que irá comprometer as hipóteses de terminarmos mais uma volta e fugirmos com os recursos conquistados. Agora vem aí o revés da moeda de três faces: sem estes biomas não teremos acesso a recursos e não poderemos melhorar o nosso acampamento.

O ritmo de Loop Hero é, assim, marcado entre o cálculo do risco e da recompensa que teremos no final de cada partida. Apesar de existir a possibilidade de fugirmos em qualquer momento, a verdade é que iremos perder sempre recursos preciosos se o fizermos. O posicionamento das cartas é essencial e, se acumularmos cartas idênticas, temos acesso a mais e maiores atributos, mas também a recursos: sempre com o revés de aumentarmos a dificuldade da partida. As cartas determinam a progressão de Loop Hero e desbloqueiam novos momentos narrativos, mas também o objetivo final de enfrentar o feiticeiro que nos prendeu neste loop interminável. A dificuldade é inescapável. Para jogarem terão de arriscar, não há escape. No entanto, Loop Hero está muito equilibrado e senti que o ritmo e a probabilidade de desbloquearmos novas cartas e equipamentos está num ponto satisfatório, permitindo ao jogador continuar a explorar sem se sentir muito incapacitado. Claro que vale a pena relembrar que estamos perante um roguelike, logo, a sorte será sempre um fator determinante para a tão cobiçada diversão, mas também uma medida de comparação para os menos pacientes.

Fora de combate, o jogo assume ainda mais esta veia de gestão ao permitir que melhoremos o acampamento do nosso herói. Entre novas personagens e momentos narrativos únicos, que surgem sempre que terminamos uma partida, temos à nossa disposição várias lojas e opções para evoluirmos o acampamento. Desde cozinhas a ferreiros e herbanários, Loop Hero dá-nos a oportunidade de influenciar passivamente os atributos do herói ao permitir que comece cada partida com algumas vantagens. Para tal, temos de recolher os recursos necessários para nos lançarmos na construção destas novas tendas, o que significa, por sua vez, que temos de arriscar mais em combate e entregar-nos à sorte das cartas. O loop de jogabilidade é muito viciante e mantém-nos agarrado à campanha devido a estes micro objetivos que traçamos pessoalmente. Queremos começar cada partida com um equipamento completo? Então temos de apostar mais nas florestas e encontrar mais madeira. É um bioma funcional e muito equilibrado, cujas peças servem funções muito específicas e insubstituíveis, onde sou levado a crer que bastava retirarmos uma das mecânicas para Loop Hero cair por terra.

Não foi a primeira vez que me deparei com o jogo da Four Quarters. A curiosidade levou-me a experimentar a versão PC, onde fiquei convencido pelos seus controlos simples e intuitivos. Esta harmonia mecânica e de interface levou-me, no entanto, a temer uma conversão para as consolas: apesar da sua alma intuitiva, como iria o comando substituir a agilidade do rato? A resposta é simples, pelo menos na Nintendo Switch: controlos táteis. O rato continua a deixar saudades profundas, mas muitos dos problemas tradicionais destas conversões para as consolas são mitigados pela facilidade com que utilizamos o ecrã tátil da Switch. Podemos selecionar itens, arrastá-los e posicioná-los no mapa sem termos quaisquer problemas – ações que serão ainda mais intuitivas se utilizarem o auxílio de uma caneta própria para este tipo de ecrãs. Com um desempenho sólido, onde a arte suplanta tudo o resto – o seu estilo retro revivalista/CRT é surpreendente e muito marcante devido às cores esbatidas –, recomendo que joguem apenas em modo portátil e longe da televisão.

Loop Hero é uma experiência muito completa. Arrisco-me a dizer que é muito mais complexa do que aparenta ser, com sistemas bem definidos e interdependentes que se conciliam para proporcionar uma aventura tão desafiante, como cerebral. Não é um jogo para todos, mal de si se fosse, e existe uma tolerância à repetição necessária para conseguirem chegar ao fim: não fosse este mais um roguelike. No entanto, é diferente e é diferente não por ser inovador, mas pela forma como combina as várias faces da sua moeda; ora apresenta um sistema de dia e noite, ora é um jogo de cartas. Há muito para explorarem em Loop Hero, onde a campanha é composta por níveis circulares e uma vontade enorme em sobreviver. Isso lembra-me uma piada, já muito antiga, se calhar até a conhecem.

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Cópia para análise (versão Nintendo Switch) cedida pela Cosmocover.

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