O canguru mais famoso da sua rua está de regresso com um reboot seguro repleto de problemas de desempenho que irão testar até os mais pacientes.
Desaparecido desde 2005, Kao the Kangaroo parecia ser mais uma das inúmeras mascotes perdidas no tempo, artefactos de outras eras, impróprios para consumo numa geração mais predisposta às partidas online, aos mundos abertos e a sensibilidades mais cinematográficas que pouco se correlacionam com os antigos jogos de plataformas. Contra todas as adversidades, Kao parece recusar-se ao esquecimento e regressa com um inesperado reboot que procura modernizar a sua fórmula clássica, mas sem perder a sua alma nostálgica, procurando um meio-termo capaz de ser apetecível para os fãs da série original, mas também para aqueles que procuram um novo jogo de plataformas em 3D. Infelizmente, Kao the Kangaroo decidiu reapresentar-se ao mundo com um projeto repleto de problemas, munido com mais bugs do que ideias e com uma vontade estonteante em ser perigosamente mediano que presumo que a sua campa permanecerá quente, quentinha para o receber de volta.
Apesar do meu sarcasmo, Kao the Kangaroo não é um desastre completo – pelo menos numa primeira fase. 17 anos depois do seu desaparecimento, Kao regressa com um coração saudosista e mune-se da estrutura, mecânicas e progressão que deram vida a tantos outros jogos de plataformas em 3D. Se me dissessem que Kao the Kangaroo tinha sido lançado em 2005 ou 2010, eu acreditaria, ainda que os seus gráficos em alta definição revelassem o seu estatuto mais moderno. Como seria de esperar, temos Kao como protagonista e, como seria de prever, o adorável canguru antropomórfico parte numa aventura em busca do seu pai e da sua irmã, ambos desaparecidos há vários anos, enquanto descobre mais sobre o seu legado, o mundo e os seus próprios poderes, criando amizades ao longo de várias zonas distintas e muitas aventuras que envolvem saltos arriscados e combates simplificados numa campanha ausente de grandes novidades.
Como qualquer outro jogo de plataformas, a nova aventura de Kao divide-se por várias zonas, compostas por um HUB principal, onde encontramos lojas, novas personagens e ainda a possibilidade de colecionar alguns dos seus inúmeros colecionáveis. Os HUB são limitados, funcionando mais como uma distração momentânea do que zonas repletas de atividades secundárias, mas cumprem a sua função de injetar alguma personalidade ao mundo de banalidades de Kao e tecer alguma ligação emocional com as suas personagens. A partir dos HUB, podemos escolher os vários níveis da campanha, restritos por cristais – outro elemento clássico do género, ainda que pouco imperativo, visto que o jogo nunca nos obriga a repetir níveis para colecionarmos cristais e avançarmos na campanha – e aventurar-nos por mundos repletos de plataformas, inimigos e pequenos puzzles visuais. Os níveis são sempre lineares, ainda que existam caminhos secundários que escondem segredos e colecionáveis, e dividem-se entre exploração e combate, quase sempre restritos a uma ordem tão cimentada que será possível preverem o que irão encontrar em cada nível. O que acho fascinante é que a duração de cada nível é muito acima do esperado, com a Tate Multimedia a apostar em níveis mais longos, mas numa seleção mais limitada. Talvez fosse um primeiro aviso para os problemas que já se adivinhavam e que eu ignorei durante as horas iniciais.
Fora do seu mundo colorido, mas destilado, cuja péssima prestação dos atores leva-nos a pensar que estamos preso num desenho animado das prateleiras poeirentas de um clube de vídeo – algures no fundo de um móvel, onde residem e morrem adaptações forçadas de obras mais populares, como imitações dos títulos da Disney e Dreamworks -, encontramos o mesmo leque de mecânicas que seria previsível num título de plataformas. Apesar de ser um canguru, Kao dá pouco valor às suas origens e aos clichés da sua espécie quando adaptada para o palco dos videojogos. Se estão à espera que Kao seja capaz de saltar mais alto ou utilizar a sua cauda como um trampolim improvisado – ou como ajuda para algumas das plataformas, onde poderia agarrar lianas e afins – não é isso que vão encontrar neste reboot. Kao segue à risca o modelo imposto por outros títulos do mesmo género e restringe-se a um duplo salto, a ataques rápidos, a um golpe mais poderoso – gerido por uma barra que aumenta à medida que atacamos os nossos inimigos – e a um ataque aéreo, que serve para desviarmos lanças e outros objetos, mas também para destruirmos caixas fora de alcance. O único cliché permitido é o de termos um canguru capaz de lutar boxe, algo que a Tate Multimedia não conseguiu evitar ou reinventar neste regresso de Kao, mas que acaba por ser funcional o suficiente para injetar alguma variedade na jogabilidade. Isto porque Kao tem a possibilidade de absorver poderes elementais, como água e fogo, para utilizar em combate, mas também ao longo dos níveis, ganhando a possibilidade de derreter gelo ou queimar teias de aranha. Estas habilidades até podem ser combinadas com outras mecânicas, como o famoso bumerangue – outro cliché incontornável -, que podem transferir os poderes elementais e criarem vai-e-vens de fogo ou água. Que mundo!
Durante quatro horas e três zonas distintas, olhei para Kao the Kangaroo como um simples, mas sólido jogo de plataformas. Um título que não procurava destacar-se no género, mas sim ressuscitar uma personagem há muito desaparecida. É certo que estava a oferecer pouco e a ser muito repetitivo, mas quando bem aplicada, a fórmula clássica dos jogos de plataformas em 3D é quase infalível. No entanto, os problemas começaram a ser mais notórios à medida que avançava. Se não fui demovido pelos níveis lineares, pelo péssimo voice-acting e pelos designs insípidos das personagens, não posso dizer o mesmo da má otimização do jogo. Os bugs visuais foram uma constante desde o início da campanha, com clipping, personagens desaparecidas e flickering a revelarem a fita-cola que une a produção da Tate Multimedia. À medida que a campanha avançou, os problemas foram aumentando, como se o motor de jogo começassem a não aguentar a sobrecarga provocada pelos inúmeros bugs e encontrei momentos em que plataformas de salto não funcionavam – ou atiravam Kao para o infinito -, objetos que se recusavam a ser partidos ou inimigos que ficavam para sempre no cenário mesmo depois de serem derrotados – e que podiam continuar a ser atacados, prejudicando a IA de Kao, que está programada para atacar os inimigos mais próximos. Mas o pior ainda estava para vir.
Que fique registado que não terminei Kao the Kangaroo. “Que ultraje! O Horror! Como posso admitir tal coisa quando estou a criticar tão duramente este videojogo que vocês ainda não jogaram?” Terá sido preguiça? Antes fosse. O que aconteceu foi que o coração de Kao the Kangaroo, mantido vivo pelo Unreal Engine, simplesmente deixou de funcionar algures durante a quarta hora da campanha. Parou, foi-se. Depois de concluir um dos níveis, o jogo decidiu sofrer um erro tão grande que fui obrigado a reiniciá-lo, apenas para descobrir que a minha gravação foi corrompida. Quatro horas de progresso, dois bosses depois. Desapareceu, foi-se. Depois de uma sucessão impressionante de bugs e má otimização, não fiquei admirado quando Kao atingiu este ponto, mas fiquei certamente irritado e recusei-me a recomeçar a campanha – critiquem-me, se quiserem. Portanto, caros leitores, se o jogo não receber patches no dia de lançamento, tenham muito cuidado com Kao the Kangaroo, pois o mesmo pode acontecer-vos. E mal imagino os bugs que me faltaram ver até ao final da campanha. Um verdadeiro mistério.
Kao the Kangaroo é um jogo de plataformas mediano carregado à costas pelo legado duvidoso da personagem. Podia dizer que é um regresso movido por um carinho e amor por Kao e o que ele representou na indústria, mas estaria a enganar-me: a nostalgia vende e Kao representa o epítome dessa filosofia. No entanto, o regresso do canguru irritante podia ser, no mínimo, curioso, sólido até, se a otimização estivesse no ponto certo para ser lançado e tal não aconteceu. O que é mediano passa a ser irritante e intragável, e foi assim que abandonei Kao depois de quatro horas – no cú de Judas, muito longe da memória.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Renaissance PR.