Uma aventura curta, mas muito bem executada do princípio ao fim com um delicioso foco na gestão de um enorme barco.
Nunca vou deixar de considerar fascinante a dedicação dos produtores independentes aos conceitos dos seus videojogos. É preciso uma concentração tremenda, mas também um respeito inigualável por um projeto para conseguirem almejar um foco mecânico e narrativo numa aventura que poderia ter seguido os mais variados caminhos criativos. Far: Changing Tides, da Okomotive, é um desses exemplos, um videojogo de aventura e gestão que concentra a sua campanha numa perspetiva 2.5D e coloca os jogadores sob o controlo de um barco enorme num mundo contemplativo, abandonado, mas também repleto de beleza natural e simbólica.
A narrativa mantém-se visual e não temos uma única linha de diálogo que nos guie através desta realidade de calma fúnebre. A nossa personagem, que nunca saberemos o seu nome, cai no mar e parte à descoberta do seu barco, onde se foca praticamente toda a aventura de Far: Changing Tides. Entre desafios, encontramos painéis, pinturas e outras estruturas que contam um pouco mais sobre este mundo vazio, mas a sua interpretação fica totalmente ao encargo do jogador. Só retirarão o que quiserem desta narrativa, se estão dispostos a explorar mais, a investigar os detalhes e até a interligar com Lone Sails, a primeira parte da aventura, numa tentativa de dar uma maior profundidade narrativa a esta aventura puramente visual.
Far: Changing Tides fala através das suas mecânicas e, no que toca à jogabilidade, é um jogo que nunca para de comunicar connosco numa linguagem que ambas as partes percebem e bem. Para alcançarmos a nossa meta, precisamos de gerir, controlar e manusear o barco enorme que temos à nossa disposição, pois só assim poderemos manter a esperança de chegar a qualquer lado. A nossa personagem é quase como uma migalha neste mundo enorme, mas dentro do barco, é um navegador exímio, destemido e seguro da sua demanda. É a sua casa, a nossa casa, e com o avançar da campanha, esta ideia de lar torna-se ainda mais evidente à medida que melhoramos o barco e expandimos as suas divisões, onde encontramos, por exemplo, um porão, mas também o que parece ser um pequeno quarto para o nosso protagonista – e até podemos plantar uma flor e vê-la crescer ou decorar o espaço com caixas de música, que tocam sempre que interagimos com elas.
O foco mecânico mantém-se nesta relação entre a personagem e o seu barco, com cada ação e movimento a serem controlados individualmente pelo jogador. Com várias melhorias à nossa disposição, que surgem progressivamente ao longo da campanha – e a um ritmo satisfatório, ainda mais para uma campanha curta –, Far: Changing Tides apresenta-se com uma alma de gestão ao obrigar-nos a realizar todas as tarefas necessárias para fazermos algo tão simples como andarmos para a frente. Temos, por exemplo, de alçar o mastro, mas também prender as velas e controlar a sua direção para aumentarmos a velocidade do barco. Se quisermos parar, temos de repetir estas ações, mas no inverso, criando situações de tensão ao vermos um obstáculo a aproximar-se ou a deparar-nos com um dos inúmeros recursos espalhados pelo mar – que são absolutamente necessários para manter o motor a funcionar.
Com o avançar da campanha, desbloqueamos também um motor a carvão, que temos não só de encher com lenha e recursos, como também bombear com ar para manter a chama acesa e controlar a direção do barco à medida que ganhamos tração contras as ondas de uma tempestade. Estas partes, que funcionam individualmente, também são alvos de danos, que podem surgir de formas tão simples como uma ponte que derruba o mastro do barco – ou a exaustão do motor, que sobreaquece sempre que puxamos por si –, prejudicando o funcionamento do nosso barco até ser necessário mudarmos de estratégia ou arranjarmos uma forma de restaurarmos as suas funcionalidades.
Cria-se assim um ritmo entre a manutenção e manuseamento do barco, que são intercalados por momentos de exploração e puzzles, onde é importante compreender o funcionamento das suas partes para conseguirmos continuarmos na nossa viagem. Far: Changing Tides peca por repetir a estrutura dos seus desafios e tornar algo cansativa a forma como somos obrigados a repetir as mesmas ações várias vezes. Mas quando as peças encaixam, com a banda sonora a cortar o silêncio e o som das ondas – pontuando os momentos mais dramáticos e esperançosos da campanha – e o barco a ganhar velocidade contra todas as adversidades, sentimos finalmente o foco que a Okomotive tanto almejou. A gestão do barco transforma-se também numa rotina, tal e qual um lar, onde passamos a saber o que fazer até a um nível microscópico, onde basta desacelerar um pouco e alterar a direção para conseguirmos fazer o barco subir para a superfície sem bater contra nenhum obstáculo. Este controlo só surge através da familiaridade e a Okomotive consegue atingi-la ao colocar todo o seu foco nas mecânicas em torno do barco, sem grandes distrações que desvirtuem a experiência.
Entre lançamentos de renomes, de exclusivos, de show offs gráficos e de regressos há muito aguardados, encontramos projetos munidos de uma enorme força emocional. Far: Changing Tides é um desses exemplos, um jogo que se escreve entre o silêncio da sua narrativa e que se constrói sobre uma base mecânica sólida e emocionalmente reverberante ao longo das suas cinco horas. É um compromisso ao seu foco interativo e é isso que o torna tão interessante entre os mais recentes lançamentos.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Heaven Media.