Só porque a Nintendo Switch consegue correr Crysis, não quer dizer que seja jogável.
Enquanto há jogos que se popularizaram pela capacidade de correr em tudo o que tem um ecrã, como é caso do clássico DOOM e de Skyrim, outros são tão ambiciosos que ainda hoje têm dificuldade em correr sem problemas em dispositivos modernos. Um desses casos é o do tão famoso Crysis.
Lançado originalmente em 2007, Crysis chegou como uma sequela espiritual do original Far Cry, com exclusividade no PC e a promessa de mudar para sempre a forma como olhávamos para o potencial das máquinas de secretária. Desenvolvido a pensar também nos computadores do futuro, o seu lançamento tornou-o num novo padrão, onde qualquer máquina nova só passava o teste de excelência se conseguisse correr o tão ambicioso jogo de forma minimamente jogável.
Mesmo com o seu lançamento na PlayStation 3 e Xbox One, que só aconteceu passados quatro anos, Crysis mostrava-se um osso duro de roer, com as máquinas a sacrificarem os seus recursos para que os jogadores pudessem brincar no fantástico sandbox que o jogo da Crytek tinha para dar. Para todos os efeitos, foram capazes desse feito, ao ponto de receberem as sequências Crysis 2 e 3 já muito bem otimizadas.
Agora, em 2020, Crysis está de volta num formato remasterizado, com Crysis Remastered. E para surpresa de todos, a consola híbrida da Nintendo foi a primeira a receber o jogo.
Enquanto que o PC, PlayStation 4 e Xbox One estão à espera de uma versão mesmo melhorada, com suporte de tecnologias novas, como um ray-tracing por software, resoluções até 4K e uma revisão completa do visual graças às atualizações mais recentes do CryEngine, a versão da Nintendo Switch é bem mais modesta (como seria de esperar), sendo baseada na versão lançada na Xbox 360 e PlayStation 3, ou seja, com visuais menos complexos e a remoção de um dos níveis mais exigentes em termos de recursos.
Ainda assim, o resultado é estupendo e impressionante. A Nintendo Switch não tem a “força” das concorrentes da atual geração, colocando-se, na verdade, um pouco acima do que tivemos na geração passada, mas o facto de podermos ter Crysis, um jogo tão exigente, a correr nativamente numa máquina portátil, é um milagre técnico.
Há uma sensação super satisfatória de ver algo assim a correr na palma das nossas mãos, um pouco como aconteceu com The Witcher 3, que também teve uma surpreendente conversão, e dá-nos um sentimento parecido ao de ver um vídeo a correr num dos primeiros telemóveis a cores. Um levantar do véu para o futuro.
Esta versão portátil de Crysis, que também pode ser jogada numa TV com a dock da Nintendo Switch normal, não se poupa em efeitos de pós-processamento, algo que torna o jogo mais agradável do que a sua versão original ou a conversão anterior para consolas. Efeitos de profundidade, de deslocamento de câmara, iluminação trabalhada, um motor de física melhorado; é como ter todas as características do jogo original numa versão portátil, que se apresenta de forma bela num ecrã de apenas 720p, com uma qualidade de imagem surpreendentemente sólida.
Já o mesmo não se pode dizer da qualidade de imagem numa TV, onde Crysis Remastered apresenta uma aparência claramente old-gen, desfocada e onde se acentua a baixa qualidade dos modelos e texturas utilizados que, no ecrã da Nintendo Switch, não são tão percetíveis.
Mas sim. Crysis corre na Nintendo Switch. Contudo, há compromissos na experiência, sendo o mais notório o seu comportamento. A experiência Crysis na Nintendo Switch não é tão fluida como devia, com quebras severas, em particular quando jogamos na TV, onde a fluidez flutua constantemente, colocando em causa a experiência de jogo em combates mais frenéticos. Estas limitações, que até podem ser resolvidas no futuro via patch, afetam severamente a jogabilidade que é, provavelmente, o aspeto menos positivo desta conversão. Isto porque Crysis Remastered não se joga bem na Nintendo Switch.
A Nintendo Switch é uma consola extremamente versátil, especialmente se falarmos da original. Pode ser jogada em modo portátil, em modo docked ligada a uma TV, pode ser usada em modo de moldura com os seus Joy-cons separados, suporta comandos mais tradicionais, etc, e Crysis Remastered pode ser jogado da forma como o jogador quiser. No entanto, nenhum dos cenários possíveis torna a experiência agradável ou suficientemente satisfatória.
A consola pode ser ergonómica para mil e um jogos devidamente adaptados para a mesma, mas não está preparada para o estilo de jogo que Crysis oferece. A utilização dos Joy-Cons não é ideal para controlar a personagem e a mira e os problemas inerentes ao desempenho do jogo tornam os combates frustrantes até em dificuldades mais baixas. É difícil de andar e disparar ao mesmo tempo ou simplesmente apontar a mira aos inimigos, mesmo com assistência de mira e giroscópio ligado. Há algo na forma como agarramos a consola que simplesmente não casa bem com o leque de movimentos e ações que a nossa personagem tem ao seu dispor.
E se ações básicas são difíceis de executar, todas as outras como correr, saltar, apontar, modificar armas e habilidades tornam-se num desafio muito maior.
Jogado com os Joy-Cons retirados da consola, com recurso ao adaptador que os tornam num comando, ou até mesmo com um comando Pro da Nintendo Switch, Crysis Remastered torna-se um pouco mais jogável. Todavia, a magia de ter o jogo na Nintendo Switch perde-se quando não temos o jogo, literalmente, nas nossas mãos.
Esta situação levanta uma questão importante, sem uma resposta concreta: É preferível jogar em modo portátil, em modo moldura, ou na TV? A resposta ao meu dilema parece ser que a TV é a melhor opção, mas, infelizmente, está longe de ser a verdade, pois os sacrifícios para ter a experiência Crysis são demasiados, com a qualidade de imagem e o desempenho do jogo a deixarem muito a desejar nesse formato.
Crysis Remastered para a Nintendo Switch é um caso estranho, sendo tão milagroso como desastroso. Sim, a Nintendo Switch consegue correr o jogo, mas a muito custo. O próprio design do jogo não combina com a filosofia e ergonomia da consola hibrida da Nintendo, o que faz com que este lançamento não faça grande sentido. Esta versão de Crysis é uma experiência interessante, mas devia ter-se ficado por aí, como teste para o desenvolvimento e aperfeiçoamento do motor de jogo para futuros jogos mais ajustados à consola da Nintendo.
Crysis é, por si só, um excelente jogo, mas, a nível técnico, na Nintendo Switch, não é sequer bom. Levanta-se assim a questão: para quem é Crysis Remastered na Nintendo Switch quando não é possível tirar partido do melhor que o jogo tem para dar?
Plataforma: Nintendo Switch
Este jogo foi cedido para análise pela Crytek.