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Alan Wake 2 é uma conquista a todos os níveis.

Num mundo onde videojogos de altas produções são produto de um algoritmo afinado, limitados conceptualmente por decisões de executivos e qualitativamente restringidos por calendários, que não deixam voar o talento dos artistas que integram uma produção, Alan Wake 2 não se revela apenas como um milagre – após 13 anos a assombrar a mente dos seus criadores e dos fãs que ansiavam por uma continuação/conclusão -, como se revela também como uma absoluta obra-prima.

Alan Wake 2 é um jogo que não reinventa a roda, mas que usa todas as ferramentas e elementos de jogos contemporâneos ao seu dispor para oferecer um título raro, sem igual, e que se torna difícil de colocar por palavras sem fazer comparações – por vezes injustas – para outros jogos que empurram o meio para novos territórios por mérito próprio. É uma cacofonia de conceitos e ideias remisturadas conscientemente pelos seus autores, ao ponto de ser difícil de categorizar o seu género, ou de chamar simplesmente um videojogo.

São muitos os meus elogios, é verdade, e tivesse eu que lhe dar uma nota mais tradicional seria, sem pensar muito, um 10/10, com distinção suficiente para o colocar no topo da lista dos meus jogos favoritos do ano. E o mais irónico é que não só é um jogo imperfeito, como há elementos basilares com os quais eu não consegui entrar em sintonia.

Alan Wake 2 é tão sequela do jogo original de 2010 – que recentemente teve direito a uma remasterização – como um spin-off do excecional Control, que abriu as portas do Universo Unificado da Fritaria Sci-Fi da Remedy. Num exercício de projeção para a realidade, como só a Remedy tem sido capaz de fazer, Alan Wake 2 passa-se também em 2023, mas desta vez é uma jornada partilhada entre Alan Wake, que procura sair do Dark Place onde está preso há 13 anos, e Saga Anderson, uma mulher, uma mãe, uma agente do FBI, que é levada a Bright Falls para investigar uma série de assassínios levada a cabo por um culto.

Os destinos de ambos os protagonistas cruzam-se e cruzam também narrativas, meios e planos da realidade, numa jornada dentro do género de horror que é tanto uma decisão de design da equipa da Remedy, como é uma decisão tomada pelo autor Alan Wake, do próprio jogo, que tem a capacidade de criar realidades através da escrita.

alan wake 2 echo boomer 2

De projeções atrás de projeções, de reflexos do processo criativo do jogo para dentro do jogo, Alan Wake 2 é um dos exercícios criativos mais espetaculares que joguei nos últimos anos e que, francamente, só imaginaria ver a ser concretizado com este tipo de orçamento por alguém como um Hideo Kojima.

Olhemos, por exemplo, para os trechos de Alan, que compõem cerca de metade da experiência. Ao controlo do protagonista titular, somos enviados para uma versão decadente das ruas de Nova Iorque, exploramos becos degradados e sujos, zonas subterrâneas, corredores de hotéis e outros edifícios, tudo abandonado com exceção de uma Presença Negra.

Nestes segmentos, Alan procura sair do Dark Place, investigando uma série de crimes por si escritos e, para tal, usa uma lâmpada mágica que absorve luzes, transforma pontos específicos do cenário e recorre a um espaço metafísico onde, através de um quadro, é capaz de alterar a realidade, revelando pontos do tempo diferentes.

Assim, Alan Wake 2, para além do jogo de sobrevivência na terceira pessoa – altamente inspirado nos Remakes de Resident Evil -, torna-se acima de tudo um jogo de puzzles ambientais, de exploração e de leitura de cenários. Um jogo de experimentação e de lógica, onde notas mentais e um raciocínio afinado são mais importantes do que a destreza de desviar machados num momento de combate.

Estes elementos de manipular realidades não são propriamente novos. A Remedy já tinha testado as águas no mal-amado Quantum Break, mas nele nunca conseguiu sair de uma execução quase binária dentro da sua linearidade e onde a manipulação do tempo era scripted, ou uma gimmick de habilidades da personagem. Em Alan Wake 2 é mais do que isso, é um instrumento narrativo, explorado ao máximo, ao ponto de me fazer parar olhar em redor e reparar que todos os sinais, grafitis e adereços desta versão decadente de Nova Iorque não só podiam ser pistas para avançar na história e objetivos do jogo, como me colocavam imerso na mente do personagem.

Sinto que, em Alan Wake 2, a Remedy também quebrou o código no que toca a oferecer a sua exposição de construção de mundo e de avanço narrativo. Em Alan Wake (2010), parte do jogo focava-se meramente no colecionismo de páginas, que obrigava muitas vezes o jogador a parar para absorver mais um pedaço de história. Em Quantum Break, face à incapacidade de fazer world building, minou o jogo de emails e documentos – colecionáveis – facultativos e chatos. E em Control, lá conseguiu encontrar um meio termo, usando este mecanismo opcional como extensão do que é apresentado in-game e como combustível para teorias e mistérios.

Em Alan Wake 2, há uma série de novos passos que tornam este mecanismo narrativo interessante e voluntariamente consumível. Não pela sua qualidade, até porque Alan Wake 2 gosta de ser estranhamente expositivo ao ponto de eliminar certos mistérios com a apresentação de factos ou linhas narrativas mais previsíveis, mas graças a mecânicas interativas que nos colocam no papel de investigadores, neste caso, quando jogamos com Saga.

alan wake 2 echo boomer 1

Ao controlo de Saga, viajamos por diferentes áreas de Bright Falls, naquilo que podemos considerar A Realidade, ainda que esta esteja afetada pela escrita de Alan, que tenta sair do Dark Place ao ditar a trágica história de Saga. Nesta parte do jogo é onde os elementos de sobrevivência e de horror acabam por ser mais eficazes, dada a natureza mais realista e onde o risco é mais alto, e foi onde acabei por me sentir mais investido. À medida que avançamos no papel de Saga, há muitos mistérios por desvendar e puzzles ambientais opcionais, mas é nas suas missões principais onde a evolução da Remedy brilha. Saga recorre também a um espaço metafísico, mais complexo, onde nos dá a oportunidade de seguir pistas, fazer ligações, estudar perfis de personagens secundárias e tirar as nossas conclusões.

Há uma componente mecânica quase em piloto automático, linear e simplista, já que as pistas só podem ser colocadas no lugar certo, e a história só avança quando estas são apresentadas, mas uma vez que Alan Wake 2 nem sempre nos aponta na direção a seguir, as suas leituras, seguidas das nossas conclusões, fazem parte da experiência de uma forma tão satisfatória como a que temos em muitos jogos da cena indie atual focados em puzzles.

Alan Wake 2 é, em cima de tudo isto, uma celebração das artes. De quais? Todas. Da escrita, à música, à fotografia, ao cinema e, claro, aos videojogos, simplesmente por usar todas as possibilidades que apenas este meio é capaz de usar. Mas entre referências e inspirações, mais ou menos diretas daquilo que conhecemos da cultura popular e do panteão de obras culturais do último século e meio, Alan Wake 2 destaca-se pela forma como aborda as suas influências, saindo da zona de conforto estabelecida enquanto género de sobrevivência e horror, e abraçando outros géneros inesperados através de sequências ou fios narrativos marcantes e inesquecíveis, tudo integrado na narrativa do jogo, com a mesma intensidade explosiva e catártica do “Ashtray Maze” de Control. E eu vivo para momentos assim.

De gabar são também os visuais de Alan Wake 2, cuja visão da Remedy em elevar a fidelidade gráfica casam na perfeição com as ambições de cruzar elementos in-game com vídeo de imagem real, eliminando assim a linha que separa do Filme do Videojogo.

Claro que Alan Wake 2 continua a parecer-se com um jogo e tem um registo de estilo bem afinado, mas são inegáveis o esforço e o resultado da Remedy em tornar Alan Wake 2 o jogo mais imersivo, atmosférico e fotorrealista desta geração, provavelmente entregando os melhores visuais até à data. Os ambientes são do mais rico que podemos encontrar num videojogo e, adicionando a este argumento a incrível direção artística e level design que tornam cada área única, visitar Bright Falls ou o Dark Place é um deleite para exploradores, que, em qualquer canto, encontrarão algo de único e emocionante, mesmo que não exista nada para colecionar. É, no entanto, uma pena enorme que Alan Wake 2 não tenha um modo de fotografia. Algo que poderá ser adicionado no futuro, mas que adoraria ter explorado para registar esta minha primeira viagem.

Com visuais de ponta, surgem compromissos. Num PC bem preparado, os sacrifícios são menores e é possível ter um jogo com uma apresentação aproximada a uma animação CGI de forma extremamente consistente. Já nas consolas, como na PlayStation 5, notam-se os ditos sacrifícios. Continua um jogo belíssimo e com todas as qualidades descritas anteriormente, mas a resolução dinâmica denuncia uma imagem mais suave, com arestas de objetos a destacarem-se mais e com um desempenho inconstante, especialmente em áreas mais densas e cenários mais caóticos. Se tiver que apontar criticamente pontos negativos, seria mesmo uma perda de desempenho em pontos muito específicos do jogo, mas que em nada afetam a sua experiência no geral. Felizmente, Alan Wake 2 conta com um modo de Performance, para além do de qualidade, que aponta para os 60FPS em sacrifício da resolução. É uma experiência mais suave, mas que acaba por desvirtuar a visão da Remedy em oferecer uma experiência cinemática, rica e consistente com os segmentos live-action espalhados ao longo da jornada.

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Existem outros aspetos dos quais também me poderia queixar, mas no grande esquema das coisas, seriam notas excessivas e demasiado pessoais, como é o caso da sua jogabilidade que, apesar de afinada face ao título anterior, durante as sequências de combate revelaram-se demasiado caóticas para as minhas habilidades, obrigando-me a passar o jogo no modo mais fácil. Felizmente, Alan Wake 2 não é um jogo 100% focado na ação e, francamente, graças a toda a sua componente de exploração e de busca de pistas, aproxima-se mais de um jogo como um Life is Strange – versão assustadora – do que de um jogo de ação como um Resident Evil na terceira pessoa moderno.

Ainda assim, acredito piamente que Alan Wake 2 é um dos melhores jogos do ano. Para mim é, certamente, o melhor. Um elogio que não entrego de forma leviana, especialmente olhando para o incrível ano que foi e, principalmente, para os incríveis jogos que me passaram pelas mãos.

Não quer isto dizer que Alan Wake 2 seja um jogo obrigatório, ou “para todos”. Mas sinto que é um jogo importante para toda a indústria, especialmente num ano que, apesar de todos os seus sucessos, foi extremamente trágico para as pessoas que os fazem. Alan Wake 2 é um excelente exemplo de expressão artística no mundo dos jogos, e em particular no mundo dos “Triple A”, um jogo cujos criadores tiveram a oportunidade de dar tudo, sem compromissos, de executar as suas ambições e desejos, numa experiência de alta qualidade e sem grandes problemas de lançamento. Alan Wake 2 é um perfeito exemplo para mostrar aos fãs de indies que jogos de grandes produções podem continuar a ser arte, e aos jogadores mais casuais – que procuram experiências mais bombásticas -, que jogos deste calibre podem ser mais do que experiências de 70€ descartáveis. Alan Wake 2 é uma conquista a todos os níveis.

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