Quando a simplicidade dos videojogos choca com as tarefas mundanas do nosso dia-a-dia, é neste espaço tão específico que reside a estreia da Max Inferno.
A idade não perdoa. O tempo passa a uma velocidade cada vez maior, ao ponto de piscarmos os olhos e os segundos, minutos e horas fugirem como se nunca tivessem sequer existido. As mudanças são assustadoras, mas é através delas que aprendemos mais sobre nós. No meu caso, aprendi que adoro arrumar a casa, colocar tudo no seu devido lugar, ver uma certa assimetria na forma como os livros, videojogos, álbuns encaixam nas prateleiras ou os rótulos apresentam uma disposição harmoniosa, equilibrada. Talvez seja um transtorno obsessivo, quem sabe, mas há um enorme prazer em arrumar o que estava anteriormente desarrumado e fora do seu lugar, algo que A Little to the Left, da Max Inferno, capta em toda a sua gloria.
O conceito de A Little to the Left é do mais humano possível. Através de vários níveis, o nosso objetivo não é o de salvar o mundo, resgatar o príncipe ou comandar tropas em guerra intermináveis, mas sim arrumar os talheres no local correto, ajeitar as latas em pequenas colunas ou separar as ferramentas. É a rotina que nos guia, os pequenos gestos e decisões que encontramos no nosso dia-a-dia, seja quando estamos a arrumar uma cozinha fora de ordem ou simplesmente a tentar encontrar harmonia num conjunto de quadros que se encontram fora da assimetria. Alguns níveis vão além da arrumação e trazem-nos situações mais caricatas, como um conjunto de post-its fora de ordem ou até papéis rasgados que podemos reconstruir ao juntarmos todas as suas peças. Seja qual for a ação, A Little to the Left constrói-se sobre a calma e a harmonia do nosso lar, onde viajamos através das suas várias divisões enquanto devolvemos algum caráter e personalidade a objetos que damos como garantidos.
Existe uma satisfação inerente à jogabilidade de A Little to the Left e isso deve-se à aposta em mecânicas imediatas e simplificadas. Como se trata de um jogo de arrumação e manipulação de objetos, a Max Inferno procurou criar uma experiência o mais acessível possível através dos seus controlos, com os jogadores a precisarem apenas de agarrar e arrastar os objetos em campo. Também podemos utilizar os botões direcionais se assim quisermos, mas A Little to the Left funciona melhor através do rato, até porque encontramos alguns níveis que requerem uma maior precisão na forma como ajeitamos os objetos em campo, mas nada assoberbante. Os menus também são limpos e fáceis de ler, e existe uma clara tentativa em criar uma ambiência controlada e pacifica que deixa os jogadores respirarem e avançarem ao seu próprio ritmo, com a banda sonora a acentuar esta aposta através de melodias descontraídas e quentes, tal como a paleta de cores pastéis criam uma sensação de final de tarde outonal.
No fundo, a Max Inferno trouxe-nos um jogo de puzzles lógicos onde temos de, na maioria dos casos, encontrar o padrão que une os objetos que estamos a organizar e a arrumar. Se existem níveis que exigem que coloquemos lápis do maior para o mais pequeno, cujo objetivo é facilmente reconhecível, encontramos rapidamente outros desafios onde a resolução não é assim tão óbvia. Podemos ter vários livros, de vários tamanhos, para arrumar, mas o jogo pede-nos outro tipo de inventividade. Se calhar existe um padrão nos rótulos e lombas que podemos construir ou até imagens que podemos juntar e conciliar enquanto rodamos copos e jarros em busca de uma solução. A Max Inferno procurou manter estes desafios dentro de uma lógica coerente ao jogo e existem certos níveis que podem ser terminados de várias formas, com a sua resolução alternativa a depender da engenhosidade dos jogadores. É uma forma inteligente de adicionar maior desafio e longevidade à sua jogabilidade simples, oferecendo a possibilidade de olharmos para os níveis por outra perspetiva, mas também darmos aso à experimentação sem sentirmos que estamos a ser conduzimos pela produtora.
Esta harmonia nem sempre é palpável. Existem níveis que não são claros sobre o que temos de fazer para os terminarmos e encontramos situações onde os objetos nem sempre reagem aos locais onde devem ser posicionados – quando acertamos na resolução de uma das peças do puzzle principal ouvimos um jingle que nos confirma que estamos a avançar na direção correta -, o que cria algum atrito na leitura do objetivo das tarefas, mas também de colisão nos vários cenários do jogo.
Em defesa de A Little to the Left, existem várias abordagens ao mesmo tipo de puzzles, que se resumem ao agarrar e posicionar objetos, e se alguns requerem apenas que encontremos a ordem certa, outros exigem uma maior observação e perceção do que está em jogo. No entanto, como se trata de um jogo de puzzles, mesmo que acompanhados por uma jogabilidade acessível e intuitiva, a verdade é que é apenas uma questão de tempo até se depararem com um desafio que não conseguirão ultrapassar – seja por falta de destreza pessoal ou, como indiquei anteriormente, algumas falhas do próprio jogo no que toca à sua comunicação reduzida e quase minimalista. A Max Inferno manteve-se firma na sua decisão de criar um videojogo inclusivo e o mais descontraído possível ao adicionar um sistema de pistas, que podemos aceder através do menu principal – e que envolve a tarefa satisfatória de apagar os riscos em torno de um desenho que revela parte da solução do puzzle em questão – ou então a possibilidade de passarmos o nosso obstáculo à frente para que o possamos resolver noutro momento. Isto significa que a campanha nunca é interrompida e o jogador nunca é obrigado a resolver um problema até à exaustão, uma decisão que irá satisfazer aqueles que procuram uma experiência mais descontraída e acessível.
Fora alguns problemas de comunicação e de lógica em certos momentos da campanha, o único elemento desestabilizador é a presença de um adorável gato que tenta limitar o nosso progresso. Pelo trailer, fiquei com a sensação que o amigo de quatro patas estaria mais presente ao longo da aventura quotidiana, mas tal não foi o caso. Claro que encontramos situações onde o gato, inspirado no animal de estimação da equipa, consegue desorganizar os vários objetos que já havíamos arrumado, mas durante grande parte da campanha é apenas uma presença pontual no final de cada nível – surgindo a adorável pata de fora de campo, batendo contra um dos objetos. Talvez fosse demasiado frustrante pedir que este elemento desestabilizador estivesse mais presente ao longo da campanha, mas sente-se falta de algo quando lhe é dado tanto destaque.
Apesar dos seus defeitos, admiro a eficácia e solidez de A Little To the Left, tal como a sua dedicação ao conceito que traz consigo. É um videojogo acessível para todos os que procuram algo mais descontraído e que seja capaz de os transportar para uma experiência diferente daquela a que estão habituados. Para mim, veio reforçar a autodescoberta sobre o meu gosto por algo tão mundano e aborrecido como arrumar uma gaveta de talheres. Talvez seja esta a verdadeira magia dos videojogos, esta ideia que aprendemos sempre algo, por mais pequena que seja a lição.
Cópia para análise (versão PC) cedida pela Secret Mode.