25 anos de ZdB é uma das efemérides assinaladas em 2019. ¼ de século de existência dessa instituição Património Nacional que é a Galeria Zé dos Bois (que em breve apresentará a candidatura a Património Mundial, podemos desde já avançar como exclusivo Echo Boomer). Numa época em que muitos vaticinam o fim do rock, nada melhor que festejar com uma noite de louvor à distorção, às guitarradas e ao chamado indie-rock (seja lá o que isso for) com os Built to Spill.
A noite começou relativamente cedo e com não muito público (talvez o facto de Ronaldo estar a dar cabo dos helvéticos à mesma hora tenha contribuído para tal) com uma breve apresentação dos Shaolin Soccer (o futebol, sempre o futebol…).
Em cerca de 25 minutos, este trio composto por elementos dos Cave Story (Gonçalo Formiga – bateria e voz), Norton (Manuel Simões – guitarra e voz) e Dirty Coal Train (Helena Fagundes – baixo e voz), ainda sem qualquer álbum editado (mas com a promessa feita em palco de, em breve, existirem novidades), desfilou o seu rock de canções curtas e diretas, em determinados momentos a fazer lembrar algumas das guitarras cristalinas de Real Estate ou o punk dos Parquet Courts (e quando Gonçalo Formiga canta, não há como não nos lembrarmos dos Parquet Courts).
Seguiram-se os Oruã, interessante power trio carioca que se despedia em Lisboa da sua digressão europeia. E foram sem dúvida uma das surpresas da noite. Eles que andaram a fazer as primeiras partes da tour europeia dos Built to Spill (dois terços dos Oruã acumulam funções na formação atual dos Built to Spill). O concerto pautou-se por um baixo potente (e que bem que soava o baixo!), ritmo contagiante, distorção saborosa e psicadelismo, com doses generosas de tropicalismo, rock, kraut e fuzz. Ty Segall e Fumaça Preta hão de gostar. Nós gostámos.
Cabia aos Built to Spill encerrar uma noite de casa cheia. A banda de culto americana (que se confunde com o seu fundador e único membro permanente Doug Martsh, figura de proa do indie-rock americano dos anos 90) regressava assim a Portugal em dose dupla (tocariam no dia seguinte no Porto, no NOS Primavera Sound), eles que são apontados como referência por muitas outras bandas (facilmente encontramos influências em bandas como os Band of Horses ou os Death Cab for Cutie), A sinopse do concerto deixava algumas dúvidas: tocariam o Keep It Like a Secret, como no resto da digressão que assinala os 20 anos do seu lançamento, ou seria antes um concerto livre?
Cedo se percebeu que a noite não era de Keep It Like a Secret. Este foi praticamente boicotado (cansados de o tocar na íntegra?). E também cedo se notaram alguns problemas de som – a voz de Doug mal se percebia (micro demasiado baixo propositadamente?); a bateria pouco se fazia sentir. Ficou ao longo do concerto a impressão que o destaque deveria ir todo para a guitarra de Doug (que provou ao longo do concerto ser, se é que dúvidas existiam, um excelente guitarrista, com um estilo muito próprio).
O concerto começou com “When Not Being Stupid Is Not Enough”, da já longínqua joint venture Built to Spill Caustic Reisin. E passou por quase todos os outros discos da banda, desde o mais recente Untethered Moon, (de onde extraíram “Living Zoo”, logo ao início) a Ancient Melodies of the Future (“Three Years Ago Today”) passando por Perfect From Now On (outro dos marcos criativos dos BtS, com as presenças de “I Would Hurt a Fly” e “Kicked in the Sun”) e There’s Nothing Wrong With Love (“Big Dipper” a ser entoada como se não houvesse amanhã por alguns dos presentes).
Não existiram, no entanto, momentos de verdadeira êxtase. Se todas as músicas foram eximiamente tocadas, sempre com destaque para os solos de Doug, isso não resultou em momentos únicos ou de comunhão, como seria de esperar de um concerto de uma banda a celebrar 20 anos de um álbum icónico.
A habitual versão de “Harbocoat”, dos saudosos R.E.M., não foi esquecida, assim como um regresso a The Halo Benders (já no encore), projeto paralelo de Doug com outro dos heróis indie, Calvin Johnson.
Talvez alguns tenham vindo à procura de Keep It Like a Secret, a julgar pelos pedidos (nem sempre de forma amigável) por “Carry the Zero” (única que foi tocada desse álbum, e que fez a noite de muito boa gente) ou “You Were Right”. Mas mesmo no curto encore tal não aconteceu. “Randy Described Eternity” (de Perfect from Now On) colocaria fim a cerca de 1h20 de concerto sem se voltar a tal disco.
Os Built to Spill nunca foram conhecidos por darem concertos empolgantes, e este também não foi exceção. Fica até a sensação que a vida de palco não é o que mais prazer dá a Doug. Este pouco ou nada interagiu com o público (e muitos dos presentes seriam adolescentes quando Keep It Like a Secret ou Perfect From Now On foram lançados), excetuando um ou outro “obrigado, thank you”.
Não sendo um mau concerto (não há como não deixar o nosso corpo balançar ao ouvir estas canções), pedia-se apenas um pouco mais de vida ou entusiasmo. Mas também não vem daí mal ao mundo. Fica um segredo só nosso.
Foto de: Vera Marmelo