Syberia Remastered trabalha os cenários e direção de arte do clássico, nem sempre com resultados satisfatórios, mas é incapaz de acertar numa jogabilidade acessível e natural ao comando, criando assim uma experiência mais exasperante do que envolvente.
Nos antigos manuscritos de game design e nos manuais arqueológicos de user interface, de eras passadas e quase esquecidas, os anciões já ponderavam sobre a problemática de adaptar para as consolas um videojogo que fora pensado e criado para o computador. Como poderia o comando, limitado no seu interface e opções de interatividade, suplantar a diversidade de inputs que o teclado proporciona aos criativos e produtores de videojogos? 102 teclas, mais três do rato – a não ser que tenham um rato com atalhos para a vida –, e toda uma variedade de combinações de botões e ações que colocam qualquer comando na via da amargura. Esta problemática atormentou os filósofos da Antiguidade e continua a ser um desafio constante para os atuais designers, que prosseguem nesta guerra de adaptabilidade contra todas as probabilidades, inventando menus, combinações, simplificações e artimanhas para que o comando não seja visto como um limitador e antes como uma expansão natural do jogador sem condicionar a sua experiência.
Este desafio não nasce apenas do limite de botões e inputs do comando, mas também das capacidades interativas que nascem da sua adaptabilidade. Basta olharmos para casos como Syberia, o clássico jogo de aventura, criado por Benoît Sokal e lançado originalmente em 2002, que combina uma jogabilidade point-and-click com uma maior variedade de movimentos 3D, para compreendemos como este processo de adaptação é ainda um problema por resolver. A versão remasterizada, que moderniza visualmente o jogo de Benoît Sokal, com cenários muito mais definidos – ainda que tenham perdido alguma da alma do jogo original –, procura criar um ponto de equilíbrio entre a jogabilidade original e um novo sistema de navegação pensado para as atuais consolas. Na PlayStation 5, a jogabilidade abandona a natureza point-and-click e deixa-nos controlar Kate Walker livremente pelos vários cenários de Valadilène. Os puzzles foram preservados, mantendo o seu esquema e resolução originais, mas a interatividade ganha outra tonalidade quando podemos mover-nos sem os entraves de pontos de interação pré-definidos.

Esta liberdade de movimentos devia ser um ponto positivo e acredito que foi pensado como tal. A possibilidade de explorarmos Valadilène à nossa vontade, deixando-nos conhecer mais proximamente a natureza rural desta aldeia fictícia, podia ser uma forma de nos relacionar emocionalmente com mundo de Syberia. Acredito que a intenção foi essa, tal como adaptar o jogo ao famigerado comando, mas o resultado é contraditório. Como podemos movimentar Kate através dos cenários, a navegação torna-se mais monótona. Os cenários longos, sem novos pontos de interação, que têm de ser percorridos enquanto procuramos pelas zonas de interesse e novos itens para resolver puzzles e curtos trechos de diálogo, acabam por ser um detrimento ao ritmo do jogo. As zonas de ligação deixam de ser passeios e interlúdios ponderativos para se transformarem em longas secções onde o jogador apenas pressiona no analógico para a frente: algo se perdeu nesta tradução mecânica.
A navegação também piorou e esta é a diferença entre ter liberdade e não saber o que fazer com ela. Se Syberia funciona melhor como um point-and-click, penso que não existem grandes dúvidas, mas é preciso compreender que não se trata apenas de um problema de distanciamento entre zonas de interesse ou o cansaço mental de um jogador sem mais nada para fazer. Os movimentos de Kate são rígidos, pouco naturais, e os cenários são tão limitados – muitas zonas estão interditas, daí a ilusão de liberdade –, que a navegação é um constante para-arranca até encontrarmos o caminho correto. Com um sistema point-and-click, esta rigidez não é tão palpável, mesmo que o ritmo seja igualmente lento. Como solucionar este problema? Na minha mais honesta e modesta opinião, e tendo em conta que a mesma navegação já era utilizada na versão PlayStation 2, eu diria que a solução seria um híbrido mais eficaz, com mecânicas point-and-click, onde pudéssemos controlar o cursor com o comando, aliado à nova UI que identifica mais notoriamente os pontos de interação.

Se são fãs de Syberia e se sempre quiseram conhecer melhor o mundo criado por Benoît Sokal, a nova versão é um ponto de entrada satisfatório, mas sou levado a concluir que a versão PC será sempre superior. E se apontamos para a versão PC, penso que não estou longe de recomendar o original em toda a sua glória visual, que aqui se perde devido à fidelidade gráfica que nem sempre funciona pelo melhor. É uma boa opção em termos de disponibilidade nas plataformas atuais, sem entraves maiores, mas Syberia Remastered não é propriamente um vislumbre marcante para um clássico do género. No fundo, a problemática da adaptação continua, os textos permanecem sem tradução e as gerações futuras terão de decifrar este suposto enigma.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Microids.
