O grande problema de Henry Halfhead é que o destino é forte, mas a viagem até ao desfecho nem sempre é consistente e a mensagem perde-se entre tentativas de inventividade mecânica e repetição
Henry não é uma criança como as outras. Podia destacar o facto de ser apenas uma meia-cabeça, tal como indica o seu sobrenome, mas há algo que a torna ainda mais especial. Desde jovem que Henry é capaz de assumir a forma dos objetos à sua volta e movê-los à vontade. É a sua criatividade que o guia desde terna idade, quando no berço, ainda sem conseguir comunicar, Henry já sonhava com o extenso mundo à sua volta. Os brinquedos não eram apenas distrações momentâneas, mas formas de expressão e os blocos de construção não podem ganhar pó numa caixa abandonada no quarto de Henry quando podem ser uma enorme e imponente torre. Esta criatividade é notável e é ela que move Henry enquanto o vemos crescer até à idade adulta numa aventura emocional, ocasionalmente surpreendente, mas nem sempre profunda como deveria ser.
Henry Halfhead é uma história sobre individualidade e criatividade face às mordomias do quotidiano, que procura analisar a falta de uma certa ingenuidade na forma como interagimos com o mundo à nossa volta enquanto ficamos mais velhos. O que anteriormente seria uma tarde de diversão, livre de responsabilidades e pressões, quando a juventude ditava as tarefas supostamente mundanas que ocupavam as nossas horas, o tempo transformou-se num mar de obrigatoriedades incontornáveis e nem sempre compatíveis com a nossa personalidade. Então vemos Henry a mudar, tal como nós mudámos, a deixar de ser uma criança curiosa e mais artística para abandonar a sua irreverência apenas para entrar nos moldes do que é socialmente aceitável. Os desenhos desapareceram, os videojogos ficaram arrumados nas gavetas, o tempo eliminou quaisquer hobbies e ficou apenas a pressão de Henry ter uma carreira estável. Esta caminhada é eficaz através dos momentos-chave que a Lululu Entertainment decidiu desenvolver ao longo da campanha, ainda que a mensagem seja mais emocionalmente manipuladora do que sincera na sua abordagem, muito devido ao desenho do protagonista e aos objetivos que podemos concluir ao longo dos níveis.
Através das várias fases da vida de Henry, desde a juventude até à velhice, a criatividade e a necessidade de expressão surgem através da jogabilidade e da mecânica de possessão dos objetos. Com espaços restritos, fechados sobre cenários pequenos e com alguns objetos decorativos em campo, Henry Halfhead guia-se através de objetivos aparentemente simples, mas cuja resolução obriga-nos a sermos mais criativos na abordagem. Por exemplo, nós podemos saber que temos de fazer uma torre com os blocos de Henry, mas quais são os blocos e como devemos expô-los em campo fica por nossa conta e o jogo nunca nos julga se fizemos a melhor ou pior opção. A campanha encaminha-nos constantemente entre estes objetivos, desde fazer testes de matemática até ao trabalho de Henry na fábrica, mas existe liberdade para explorar e encontrar não só peças de puzzle, que funcionam como os colecionáveis do jogo, mas também tarefas adicionais que abrem novas divisões e dão acesso a novos objetos que podemos utilizar através da habilidade de Henry.

Esta liberdade de interação também traz alguns problemas de lógica e leva o jogo a contradizer-se na sua abordagem porque nem sempre sabemos bem o que temos de fazer e isso leva a situações onde o problema parece resolver-se sozinho, como se a campanha quisesse avançar e tivesse perdido a paciência com a nossa passividade. É um caso curioso de dar liberdade aos jogadores, mas nem sempre de os deixar confiar na sua agência sem deixar que a campanha estagne por completo. Talvez seja apenas uma tentativa de criar uma experiência mais acessível, que funcione a solo ou cooperativamente, mas o resultado não é totalmente satisfatório. Por exemplo, o nível em casa de Henry, já na fase adulta, onde temos de participar em várias tarefas para termos acesso a novas divisões e garantir que o tempo passa, existiram situações onde não sei o que fiz e o que levou à aparição de uma nova divisão, como a utilização da televisão na sala de estar, da banheira na casa de banho ou da sala recreativa na fábrica de Henry.
No entanto, também encontramos momentos em que Henry Halfhead consegue ser muito criativo com a sua jogabilidade e coloca-nos a controlar vários objetos para realizarmos uma única tarefa. A confeção de uma pizza, que exige a elaboração da massa e depois dos seus ingredientes, é um desses momentos e fica na memória não pela sua carga emocional, mas porque tenta ser mais inventivo a nível mecânico. A secção escolar, onde Henry se distrai da aula para brincar, é outro momento em que encontramos uma verdadeira variedade de abordagens que nos levam a crer que a jogabilidade vai ser muito mais expansiva do que realmente é.
Apesar das minhas críticas, o final de Henry Halfhead é muito forte e a sua mensagem funciona para quem já se viu numa situação onde teve de abandonar os seus sonhos pela segurança da vida profissional. É uma história cada vez mais comum e a Lululu Entertainment foi incisiva na forma como transmitiu esta sensação de repetição e estagnação que nasce através do trabalho de Henry. A vida na fábrica, o regresso a casa, a confeção do jantar, as horas mal dormidas e depois a repetição destes momentos no dia seguinte e depois no próximo. É uma forma eficaz e interativa de reforçar a mensagem do jogo, esta tentativa de nos fazer ver que a vida não é apenas uma corrida profissional e que há sempre espaço para sonhar – uma ideia que começa a ser cada vez mais utópica na nossa sociedade.

O último nível é especialmente forte e funciona como um desfecho agridoce para a vida de Henry. Agora idoso, Henry já não consegue saltar como antes, a sua visão falha e a audição está longe de ser perfeita. Para navegar os níveis, Henry necessita de plataformas mais baixas e também de utilizar óculos e aparelho auditivo para conseguir ver e ouvir sem problemas. O facto de sentirmos Henry mais cansado, mais fragilizado e sem a mesma energia de sempre, uma personagem que vimos crescer desde bebé e que agora passa a vida num espaço mais fechado – possivelmente um lar, mas a produtora nunca confirma -, cujos dias são passados em frente à televisão ou em passeios pelo parque, acaba por ter um efeito emocional muito forte porque sentimos estas transformações através da jogabilidade. Nós sentimos Henry mais pesado e mais lento, vemos a sua visão desfocada, ao ponto de ser impossível navegarmos através dos níveis sem o auxílio dos óculos, e compreendemos como estamos lentamente a caminhar para o fim. Para mim, este foi o momento em que a Lululu Entertainment conseguiu conciliar o seu foco mecânico com a narrativa que queria contar, onde sentimos o peso da jogabilidade e cada um dos passos da personagem em direção ao fim. Esta fase final torna-se agridoce porque é um exemplo do quão os outros momentos não apresentam a mesma profundidade e perdem-se mais entre objetivos supostamente divertidos e mundanos do que a aproximar-nos de Henry enquanto personagem e um espelho para a nossa própria vida.
Henry Halfhead está pensado para ser jogado a solo ou com duas pessoas e isso poderá mudar significativamente a experiência devido ao grau de inventividade e liberdade que o jogo dá aos seus jogadores. A possibilidade de possuirmos qualquer objeto e podermos combiná-los para fazer tarefas improváveis ou alcançar plataformas inacessíveis levará certamente a momentos únicos no modo cooperativo. Apesar de não ter conseguido experimentar o jogo a dois, consigo ver o potencial porque a mecânica de utilização de objetos está bem implementada e serve a componente mais sandbox de Henry Halfhead. No entanto, as suas virtudes não suplantam uma certa sensação de vazio que me acompanhou ao longo da campanha. Se o final é memorável e a mensagem coesa, a verdade é que os desafios e níveis que antecedem o desfecho da narrativa tornam-se repetitivos e nem sempre lógicos. Este é um jogo onde começamos por fazer algo por diversão, apreciamos a suposta liberdade que a jogabilidade nos dá e depois questionamos progressivamente o propósito de tudo o que estamos a fazer, e quando isso acontece, a ilusão quebra-se e Henry Halfhead torna-se num jogo interessante, mas nem sempre tão profundo como pensa ser.
Cópia para análise (PlayStation 5) cedida pela popagenda