Depois de nos surpreender com o remake de Silent Hill 2, a Bloober Team regressa aos jogos originais com Cronos: The New Dawn, numa tentativa composta por ideias promissoras afogadas numa execução falhada.
Cronos: The New Dawn tenta misturar ficção científica, terror e viagens no tempo num cenário pós-apocalíptico polaco, mas tropeça nas suas intenções. Entre um combate frustrante e um ritmo estranho, o jogo mostra que a Bloober ainda não conseguiu encontrar o equilíbrio entre criar e adaptar. Da mesma maneira que existem dois lobos dentro de nós, também existem duas Bloober Team, aquela que entregou o excelente remake do Silent Hill 2, contra todas as expectativas, e outra que insiste em jogos de terror medianos que alimentam essas mesmas expectativas. Ainda assim, é louvável que continuem a tentar.
Com uma nova boa vontade renovada após o excelente trabalho com o remake do Silent Hill 2, pegamos neste Cronos: The New Dawn que se destaca de Layers of Fear ou de The Medium para abraçar a ficção científica pós-apocalíptica. E também porque vivemos no vácuo de novos Dead Space ou dos remakes das sequelas. Apesar de Cronos: The New Dawn ter uma base sólida e uma premissa interessante, o jogo sofre da mesma falta de sal do catálogo de jogos originais da Bloober, com problemas técnicos e uma jogabilidade repetitiva, tornando-o num dos títulos mais mornos dentro do seu género.
A viagem começa numa cápsula acabada de aterrar numa Polónia pós-apocalíptica, em New Dawn, devastada por desastres ainda desconhecidos. Assumimos o controlo de uma figura imponente, conhecida como The Traveler, vestida com um pesado escafandro (fato inspirado em equipamentos de mergulho). O seu objetivo passa por manipular as várias anomalias temporais espalhadas por este mundo, voltar a um passado são para resgatar as essências (ou almas) de certos indivíduos ainda vivos e expandir a Collective no presente. À medida que avançamos, os objetivos vão mudando devido a determinados imprevistos no enredo, obrigando a mergulhos cada vez mais demorados ao passado para descobrir o que levou àquele fim do mundo.
Cronos: The New Dawn almeja combinar o terror com o conceito de viagens no tempo, sendo que esse terror está associado a um apocalipse, cuja origem foi uma infeção misteriosa que se espalhou pelo mundo, levando à origem dos Orphans, que são os principais adversários do jogo, e que, numa vertente já mecânica, somos obrigados a desmembrar sempre que os derrotamos, o corpo não desaparece até ser queimado. Caso contrário, os outros inimigos vão tentar fundir-se com o cadáver. Se conseguirem, vão ficar mais fortes ao transformarem-se num monstro quase impossível de destruir.
É um conceito que podia ser interessante, não fossem os picos de dificuldade, a gestão deficiente de recursos para a repetição exaustiva das sequências de combate forçado copiadas e coladas descaradamente de Dead Space. Aquelas em que nos fecham em salas contaminadas para enfrentar hordas de inimigos. Só que em Dead Space, o combate é bem satisfatório e visceral, aqui é só tosco. Não há variação de inimigos e estes são uma esponja de dano para as munições disponíveis, o que nos obriga a correr em pânico para achar recursos (se houver) ou tentar os golpes físicos que são iguais a nada. Isto quando bloqueamos no cenário, entre outros detalhes frustrantes. Se existia o receio de o remake de Silent Hill 2 estar mais voltado para a ação, essa abordagem acabou por funcionar muito melhor.
Para nos ajudar no combate, apanhamos uma mão cheia de armas diferentes que podemos melhorar com um recurso de energia ainda abundante. Todas elas permitem carregar o disparo para tirar mais dano aos adversários, numa mecânica de risco e recompensa, que infelizmente acaba por ser mais trapalhona do que útil quando eles correm na nossa direção ou nos rodeiam. E nenhuma das armas transmite uma sensação prazerosa de impacto ou de desmembramento do outro jogo de horror sci-fi que tenta copiar (sério, até os golpes físicos são iguais). E eu aprecio um jogo de terror que nos deixa a sentir indefesos num ambiente hostil sem parecer um walking simulator, e sem opção de atacar. Até o vilipendiado Callisto Protocol tinha um combate corpo a corpo mais interessante, mesmo falhando em todo o resto.
Agora, algo de positivo, porque nem tudo é mau. O que mais aprecio nestes estúdios é a oportunidade de explorar outras culturas e locais, mesmo com panos de fundo fora da caixa. Por exemplo, uma Polónia devastada por um vírus (algo que pode ser lido como uma metáfora para a COVID). E quando voltamos no tempo, temos vislumbres dessa mesma Polónia antes do desastre, quando as pessoas ainda só se estão a aperceber dos primeiros sintomas da infeção (sim, ainda é uma metáfora da COVID) até tudo virar do avesso.
Também apreciei a mecânica de recolha das essências. Sempre que as recolhíamos, podíamos assistir a retalhos da vida dos indivíduos que combinavam imagens reais com outras in-game. Cada essência também se traduzia em benefícios de jogabilidade, como dano adicional, saúde, etc. E apesar de ser só possível equipar três (entre várias), podíamos personalizar a nossa experiência ao sacrificar as restantes. É um conceito interessante, se bem que um pouco castrador.
Tal como em The Medium (que ainda gostei e me mantém a torcer pela equipa da Bloober), o ritmo da história é uma linha plana, sem grandes picos de interesse — para o bem ou para o mal, que obriga a um New Game Plus para ver os restantes finais. Só que não há grandes razões para voltar, nem pela jogabilidade nem pelos momentos da narrativa. De novo, uma reação contrária ao trabalho feito em Silent Hill 2 que ainda me coço para lá voltar. Afinal, porque gostei? Porque o género do terror é um dos meus preferidos. E isto leva-me a um pensamento injusto é intrusivo: talvez a Bloober só se dê bem com adaptações, e não a criar. Um pouco como as primeiras, e excelentes, temporadas de Game of Thrones para a televisão, que brilharam enquanto ainda tinham um suporte de inspiração.
Mesmo depois do Silent Hill 2, quando vi a apresentação de Cronos: The New Dawn parecia que já estava a adivinhar o seu destino. É que nem tudo é mau, há uma base interessante, há potencial, mas a execução ficou muito aquém: o combate é profundamente frustrante; existem problemas técnicos constantes, entre outros elementos desgastantes e pouco dignos de uma experiência satisfatória. Embora o mundo de New Dawn seja interessante, o facto de andar constantemente perdido para trás e para a frente entre zonas não é assim tão divertido como num metroidvania convencional onde, de facto, desbloqueamos novas formas de exploração. Cronos atira com conceitos que, inicialmente, são entusiasmantes, mas que rapidamente se tornam cansativos ou inúteis. Ainda me lembro da utilização pobre do ecrã dividido em The Medium.
Mesmo com New Game Plus, finais alternativos e fatos desbloqueáveis depois de terminarmos o jogo pela primeira vez, não há muito que justifique uma segunda volta. Fica difícil recomendar este jogo, portanto recomendo a irem jogar as inspirações ou jogos com temas semelhantes e muito melhores, como é o caso de Signalis.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Bloober Team.