Lies of P: Overture: Review – Anjos de Neve (e de porrada)

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A NEOWIZ e a Round 8 Studio regressam à ação com Lies of P: Overture, uma expansão que traz novas opções de qualidade de vida e uma zona única que é simultaneamente refrescante e familiar.

As cinzas e estilhaços ainda não tinham repousado sobre o solo de Krat e o meu regresso ao mundo de Lies of P já era inevitável. Ao contrário da maioria dos fãs, não gozo de uma distância de dois anos entre o lançamento do original e a chegada de Overture, o novo DLC desenvolvido pela NEOWIZ e a Round 8 Studio. Assim que terminei a campanha, o código para a expansão já estava a cair na nossa caixa de correio, naquele que foi um dos lançamentos surpresa do Summer Game Fest deste ano. A novidade não é a mesma, não há sequer um reencontro nostálgico com Krat e o fantoche de Geppetto, antes uma continuação como se o fim nunca tivesse sido alcançado. Um episódio adicional, uma zona que ficou por explorar e que agora se encontra disponível.

Nesse sentido, Overture é uma expansão à antiga, se me permitem a comparação, de uma era passada, onde um episódio adicional era exatamente isso: algo novo, secundário, mas igualmente semelhante ao conteúdo principal na sua forma. O regresso a Krat é assim uma combinação entre a familiaridade da jogabilidade e do level design que popularizaram este soulslike em 2023, com a introdução de melhorias de UX que apostam na acessibilidade e na otimização de certos sistemas para criar uma experiência mais compacta, personalizável e mais imediata que poderá até ser um vislumbre do que nos espera numa sequela.

O género soulslike e a acessibilidade teimam em não encontrar um consenso. A experiência assente na dificuldade, na aprendizagem por tentativa e erro, ao ponto de se ignorar opções de UX e de qualidade de vida para manter o que muitos determinam inseparável do género continua a dividir criadores e fãs sobre o que é, na verdade, um soulslike e quais são os seus limites formais. As opções de dificuldade desvirtuam a experiência soulslike? A possibilidade de jogarmos cooperativamente retiram pontos de fanfarronice? E quais são os limites? Para a NEOWIZ e a Round 8 Studio, a resposta é simples: é o que quisermos e o que for melhor para o utilizador. Desta forma, e dois anos após o lançamento de Lies of P, a dificuldade e a acessibilidade voltam a ser discutidos pela comunidade porque Overture, em toda a sua glória, faz o impensável: adiciona opções de dificuldade, simplifica certos sistemas e procura reaproximar-se do jogador em vez de o afastar.

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Lies of P: Overture (Neowiz)

Esta decisão foi, como seria de esperar, controversa. Para muitos fãs, Lies of P não necessitava de uma opção de dificuldade e muito menos deveria vergar-se perante os jogadores que muito possivelmente nem estariam interessados em jogar soulslike. Então porquê? A resposta, como sempre, é simples: maior controlo sobre o jogo. Lies of P é um dos soulslikes mais desafiantes e imponentes que já joguei, com um sistema de parry profundo, que exige uma destreza acentuada por parte dos jogadores. Estamos a falar de um jogo que depende tanto do parry e dos nossos tempos de resposta que a defesa nunca é perfeita, e somos sempre castigos ao sofrermos dano temporário se escolhermos não ripostar. A dificuldade já é acentuada só com esta exigência, mas quando adicionamos o número de inimigos em campo, a sua rapidez e padrões de ataque, pontos de HP e até habilidades únicas, encontramos em Lies of P uma rede complexa de desafios que tornam o jogo menos acessível. É assim tão estranho que a NEOWIZ e a Round 8 Studio queiram abrir o seu jogo a novos jogadores? E se esta é uma decisão das produtoras, sem obrigatoriedades superiores, porque devemos criticá-las por apostarem na acessibilidade? Afinal o que é um soulslike?

Com a introdução de Overture, a NEOWIZ e a Round 8 Studio não voltaram as costas aos jogadores e tornaram a experiência mais acessível. Sim, mais acessível, mais fácil de pegar e jogar, talvez até mais alcançável de aprender e dominar, com inimigos menos agressivos e com pontos de dano e HP mais equilibrados. Tudo isto é opcional, um botãozinho escondido dentro do menu principal, que podemos ativar ou ignorar durante as nossas horas com Lies of P e a sua expansão. Mesmo com estas opções e com a clara diferença entre modos de dificuldade, Overture continua a ser difícil e até implacável. O que os modos de dificuldade permitem é que tenhamos mais tempo de resposta para aprendermos os padrões e exigências dos inimigos e bosses, que também apresentam pontos de HP reduzidos e reequilibrados. Mas Overture não se joga sozinho, não há uma automatização da sua jogabilidade, antes pelo contrário: talvez até tenhamos mais controlo.

A dificuldade será o destaque das novidades introduzidas pela NEOWIZ e a Round 8 Studio, mas podemos sentir um esforço em tornar Lies of P mais intuitivo. Por exemplo, a possibilidade de evoluirmos a personagem em qualquer Stargazer, em vez de voltarmos ao Hotel Krat para falarmos com Sophia. O mesmo aplica-se à criação e combinação das armas, o que corta muito os tempos de espera. Em Overture, saímos de Dark Souls III para entrarmos finalmente na era de Elden Ring, abandonando sistemas arcaicos e que se mantinham vivos por pura teimosia e como referências por parte das produtoras sul-coreanas e pouco mais. Existe assim uma modernização da jogabilidade sem perder o seu toque clássico e até acredito que a NEOWIZ e a Round 8 Studio deveriam ter ido mais longe neste processo de remodelação. O salto continua a ser muito arcaico, ainda mais quando temos novas zonas que usufruem da sua verticalidade durante a navegação, e a personagem continua pesada e nem sempre tão fluída como gostava que fosse – até mesmo fora da minha build, mais centrada em motivity.

Estas alterações e a implementação de melhorias de qualidade de vida não constringem a dificuldade e a qualidade de Overture. De facto, a expansão mantém a barra elevadíssima do jogo principal e funciona perfeitamente como um capítulo adicional que não só nos traz novas armas, Legion e inimigos, como apresenta uma fração de Krat que é visualmente inesquecível. O Zoo de Krat ergue-se das catacumbas do tempo e abre novamente as suas portas numa visita inesperada. Acessível a partir do quinto capítulo – anteriormente só era possível acedermos ao DLC no nono capítulo, mas a nova atualização reequilibrou este aspeto do DLC –, o Zoo de Krat transporta-nos para o passado e para uma Krat coberta de neve.

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Lies of P: Overture (Neowiz)

Ao contrário da campanha principal, Overture não começa no centro da ação e coloca-nos numa zona exterior, natural, algures num monte gelado que precisamos de navegar para alcançarmos o Zoo. Os tutoriais são relegados para segundo plano e é a jogabilidade que fala mais alto. Enquanto procuramos o nosso caminho e o motivo que nos levou até ao passado, Overture reintroduz inimigos familiares e relembra-nos que estamos perante uma expansão: os pontos de dano forma aumentados e a agressividade dos inimigos também. Não há tempo para respirar, mas munimo-nos da familiaridade para vencer as criaturas, até que encontramos uma zona mais ampla e dividida por vários pontos de ação. Não demoramos a perceber que estamos próximos da toca de um urso gigante, cuja cabeça está protegida por um capacete, e que nos ataca assim que tentamos eliminar alguns dos lobos mutantes espalhados pela arena mais ampla. O confronto contra o urso é o primeiro aviso de que Overture não quer segurar-nos nas mãos. O urso é implacável, muito rápido, com padrões inicialmente difíceis de ler e sempre a encurtar a distância para manter-nos pressionados e encostados às rochas que cercam a arena.

Este primeiro contacto com Overture é tenso, mas igualmente deslumbrante, com o vento suave a contrastar com o silêncio inatural de Krat, como se toda a região estivesse estagnada e perdida no tempo. A caminhada exterior não é longa e Overture encaminha-nos rapidamente até ao Zoo, naquela que é uma das minhas zonas favoritas de Lies of P. Apesar do level design ser muito semelhante ao que já vimos anteriormente, com um caminho principal e outro secundário mais dedicado à descoberta de um atalho que nos leva de volta ao Stargazer – num desenho mais linear e até circular das zonas do jogo –, a direção de arte é soberba e adoro esta sensibilidade museológica que encontramos na disposição desta nova zona, aqui combinada com a decoração e arquitetura da Belle Epoque. O Zoo divide-se por várias secções, desde exposições temáticas até à zona com jaulas para as várias espécies de animais. A carnifica é grotesca, talvez até mais do que aquilo que vimos em Krat, com animais em decomposição e semidevorados espalhados pelas jaulas destruídas, a neve pintada de vermelho seco e velho, decorada pelos corpos dos visitantes e trabalhadores que foram surpreendidos pelo ataque.

O design do Zoo é também bastante inteligente, apesar da sua linearidade. A primeira zona é interior, dedicada às exposições temáticas e com várias secções condicionadas por elementos decorativos e caminhos obstruídos por barreiras improvisadas. Estes espaços interiores também adicionam uma nova camada de desafio ao obrigarem-nos a enfrentar alguns dos novos inimigos de Overture, como os gorilas e elefantes mutantes, que são mais rápidos e que utilizam melhor o tamanho dos seus corpos para saltarem ou então para encurtarem a distância com o jogador. Existe uma maior tensão na forma como navegamos pelo museu porque nunca sabemos o que vamos encontrar, ao ponto de existirem momentos em que a NEOWIZ e a Round 8 Studio tentaram genuinamente assustarem-nos com alguns sustos mais gratuitos.

Do interior voltamos ao exterior, à zona das jaulas e dos jardins temáticos do Zoo, onde sentimos um crescendo palpável na decoração grotesca de Overture. Foi neste segundo momento que me deparei com algumas das minhas escolhas de design favoritas, como os atalhos entre as aulas, que culminam num passadiço que vai dar a um jardim explorável, e à secção dos gorilas, com as suas zonas superiores entre pontes e plataformas onde os animais podem atacar-nos à distância e moverem-se mais livremente. A NEOWIZ e a Round 8 Studio souberam aproveitar os novos espaços e esta dedicação ao design das zonas manteve-se ao longo da expansão, ainda que Overture acabe por cair em algumas redundâncias, relembrando demasiado as zonas principais de Lies of P sem momentos únicos ou suficientemente interessantes para justificarem esta repetição de motifs mecânicos.

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Lies of P: Overture (Neowiz)

São nestes momentos em que sinto Lies of P refém da sua jogabilidade clássica e demasiado restrita ao género soulslike. Apesar das zonas continuarem a ser limitadas no que toca à sua interatividade, sem novas opções de mobilidade ou navegação, a verdade é que demonstram potencial por cumprir. Arrisco-me a dizer que a NEOWIZ e a Round 8 Studio já estão a pensar no futuro e a analisar a evolução lógica de Lies of P e da sua jogabilidade, e talvez seja a influência de Elden Ring a falar mais alto, mas também senti que Overture merecia novas mecânica e uma maior liberdade de movimentos. Mesmo com cenários lineares e semelhantes em design ao jogo original, a expansão podia ter sido ainda mais inesquecível se já estivesse a preparar para romper com os moldes do género.

Esta necessidade de quebrar com o passado pode até ser sentida na introdução das novas armas, com Overture a tentar encontrar um equilíbrio entre o familiar e o poderia ser mais revolucionário a nível mecânico. Se temos à nossa disposição armas e cabos mais clássicos e seguros, como variantes de espadas e lanças, por outro lado, podemos descobrir opções como o arco. Fora a utilização dos Legion Arms e das Fable Arts, o arco é uma das primeiras armas de longo alcance e que muda suficientemente o combate para ganhar destaque. Os ataques necessitam de stamina, como seria de esperar, mas as setas são infinitas, semelhante ao que encontramos recentemente em Elden Ring: Nightreign. A Fable Art é destrutiva e adiciona um elemento evasivo ao obrigar a personagem a relocalizar-se ligeiramente em campo antes de disparar. Mesmo com a minha build focada em motivity, o arco funcionou muito bem e foi uma opção para provocar dano nos inimigos até que estes estivessem suficientemente próximos para atacá-los diretamente.

A discussão em torno das novas opções de acessibilidade não devem criar uma fissura entre os fãs e os jogadores mais curiosos, e muito menos deve denegrir a vontade da NEOWIZ e a Round 8 Studio em reequilibrar a dificuldade de Lies of P. Overture é a prova que existe um mundo além dos soulslike e das suas regras demasiado rígidas e até retrogradas, que apenas servem para alimentar o fanatismo de um grupo restrito de fãs. Não é por acaso que produtoras como a NEOWIZ e a Round 8 Studio, e a própria From Software já estão a testar os limites do género, à procura da sua próxima grande evolução, rejeitando a estagnação em prol de um novo desafio. A dificuldade fará sempre parte do género soulslike, mas a acessibilidade também deve ser analisada e ponderada com maior seriedade.

Overture é difícil e implacável, não há uma tentativa em reduzir a exigência do seu sistema de combate ou a cortar conteúdos para desnivelar a experiência do género. Antes pelo contrário, a experiência é refinada e abre as portas a uma maior personalização sem afastar ninguém. A verdade é que a dificuldade é tão acentuada, talvez semelhante a Shadows of the Erdtree, que não me admirava (e muito menos julgaria) quem foi obrigado a escolher outro modo de dificuldade para ultrapassar um dos primeiros bosses da expansão. No fundo, Overture procura atualizar Lies of P e até criar as pontes para uma eventual sequela, e como expansão, é tudo o que podemos pedir: um pouco do passado, uma fatia do presente e uma pitada já com sabor a futuro.

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Cópia para análise (PlayStation 5) cedida pela NEOWIZ.

João Canelo
João Canelo
Crítico de videojogos, Guionista, Professor e o responsável pelo melhor mortal nas aulas de Educação Física em 2002. Um aficionado por jogos peculiares.
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