Dune: Awakening até pode ser uma boa tradução de Dune para os videojogos de sobrevivência, mas a sua natureza dentro do género e todas as suas características inerentes podem afirmar-se como uma aventura bem seca para quem procura aventurar-se a solo pelos desertos de Arrakis.
Em 2025 não é uma novidade, mas os requisitos online de algumas experiências são barreiras tão grandes como o acesso a equipamentos capazes de correr os nossos jogos favoritos. Não me refiro às óbvias ligações online, mas mais precisamente à necessidade de ter amigos, colegas, outras pessoas connosco para usufruir das experiências propostas por jogos recentes, aliada também à disponibilidade pessoal de cada um em ser, bem, social. Dune: Awakening é um dos mais recentes exemplos desses – onde a sua natureza online, ao estilo de um MMO, requer um pouco mais do que um computador de média/alta gama para fazer justiça a alguns elementos visuais mais avançados do Unreal Engine 5, que o suporta. Um aspeto extremamente importante a ter em conta, dado que a minha viagem pelo deserto de Arrakis foi bastante solitária.
Desenvolvido pela Funcom, Dune: Awakening não se trata apenas de uma adaptação da importante obra literária para o mundo dos videojogos, mas também de uma sequela espiritual do legado da produtora norueguesa, que até tem alguma participação nacional com a sua equipa lisboeta de cerca de 80 pessoas. Pegando na experiência em jogos de sobrevivência online, como Conan: Exiles e a série Age of Conan anteriormente, Dune: Awakening abraça também todos os elementos tradicionais de sobrevivência, construção e de interação com outros jogadores num mundo partilhado, onde alianças e rivalidades podem ser criadas de forma orgânica e natural em ambiente PvP através dessas mesmas interações, criando assim uma cama emocionante para quem estiver a fim de se deixar levar pelas possibilidades de uma experiência mais social.
Como o nome indica, Dune: Awakening não adapta nenhum mundo pré-histórico e de bárbaros, antes pelo contrário, viaja até um futuro longínquo de uma sociedade tão sofisticada como fragmentada por guerras e nações interstelares, que procuram o controlo de um simples planeta deserto: Arrakis. Conceptualmente, é uma adaptação da obra literária de Dune, de Frank Herbert, que aproveita a popularidade dos recentes filmes de Denis Villeneuve para deixar a sua marca. Mais ainda, aproveita também, de forma muito parcial, a direção artística, as regras, os tons e ambiências dos filmes, numa colaboração direta com a Legendary Entertainment, um aspeto que ajuda a deixar os jogadores mais confortáveis nesta tradução igualmente visual.
A grande divergência de Dune: Awakening face aos materiais em que se inspira está na sua premissa – numa tentativa de entregar algo emocionante, novo e aliciante a um modelo de jogo onde nós somos os protagonistas. Assim, em vez de seguirmos Paul Atreides, o jogo questiona: E se Paul Atreides nunca tivesse existido? E se a sua família nunca tivesse sido atacada? Como seria a estrutura geopolítica deste universo e a quem pertenceriam as dunas? Questões hipotéticas bastante interessantes, com espaço para os produtores poderem desenvolver a sua “fan-fic”, mas com selo oficial e uma sempre bem-vinda liberdade criativa.
Para além desta divergência, as liberdades criativas de Dune: Awakening encontram-se também na direção de arte, que aposta num registo igualmente simplista e brutalista, mas a fugir um pouco para a estética “tacticool”, com elementos familiares ao que encontramos nos filmes, mas mais “complicados” e, por vezes, menos elegantes, como é o caso dos designs dos Ornithopters, da indumentária de personagens de diferentes fações ou, até, na própria representação de Shai Hulud – a icónica minhoca gigante do deserto que é visualmente mais próxima das ilustrações dos livros, do que dos mais recentes filmes. Quase tudo é bastante familiar, mas nunca sem entrar no campo do uncanny valley, permanecendo com a sua identidade própria e distinta destas histórias, face ao encontrado noutros meios.
Tudo isto é, como já mencionei, suportado pelo Unreal Engine 5, um dos motores de jogo mais flexíveis e utilizados pela indústria atualmente, que até chegou a ser usado como tech demo em apresentações oficiais da Epic Games durante o seu desenvolvimento. O seu potencial técnico para a representação de um deserto tão vasto como detalhado, com uma excelente iluminação global do seu ambiente aberto e nos interiores, é enorme, mas a sua aplicação nem sempre fica à altura do expectável, mesmo num computador moderno. É comum objetos à distância desaparecerem ou parecerem fragmentados, há texturas que por vezes demoram tempo a carregar, e a sua iluminação é também inconsistente, nem sempre se revelando tão “next-gen” como prometia.
Apesar de uma ótima e sólida direção de arte, o suporte técnico nem sempre deixa que o jogo brilhe ou atinja a sensação de altos valores de produção, que são limitados por efeitos de pós-processamento exagerados, animações de personagens inorgânicas e robóticas, uma direção de cenas pouco interessante, e um desempenho técnico instável.
Em jogo também se sente alguma falta de polimento, novamente com animações robóticas e uma movimentação solta e imprecisa, sem grande sensação de peso ou de que as personagens estão com os pés no chão. Mover a câmara durante as atividades de exploração, recuperação de materiais, construção de elementos ou até no combate também se sente algo arcaico e pouco preciso, revelando que, apesar do cheiro a novo, este é um jogo, de fundo, bem à antiga.
Todos estes elementos menos positivos são eventualmente contrariados com alguns cenários bem produzidos e iluminados, ou situações verdadeiramente emocionantes quando a ação em grande escala se inicia – como cenas com veículos ou a simples fuga de uma minhoca gigante que acordou no horizonte ao ouvir os nossos passos na areia.
Dune: Awakening tem certamente os seus momentos, com potencial de marcar a experiência pelo positivo, mas a fricção técnica e de design, aliada à sua natureza online, foram barreiras muito difíceis de derrubar na minha busca pelo divertimento ao longo do meu tempo no deserto. E tudo começa com a apresentação mecânica e o início da sua jornada, que nos tenta ensinar todas as suas regras antes de partirmos para a exploração.
Não sou muito versado em jogos de sobrevivência online, admito, e esperava que Dune: Awakening fosse um pouco mais acessível e convidativo, especialmente considerando a propriedade inteletual associada, com potencial para chegar a um público mais vasto. Infelizmente, fui confrontado com exatamente os “problemas” que alimentam o meu estigma face a este género: muitos tutoriais e lições quase obrigatórias, numa avalanche contínua que se assemelha a um curso intensivo da utilização de um novo software.
Conhecer Dune: Awakening não é, de todo, divertido para quem procurar algo mais emocionante logo do início. O jogo não se abre imediatamente à experimentação, nem aproveita o seu world building para criar uma progressão e ensinamento orgânico das suas mecânicas inspiradas na mitologia do jogo, com destaque para nos mantermos na sombra para não desidratar, ou ter que aproveitar os fluidos (sangue) dos inimigos para recuperarmos energia. Há ideias muito interessantes aqui adaptadas, mas que se perdem num fio de objetivos iniciais chatos, referentes à criação do nosso centro de operações e da criação de módulos distintos de crafting e de gestão – todos distintos no seu funcionamento e necessidades. Todo o processo de aprendizagem leva tempo, requer atenção e basta esquecermo-nos momentaneamente do que fizemos ou não prestar tanta atenção para, no futuro, ficarmos a “anhar” com objetivos e oportunidades de experimentação do jogo.
Adicionalmente, somos apresentados a uma quantidade bastante significativa de menus com múltiplas abas, de leitura difícil e de navegação complicada (especialmente se optarem por jogar com comando, onde o cursor é extremamente lento), que também requer tempo até serem entendidos. Aqui, também se aplica a lógica de aprendizagem da utilização de um software, até porque, a longo prazo, parte do jogo é feita em menus de lore, craft, habilidades, objetivos e gestão, em tanta ou maior quantidade do que em exploração.
Se as primeiras horas de jogo com Dune: Awakening foram, para mim, aborrecidas, por uma curva de aprendizagem obrigatória densa das suas regras e mecânicas, no momento em que o jogo abriu, as coisas não ficaram propriamente divertidas. Objetivos de viagens para adquirir itens e saquear acampamentos fazem parte do ciclo de missões, com regresso ao nosso forte ou aos mercados para adquirir mais missões. Estas são compostas por longas caminhadas pelo deserto, à medida que procuramos sombra – caso seja dia – sem acordar a minhoca ou ser interpelado por inimigos. Eventualmente, temos acesso a veículos para tal, mas não há nada de propriamente emocionante, pelo menos nas primeiras dezenas de horas. Mesmo trechos narrativos para nos motivarem a continuar a aventura são dispersos e aparentemente raros.
A componente online pode ser uma mais-valia para acentuar a experiência de jogo e torná-la mais divertida, mas também aqui este elemento se pode revelar uma barreira se, como eu, optarem por jogar a solo. Sem disponibilidade das pessoas com quem jogo em juntarem-se a esta jornada, jogar Dune: Awakening tornou-se numa experiência demasiado solitária, aborrecida e difícil. Contudo, poderia dar a volta a isto ligando-me a outros habitantes do mundo partilhado online, mas, apesar dos elevados números de jogadores registados na Steam – na ordem das centenas de milhares -, foram muito poucos os jogadores humanos que encontrei nas minhas sessões, contrastando com as dezenas de instalações e fortes criados por outros jogadores, que muitas vezes surgiam abandonados, sem portas, à mercê de salteadores e do ambiente. No fundo, um autêntico deserto. Assim, a minha recomendação é que, se quiserem jogar Dune: Awakening, talvez seja melhor fazê-lo com companhia.
A minha opinião de Dune: Awakening pode não ser a mais positiva, mas acredito que seja a representação de uma fração de jogadores: fãs de Dune, à procura de um jogo inspirado no seu universo e que poderiam encontrar aqui uma ótima porta de entrada para o mundo dos MMO ou jogos de sobrevivência. Algo que não creio que seja o caso.
Dune: Awakening não é um mau jogo, de todo, mas é exigente e requer mais do que aquilo que pessoalmente estou disposto a dar: tempo, atenção e vontade de socializar. Aspetos técnicos e mecânicos também têm peso na apreciação de uma experiência destas, mas, por vezes, são coisas secundárias, que acabam por não afetar o gosto geral de um jogo. Infelizmente, para mim – um péssimo jogador de MMOs – a receita devia ser mais equilibrada, convidativa e prazerosa. Ou então, com uma especiaria ainda mais forte e viciante.
Cópia para análise (PC) cedida pela Best Vision PR.