As catacumbas da 3DO foram abertas e a Nightdive Studios traz-nos mais uma remasterização de peso de um clássico há muito perdido.
A Nightdive Studios merece um lugar no panteão dos videojogos. A produtora americana tem sido responsável pela ressurreição de séries e videojogos icónicos, nomeadamente dos anos 90 que pareciam perdidos ou cujo regresso às consolas e PC seria muito improvável. Mas a Nightdive Studios decidiu remar contra a maré e dar uma segunda vida a títulos como Shadow Man, Powerslaved e mais recentemente Po’ed. Agora chegou a vez de Killing Time, o FPS clássico da 3DO – lançado posteriormente no PC com extras exclusivos, gráficos melhorados e novo level design – que ficou relegado às prateleiras mais altas e empoeiradas dos museus de videojogos, apenas relembrado por um núcleo de fãs do género e da era dourada da ação na primeira pessoa.
Killing Time: Resurrected é mais uma vitória da Nightdive Studios, que encontra um ponto de equilíbrio saudável entre a remasterização e a modernização de um título que não esconde a sua idade. Na sua estreia, Killing Time já era bizarro, um passo intencional na evolução do género, diferente dos inúmeros clones de DOOM com níveis mais extensos e interligados, e uma aposta peculiar em modelos digitalizados e sequências de vídeo (ou FMV) com atores reais. Em movimento, Killing Time é um pesadelo febril com diferentes estilos e tons que não tentam sequer encontrar um ponto de equilíbrio que justifique as suas escolhas artísticas mais bizarras. Então temos mitos egípcios, alta sociedade moderna, dandys e intelectuais endinheirados, e uma panóplia de criaturas que parecem ter sido selecionadas ao acaso: palhaços assassinos, cães com três cabeças, insetos gigantescos, empregadas possuídas, fantasmas, cabeças voadoras e tantos outros.
O mundo interligado é um dos maiores trunfos de Killing Time e é sempre interessante reconhecer as várias zonas à medida que o mapa se expande entre edifícios, labirintos, caminhos secretos, zonas verticais e campos abertos onde criaturas e itens escondem-se entre elementos decorativos. O facto de não termos uma divisão absoluta por níveis, como era tradicional no género, dá mais personalidade ao mundo de Killing Time e atribui-lhe uma certa tonalidade aventureira, no sentido em que nos sentimos mais a descobrir as suas zonas e a desvendar mistérios – que se reduzem, claro, à descoberta de itens ou magias para abrir portas e zonas anteriormente inacessíveis – do que apenas envolvidos no sistema de combate direto e pouco profundo. A produção de Killing Time parece ter sido um enorme cocktail de sistemas, funcionalidades e estilos diferentes, onde podemos utilizar magias ou então dois revólveres em simultâneo. É tudo simples, mas estranho em igual medida.
No fundo, o que Killing Time é, dentro dos seus moldes clássicos, é um FPS divertido. Na verdade, tudo funciona. O level design podia ser menos confuso em partes, muito devido aos elementos decorativos – como árvores, pedras, cavernas e padrões berrantes decorativos nos cenários interiores -, e nem sempre é divertido navegar através das zonas mais amplas quando já não existem oportunidades de combate, mas o sistema de combate é sólido, a mira é responsiva e as armas – desde pistolas, espingardas, tommy gun, cocktails molotovs – funcionam quase como um elo perdido entre a horizontalidade de Wolfenstein 3D e a rapidez de Quake. A presença de trechos em FMV, com atores que surgem como assombrações em locais pré-definidos dos mapas, retira qualquer intemporalidade a Killing Time, algo que é reforçado pelos modelos digitalizados e absolutamente grotescos que se movem como seres sobrenaturais e horrivelmente humorísticos. É um produto do seu tempo em toda a glória.
A nova edição, que a Nightdive Studios apelidou de Resurrected, demonstra novamente o trabalho exímio da produtora. Os cenários estão mais definidos (4K, 144fps), os modelos foram trabalhados e adaptados para alta definição, o frame rate é muito mais otimizado, podemos gravar em qualquer momento da campanha e Killing Time é agora um monstro de Frankenstein entre a versão 3DO e o seu lançamento no PC. Temos aqui o melhor de dois mundos: as criaturas grotescas da 3DO, mas o level design superior do PC em todo o esplendor. É uma ressurreição, não existem dúvidas, e é um FPS perfeito para os mais saudosistas, cujas sensibilidades mecânicas talvez não tenham envelhecido graciosamente para os menos habituados ao seu estilo clássico, mas Killing Time: Resurrected é sólido, divertido e absolutamente bizarro.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela UberStrategist PR Team.