A fórmula roguelike, aliada ao combate contra hordas progressivamente mais extensas, continua a mostrar a sua força e o lançamento 1.0 de Halls of Torment é mais um exemplo da sua genialidade e simplicidade.
“O que raio é o tempo?” O que é este conceito que obrigam os ponteiros do relógio a andarem para a frente, primeiro os segundos e depois as horas para comporem aquilo que definimos como dias, semanas, meses e anos? Como podemos definir o que é o tempo quando este desaparece assim que ligamos a nossa Steam Deck e jogamos Halls of Torment? Se o tempo evapora-se e se os minutos não são mais do que segundos, como é possível que o tempo seja mais do que um conceito? Ou existem ladrões do tempo, que andam com sacolas às costas através dos nossos minutos, ou algo está muito mal explicado neste mundo.
Deixem-nos de tretas: Halls of Torment é muito bom. É tão bom que não senti o tempo a passar enquanto jogava, levando-me a escrever introduções falsamente filosóficas para justificar as horas que já perdi de volta da sua jogabilidade simples, mas viciante. Afinal qual é o segredo? Halls of Torment não é propriamente original e a sua proposta resume-se a “Vampire Survivors, mas com mais mecânicas RPG e uma pitada (forte pitada, na verdade) de Diablo”. A comparação a Vampires Survivors é incontornável e é base para todo um subgénero que lenta, mas seguramente estabeleceu-se na indústria, onde Halls of Torment se junta a nomes como Brotato, Soulstone Survivors, God Of Weapons. Aqui encontramos o mesmo formato, com níveis extensos, onde a exploração é marcada pela descoberta de itens ou personagens, mas cujo limite de tempo – novamente com 30 minutos por tentativa – acaba por ser o seu destaque porque define as horas e intensidade dos combates.
Halls of Torment é um longo jogo de sobrevivência, só que repartido por vários níveis de 30 minutos. Escolhemos uma personagem – começamos com apenas uma, mas vamos desbloqueando mais à medida que realizamos partidas e terminamos os desafios adicionais – e somos atirados para uma nova arena, onde temos apenas de sobreviver. Ao contrário de Vampire Survivors, Halls of Torment utiliza um esquema de controlos mais próximo aos twin stick shooter e permite-nos determinar a direção dos ataques, que podem ser ou não automáticos. À medida que atacamos os esqueletos, slimes, demónios e feiticeiros, vamos recolhendo pontos de experiência e ouro. A cada nível que ganhamos, temos a possibilidade de escolher uma nova habilidade passiva que determina o poder e velocidade dos nossos ataques, a probabilidade dos ataques críticos, a mobilidade da personagem ou então a sua defesa e alcance. Enquanto eliminamos centenas de inimigos, a nossa personagem vai ficando mais forte e capaz de responder às hordas que se intensificam no decorrer dos 30 minutos.
A escolha das habilidades passivas pode determinar a nossa longevidade e um erro é o suficiente para ficarmos indefesos quando a intensidade da horda aumenta. Por exemplo, numa das minhas primeiras tentativas, acabei por ser derrotado quando encontrei um mini-boss que não me permitia distanciar-me o suficiente dos seus ataques para evitar o dano. Por mais que eu atacasse, e o meu poder de ataque estava bastante evoluído, os pontos de vida continuaram a cair até que fui derrotado. As habilidades de ataque são igualmente importantes, mas ao contrário de Vampire Survivors, não são desbloqueadas quando ganhamos um novo nível. Em Halls of Torment, temos de encontrar os pergaminhos espalhados pelos cenários ou então derrotar os mini bosses para termos acesso às habilidades. Isto adiciona mais tensão ao combate porque uma má escolha pode novamente ditar o fim da campanha e existem habilidades que são muito mais específicas e menos imediatas nos confrontos diretos e que necessitam de maior experiência do jogador para serem utilizadas eficazmente. Desta forma, a mobilidade também se torna imperativa porque temos de percorrer trechos enormes da arena para encontrarmos itens e evitarmos as hordas que nunca nos largam. Os equipamentos, que são outra novidade de Halls of Torment, são colecionados da mesma forma, mas são ainda mais raros, funcionando como uma segunda camada de personalização às nossas partidas. Não é por acaso que Halls of Torment relembra os clássicos RPG de ação, não só a nível estético, mas também através destas aproximações tímidas às suas mecânicas e sistemas.
No final dos 30 minutos, as hordas afastam-se e nós temos a oportunidade de enfrentar o verdadeiro boss de cada zona. O confronto é desafiante e intenso, ainda que não traga propriamente novas mecânicas à jogabilidade, resumindo-se ao mesmo ataque e movimentação que utilizamos até ali. Mas é aqui que o jogo coloca à prova o nosso loadout e se não tivermos preparados, o boss derrota-nos com facilidade. Quer sejamos vitoriosos ou não, a partida termina sempre com o regresso ao menu principal e à preparação para uma nova incursão pelo mundo de Halls of Torment. O regresso não é, no entanto, desprovido de novidades e de acordo com a nossa prestação, podemos desbloquear novas personagens e arenas que mantêm a aventura fresca. Também é imperativo utilizarmos o ouro colecionado para melhorarmos permanentemente os nossos atributos, que são partilhados por todas as personagens, o que acaba por nos dar maiores hipóteses de chegarmos cada vez mais longe. É uma forma tão simples, eficaz e viciante que não precisamos de muito mais. Eu adoro Halls of Torment. Estava à espera de ficar cansado com a jogabilidade ao fim de uma hora, mas foi o oposto. Quanto mais tempo passei com o jogo, mais queria jogar. É um loop implacável para o nosso tempo e estamos constantemente a sermos recompensados com achievements, ouro, personagens e níveis. A minha experiência com o sub-género resumia-se ao Vampire Survivors, mas com Halls of Torment, apesar de não ser inovador ou arrojado na sua abordagem, pude compreender como existe espaço para evoluir neste molde. A possibilidade de controlarmos manualmente a mira da personagem, a utilização de peças de equipamento, a recolha das habilidades, os eventos únicos a cada nível e a presença de bosses e mini-bosses foram refrescantes. Até a perspetiva isométrica e o estilo CRPG (Diablo), dentro de dark fantasy, foram perfeitos para mim, com a Chasing Carrots emular muito bem o estilo dos antigos RPG de ação. Para onde foi o meu tempo?
Cópia para análise (versão PC/Steam Deck) cedida pela JF Games Press Team.