His Three Daughters é um retrato profundamente comovente e humano, que faz jus ao talento do seu elenco extraordinário.
Todos os cinéfilos possuem certos cineastas ou atores cujos nomes são mais do que suficientes para nos colocar à frente do ecrã, totalmente colados ao assento sem saber absolutamente mais nada sobre o filme em questão. Elizabeth Olsen (Captain America: Civil War) é essa celebridade para mim, sendo que a considero uma das melhores atrizes da sua geração e uma das atrizes ativas mais subvalorizadas de hoje em dia, juntamente com Carrie Coon (The Leftovers) e Natasha Lyonne (Orange is the New Black), como comprova His Three Daughters, obra original de Azazel Jacobs (French Exit).
Uma história agridoce sobre um pai com cancro e as suas três filhas adultas que se reúnem na casa de família para passar os últimos dias da sua vida todos juntos. Katie (Coon) é uma mãe extremamente controladora com uma filha adolescente rebelde; Christina (Olsen) é outro tipo de mãe completamente distinto, separada da filha pela primeira vez na vida; e Rachel (Lyonne) refugia-se no cigarro e nas apostas desportivas, passando todas as horas do dia dentro de casa – algo que deixa as irmãs frustradas devido às suas perspetivas diferentes de como se deve viver.
His Three Daughters explora afincadamente as dinâmicas familiares entre este trio principal dentro do espaço pequeno do apartamento – apenas se sai da sala de estar por breves momentos, sendo que o único exterior é um banco no pátio do condomínio onde Rachel acaba por ir fumar. É cliché descrever o filme como uma demonstração de talento para as atrizes, mas é a verdade mais evidente. Coon, Olsen e Lyonne carregam os seus inúmeros monólogos e diálogos com uma destreza técnica fenomenal, criando uma ligação emocional com os espetadores incrivelmente palpável.
Sendo eu próprio o irmão mais novo de três filhos, presumi que iria sentir maior conexão com uma das irmãs. No entanto, His Three Daughters escapa a muitas das barreiras formulaicas deste tipo de narrativas, não caindo na armadilha de tornar as irmãs em arquétipos conhecidas de como a mais nova é sempre a mais mimada ou a mais velha é sempre a mais respeitada ou a do meio é sempre a mais ignorada. O grande feito do argumento de Jacobs encontra-se na capacidade de tornar as três protagonistas extremamente relacionáveis de maneiras totalmente distintas.
Revi-me nas presunções injustas de Katie, frequentemente caindo no erro da assunção guiada por frustração ao invés de simplesmente perguntar porque é que algo tinha ocorrido de certa forma ou porque é que alguém agia de certa maneira. Revi-me nas tentativas excessivas de uma Christina demasiado empática de fingir que “está tudo bem” quando nada na vida da mesma se encontra nesse estado. Revi-me na escolha de Rachel em preferir ouvir críticas e sentir o julgamento negativo das irmãs com o objetivo de prevenir mais drama quando o importante era cuidar do pai.
His Three Daughters é um exercício fantástico de reflexão pessoal onde é possível os espetadores seguirem não uma, não duas, mas três perspetivas únicas de membros familiares com uma visão diferente daquilo que foi viver com o seu pai, assim como processos de preparação para o luto inevitável completamente separados. No meio de tantas diferenças, existe algo em comum entre as três irmãs: a dificuldade em se expressarem honestamente perante as outras, atirando para debaixo do tapete qualquer emoção mais forte, fugindo – literalmente, por vezes – ao assunto com um banal “esquece, deixa estar, não vale a pena” ou até atirando comentários passivo-agressivos indiretos.
A bolha vai aumentando até, naturalmente, rebentar em discussões mais acesas, mas também conversas genuinamente engraçadas sobre as experiências de cada uma com o seu pai. O argumento de Jacobs merece também elogios pela forma como revelações essenciais sobre a família são transmitidas à audiência. His Three Daughters vai gradualmente abrindo o jogo e explicando – sem recorrer a exposição barata ou forçada – o porquê das irmãs se relacionarem da maneira que se relacionam… sem nunca, de facto, explicar porquê, mas apenas mencionando determinados factos sobre a família que imediatamente levam a conclusões óbvias por parte dos espetadores.
His Three Daughters possui mesmo um dos argumentos mais instigantes e emotivos do ano. Riquíssimo em diálogos cativantes e tematicamente profundos, mas mesmo assim, elevado por três atrizes que merecem ouvir os seus nomes várias vezes mencionados ao longo da temporada de prémios. É impossível destacar apenas uma. Sendo parcial para com Olsen, a verdade é que a atriz interpreta a personagem com as emoções mais à flor da pele e tem *a* cena que mais próxima me levou às lágrimas. Dito isto, Coon tem talvez a performance mais completa – necessita de vestir várias peles – e Lyonne a mais complexa – de longe, a atriz obrigada a ser mais contida para depois explodir na segunda metade do filme.
Jacobs utiliza o espaço claustrofóbico do apartamento para enaltecer as suas qualidades enquanto realizadora, aproveitando o facto de grande parte do filme decorrer numa só localização para gerar uma atmosfera de tensão crescente palpável ao ponto de qualquer espetador começar a ficar nervoso tal a teimosia das irmãs em finalmente resolverem as suas desavenças. His Three Daughters transmite também essa lição de vida sobre o tempo perdido com futilidades provocadas por sentimentos injustificados, levando a afastamento de relações que têm tudo para ser saudáveis e positivas para ambos os lados.
É uma das melhores obras do ano. Perde algum fulgor no segundo ato devido à repetitividade de algumas cenas – apesar de, em certa parte, serem propositadas e até representadas por um personagem secundário – e existe uma sequência com o pai perto do fim do filme que cai na fantasia, retirando algum do realismo vivido até àquele momento. His Three Daughters atinge-nos no coração com a realidade das vivências díspares entre as irmãs, não com “truques” para chocar o público, pelo que esta cena específica sobressai como algo ligeiramente mais forçado. Uma pequena nota que em nada afeta a recomendação total para todo o tipo de público – e, de preferência, sem saber nada de antemão.
VEREDITO
His Three Daughters é um retrato profundamente comovente e humano, que faz jus ao talento do seu elenco extraordinário. Ao explorar as complexidades das dinâmicas familiares e do inevitável luto, a obra tem um impacto avassalador devido à sua história intimista e emocionalmente honesta. É uma jornada agridoce, reflexiva e incrivelmente relacionável, capaz de tocar em questões universais e pessoais com uma autenticidade rara. Azazel Jacobs entrega-nos um dos filmes mais memoráveis do ano, onde Carrie Coon, Elizabeth Olsen e Natasha Lyonne brilham intensamente, deixando uma marca nos espetadores que permanecerá muito tempo depois dos créditos finais.