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Existe alguma profundidade temática neste jogo narrativo, até na forma como lida com o papel da culpa e a sua expiação no final de um relacionamento, mas a parte interativa não reforça a emoção da história e acaba por denotar a falta de densidade.

Os videojogos são uma forma de expressão. A discussão em torno do seu valor artístico, se é arte com A maiúsculo ou apenas escrito em minúsculas, tem os seus defensores e detratores, mas enquanto veículos de comunicação, aqui entre jogo e jogador, torna-se cada vez mais difícil de contestar a eficácia na forma como é capaz de criar uma ligação emocional mais imediata devido à interatividade. O que acontece no jogo é determinado pelo jogador, salvo algumas exceções. Em títulos como The End of You, que procura retratar o final da relação entre Walter e Emily, isso torna-se mais evidente, onde o jogador é colocado no papel de espetador e interveniente, numa história em piloto automático e cujo final é impossível de alterar. The End of You procura recriar os últimos momentos de um casal que deixou de existir. Emily saiu de casa, a relação terminou e Walter é agora obrigado a recolher os últimos objetos da sua ex-namorada para conseguir seguir em frente. A experiência interativa transforma-se num espelho para o passado dos próprios produtores.

No entanto, The End of You não é apenas um olhar sobre uma relação que terminou, mas também sobre os motivos que levaram ao seu fim. No decorrer da campanha, ficamos a perceber que Walter foi o impulsionador para o fim da relação através das suas ações e da ausência das mesmas em determinados momentos da sua vida com Emily. Em certos momentos, Walter quer dizer algo, mas não consegue. Ele quer ser capaz de dizer a Emily que as coisas não estão bem e que ele já não sente o mesmo, mas é cobarde e então retrai-se de volta à relação com medo de magoar Emily e de quebrar a rotina que já é inseparável do seu bem estar. Mas a cada diálogo selecionado, a relação continua a moldar-se, a estagnar e a enfrentar desafios que levam ao seu inevitável final.

Através da recolha dos objetos pessoais de Emily, que guardamos num caixote de cartão, vemos o passado do jovem casal. Ficamos a saber que o dinheiro é um problema e que Emily é incapaz de engravidar devido a um grave problema de saúde. Os momentos mais alegres conseguem espreitar pelas paredes cinzentas e envelhecidas do apartamento, mas The End of You nunca se desvia da culpa de Walter ao longo da sua narrativa e quase sempre vemos momentos de alegria – como Emily a mostrar o seu projeto artístico ao namorado e que ele ignora – a transformarem-se em pequenas discussões que afastam progressivamente os dois namorados. Sempre que encontramos um objeto, somos transportados para o passado e vemos estas sequências na primeira pessoa, influenciando-as, ainda que de uma forma muito limitada, através da seleção de diálogos que dão voz a Walter ao longo das discussões e saltos temporais.

O espaço está restrito ao apartamento e não há mais nada além da realidade em que Walter agora habita. O apartamento está vazio, descaraterizado, sujo e desarrumado, mas nunca envolvido num caos exagerado. É a melancolia e o arrependimento que transparecem pela loiça suja, as cassetes de música espalhadas nos móveis e as prateleiras agora semi-vazias, onde conseguimos perceber que anteriormente estavam ocupadas pelos livros de Emily. É uma decoração que procura retratar a ausência de uma pessoa, de uma vida e não apenas o estado mental de Walter através da confusão desnecessária de elementos decorativos. Isso seria desculpar Walter, de certa forma, e justificar o seu estado emocional através da desarrumação da casa, mas aqui, o que sobra é o vazio que nasceu através da sua decisão em terminar a relação com Emily.

The End of You é perturbador porque nos obriga a observar o fim de uma relação que não conhecemos, como se fôssemos espetadores invisíveis do outro lado do espelho. A ambiência é melancólica, mas existe um tom voyeurista na sua abordagem que irá reverberar com alguns jogadores devido à simplicidade da jogabilidade e à escolha de momentos tão mundanos e particulares que certamente irão encontrar sinónimos na sua vida privada. Este voyeurismo e dedicação à expiação talvez sejam, ironicamente, os maiores inimigos de The End of You porque limitam a sua força mecânica e a estrutura da campanha, que nunca vai além da recolha dos itens e da apresentação de curtos trechos de diálogo entre as duas personagens. As escolhas narrativas são meramente cosméticas, não há nada que mude o desfecho dos diálogos e sentimos uma certa repetição apesar da curta duração de The End of You. É uma tentativa tão pessoal de recontar uma história que o design limita tudo o resto para passar a sua mensagem – e se não ficarem rendidos à mensagem, então pouco há para retirar desta experiência interativa.

A especificidade dos momentos, a ausência de maior conflito ou até de uma variedade de ações que acompanhassem a recolha dos objetos e os momentos narrativos que nascem da sua descoberta limitam a sua abordagem e expressividade. Essa foi a minha experiência com The End of You e senti que os momentos escolhidos para retratar o final da relação de Walter e Emily caem no cliché. Eu acredito que essa seja a intenção, o retrato da banalidade e a sua familiaridade, mas quando temos um protagonista como Walter, que foi tão frio para a sua namorada e que lhe escondeu os seus receios durante tanto tempo, fico a pensar que existia muito mais para explorar dentro da sua temática. Falta desafio emocional, o que é cruel de dizer, já que The End of You parece ser um auto-retrato e não uma história fictícia, mas talvez seja esse o defeito quando decidimos contar uma história desta magnitude sem pensarmos no elemento interativo como forma de exponenciar a narrativa.

The End of You procura manter a sua natureza autobiográfica e retratar momentos específicos de uma relação condenada, que são reais – ou então suficientemente próximos da realidade para criarem uma proximidade palpável com os jogadores – e que nasceram de uma relação que chegou ao fim devido às próprias ações do autor, mas a sua abordagem não é a mais envolvente a nível emocional. É cruel voltar a falar de clichés, mas as relações são construídas em torno deles – por mais que nos queiramos sentir especiais, todos nós temos “as nossas músicas especiais”, os nossos momentos “únicos” e rituais que partilhamos com a pessoa que amamos -, é suposto existirem lugares comuns neste retrato, mas a forma como interagimos com The End of You e participamos ativamente na sua história limita o nosso envolvimento com tarefas aborrecidas, diálogos pouco desafiantes ou provocantes e imagéticas que se tornam cansativas. É uma boa intenção que não funcionará para todos, mas é daqueles casos em que se funcionar, então será certamente um murro no estômago, especialmente se já estiveram no lugar de Walter.

No entanto, uma coisa é certa: os videojogos são uma forma de expressão. Por maiores que sejam os problemas mecânicos e narrativos de The End of You, a mensagem está presente e é representativa de emoções e pensamentos de um artista à procura de um veículo para algo que o marcou. E por mais cruel que eu possa ser com The End of You, é importante compreender que o potencial está lá e que é um reflexo para a imaginação e determinação dos produtores independentes.

Cópia para análise (versão PC) cedida pela Player Two PR.

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