Os vampiros estão à solta e…eu não acredito que fiz esta piada pela milionésima vez. Esqueçam este lead e joguem V Rising no PC ou PS5.
Há qualquer coisa mágica na fórmula clássica de sobrevivência. Nós contra os elementos, perseguidos pela fauna e flora que nos veem como um elemento invasor, e a busca pelo controlo total do ecossistema que nos rodeia até conseguirmos ora escapar, ora permanecermos neste novo mundo que agora consideramos como nosso. Fora a gestão de recursos e do bem estar da personagem, o género de sobrevivência vem quase sempre acompanhado por um sistema profundo de crafting e construção, onde a ideia basilar é a “melhora perante as adversidades”. É satisfatório começarmos numa tenda para terminamos a aventura um enorme castelo fortificado ou então abandonarmos as lanças e machados de madeira por armas de fogo ou até opções mais fantasiosas como magias e poderes especiais.
V Rising segue o mesmo molde. Também acordamos num mundo hostil, sem armas ou recursos, e somos obrigados a recomeçar do zero. Temos de construir as nossas armas, equipamentos, base e ferramentas numa estrutura assente no crescimento pessoal. Se começamos com armas e armaduras feitas de ossos, e apenas conseguimos construir bases de madeira, cedo desbloqueamos fornalhas, fábricas, serralheiras e outros edifícios que possibilitam o tratamento do ferro e dos minerais que encontramos espalhados pelo mundo do mundo. O ritmo também está assente na exploração, na procura e recolha de recursos, nas horas passadas a bater em árvores e pedras para depois processarmos tudo em novas ferramentas ou então em materiais que serão aplicados nas construções mais ambiciosas. A grande diferença é que somos um vampiro em V Rising.
Existe sempre um “mas” no género de sobrevivência, uma adenda à fórmula, um desvio estratégico que procura injeta alguma novidade à estrutura familiar e aqui é o vampirismo. Podia ser a mitologia nórdica (Valheim), as hordas de zombies (7 Days to Die) ou a presença de uma tribo de canibais mutantes (The Forest), mas os vampiros são o grande e derradeiro destaque. Se a estrutura pouco muda entre os exemplos apresentados – recolher, construir, eliminar -, a forma como abordamos o mundo e o exploramos é uma das maiores vitórias da Stunlock Studios. Apesar de não ser uma adaptação perfeita dos mitos que associamos aos vampiros, os elementos clássicos estão presentes e têm um efeito mecânico permanente na jogabilidade de V Rising.
Como somos vampiros, a exploração é influenciada por um ciclo de dia e noite. Durante o dia, o sol afeta-nos e limita a nossa movimentação, até quando estamos transformados numa das criaturas que podemos personificar, com os raios de luz a disferirem dano sempre que estivermos expostos. Então temos de procurar as sombras e seguir a movimentação do sol, já que a disposição das mesmas muda de acordo com a hora do dia. Como seria de esperar, existem outras formas de combater o sol, especialmente na nossa base, e é possível conceber acessórios que originam uma manta de nevoeiro à nossa volta, mas durante as primeiras horas, sentimos os efeitos do dia constantemente. O sol não nos enfraquece, o que é, possivelmente, um dos elementos mais curiosos do jogo – e aquele que vai beber à fonte dos mitos –, mas o limite de exposição não deixa de ser um problema constante que influenciará o ritmo e dificuldade dos combates, ainda mais se encontrarmos um dos nossos rivais em campo.
Quando a noite cai, somos livres para explorarmos como quisermos. Já não existem limites de exposição ou a necessidade de escondermos o nosso vampiro ao longo das florestas e criptas do mundo de V Rising. É durante a noite que começamos a investigar e a descobrir acampamentos camuflados nas florestas, a encontrar grandes aldeias ou complexos de exploração mineira, entre outras. Enquanto expandimos a nossa zona de interação, somos presenteados com um mundo vivo e dentro da sua própria rotina, onde nós somos o elemento desestabilizador da sua ordem. Os caçadores andam à procura de criaturas, os animais caçam para subsistência, mas nós queremos eliminar e conquistar. É outro tipo de caça e senti que V Rising fez um ótimo trabalho ao equilibrar a dificuldade do género de sobrevivência com o crescimento do nosso vampiro em ascensão. Nunca somos demasiado fracos, mas também existe sempre alguém (ou alguma coisa) que nos irá desafiar.
O consumo de sangue também é uma parte integral da jogabilidade. Talvez a sua presença seja óbvia, já que é a força vital de qualquer vampiro, mas a Stunlock Studios conseguiu ir além da simples implementação do sistema como “sangue enquanto subsistência”. Nós temos de beber sangue e o sangue serve para curar o nosso vampiro, e é também certo que perdemos habilidades e força se ficarmos sem sangue suficiente, mas V Rising aproveita-se dos vários tipos do fluído sanguíneo para adicionar uma nova camada estratégia à jogabilidade. Todos os inimigos podem ser mordidos. Se conseguirmos enfraquecer um guerreiro, animal ou até um vampiro rival, temos a possibilidade de morder o seu pescoço e consumir o seu sangue. Desta forma, enchemos não só as nossas reservas, como temos a hipótese de assimilar habilidades e atributos passivos associados à classe do inimigo que estamos a atacar.
Os atributos passivos estão divididos por escalões, que são, por sua vez, determinados pela pureza do sangue. Um inimigo comum não apresenta uma percentagem de pureza que desbloqueie habilidades mais interessantes, ficando-se pelo primeiro escalão. Mas um inimigo mais poderoso já terá outro efeito e podemos atingir um diferente leque de opções que influenciam positivamente a jogabilidade. No entanto, o consumo de sangue é um sistema de “perda e recompensa” constante, já que somos obrigados a morder regularmente inimigos. As habilidades não são permanentes e se consumirmos o sangue de um inimigo menor, então ficamos dependentes dos seus atributos naturais. Mesmo que queiramos manter o leque de atributos que preferimos, só temos duas hipóteses: ou procuramos um inimigo com o mesmo nível de pureza ou então deixamo-nos sucumbir à fraqueza da fome. Portanto, não dependam demasiado do tipo de sangue que bebem e estejam preparados para se adaptarem a qualquer situação.
O consumo de sangue também se transforma numa luta pela sobrevivência e a conquista. Em V Rising, o nosso nível não se define apenas por um sistema de evolução tradicional, influenciado unicamente por pontos de experiência, ou pelo consumo de sangue tal como defini anteriormente, mas pelo equipamento da nossa personagem – cada equipamento tem um nível associado que determina o poder da personagem – e as habilidades que desbloqueamos. Para tal, é preciso consumir o sangue de adversários especiais. O V Blood, como é intitulado, pode ser equiparado a pontos de habilidades e torna-se acessível quando derrotamos um dos inúmeros vampiros adversários que se encontram espalhados pelo mundo do jogo. Divididos por categorias, basta selecionarmos um dos vampiros e o jogo encaminha-nos até à sua presença.
Estes inimigos costumam estar localizados em zonas especiais ou então rodeados de outras criaturas e apresentam habilidades únicas, representando alguns dos maiores desafios de V Rising. Quando são derrotados, temos a possibilidade de absorver os seus poderes e escolher alocar o novo ponto de habilidade na categoria pré-definida – Blood Magic, Chaos Magic, Unholy Magic, Illusion Magic, Frost Magic, Storm Magic – e ter acesso a um novo poder especial. É assim que temos acesso a novas habilidades em V Rising, através do combate e da conquista, não existindo outra alternativa a não ser lutar para evoluir. É uma escolha acertada que casa a necessidade de beber sangue com a melhoria da personagem da melhor forma, conseguindo, inclusivamente, adaptar a estrutura do género à própria fórmula evolucionária, já que estamos sempre a encontrar novos recursos e a melhorar as nossas armas e ferramentas. Através do V Blood, temos uma motivação adicional para explorar novas regiões e encontrar recursos importantes para evoluirmos a nossa personagem.
Infelizmente, os combates não são tão interessantes como os sistemas que giram à sua volta. Apesar do número de habilidades, os confrontos resumem-se a um constante “toca e foge”, especialmente durante as primeiras horas. Encontramos um inimigo, atacamos até sermos obrigados a recuar e a recuperar energia. As combinações de golpes são simples e basta estarmos a segurar no botão de ataque para ganhar vantagem contra as criaturas menos poderosas. É um ritmo de combate semelhante a um RPG de ação, como Torchlight II ou Diablo II, onde encontramos confrontos que são mais uma questão de resistência do que propriamente estratégia (isto na dificuldade normal). Os inimigos ora são fáceis de manipular e controlar, com AI que deixa muito a desejar; ora são absolutamente implacáveis com ataques de área, buffs poderosos e um nível de ataque quase injusto. São uma barreira de progresso que pode surgir a qualquer momento e adicionar um pico de dificuldade que pode sentir-se como injusto.
V Rising surpreende pelo seu contexto vampírico e a sua dedicação ao tema, com mecânicas bem pensadas e uma utilização de sistemas que complementam muito bem este mundo de nobres mortos-vivos em luta pela sua supremacia. Fora do registo de horror, o jogo da Stunlock Studios é muito tradicional na sua abordagem, com um mundo extenso para explorarmos com biomas distintos e recursos únicos que precisamos de recolher para continuarmos a melhorar as armas, acessórios e bases que podemos construir ao longo da campanha. É o ritmo do costume – recolha e melhoria – que encontram em tantos outros títulos, mas é muito sólido e bem implementado em V Rising, com uma performance consistente na PS5 que o coloca no topo da lista no que toca a grandes lançamentos do género de sobrevivência. Se estão à procura de uma nova aventura, que pode ser jogada com amigos – mas também offline, sem a possibilidade de serem invadidos por outros jogadores -, então o mundo dos vampiros é aquilo que estão à procura.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Plan of Attack.