Origin transpõe de forma brilhante os pilares de casta do livro de Isabel Wilkerson para o grande ecrã através de uma narrativa incrivelmente reveladora e genuinamente interessante.
Nunca consegui adorar por completo nenhuma das obras de Ava DuVernay, mas todas possuem algum tipo de impacto nos espetadores, principalmente no seu público-alvo. Desde I Will Follow até A Wrinkle in Time, a cineasta pode nem sempre alcançar o potencial das suas premissas, mas a sua maneira de filmar e contar histórias é inegavelmente instigante. Origin baseia-se em Caste: The Origins of our Discontents, da autora Isabel Wilkerson (Aunjanue Ellis), a primeira escritora afro-americana a vencer um prémio Pulitzer, acompanhando o estudo que levou à criação deste livro, assim como os eventos pessoais e familiares que marcaram a sua vida durante este processo.
A história em si é, sem dúvidas, o elemento narrativo mais interessante de Origin. É, de facto, uma tese extraordinariamente cativante, tremendamente informativa e essencialmente educativa sobre a ligação surpreendente entre o racismo nos Estados Unidos da América, a exterminação dos Judeus pela Alemanha Nazi e a divisão por castas na Índia. A adaptação cinematográfica consegue transpor os pilares do livro na perfeição para o grande ecrã, deixando clara a diferença entre raça e casta, culminando numa análise detalhada e reveladora do quanto todas estas sociedades se encontram interligadas.
Não creio que pertença ao público-alvo de Origin, mas como espetador interessado pela história da humanidade, o filme de DuVernay agarrou-me totalmente durante a maioria do seu longo e algo entediante tempo de duração. A intenção da cineasta em seguir os vários enredos temporais e espaciais de forma não-linear é tematicamente consistente, colocando a audiência na posição exata da protagonista enquanto tenta encontrar as peças para este puzzle político-social complexo. Infelizmente, ao mesmo tempo, também origina uma certa falta de foco por estar constantemente a saltar entre as várias linhas narrativas, assim como o tempo de ecrã dedicado à secção pessoal aparenta ter uma ligação menos profunda com o estudo em si, mas cria o tal laço emocional e humano crucial com os espetadores.
Prós e contras de uma obra que provavelmente funcionaria melhor como um documentário, mas que também é extremamente eficiente como longa-metragem. As prestações são nada menos que soberbas, com Ellis (King Richard) a destacar-se com uma das melhores performances de todo o festival de Veneza e, consequentemente, do ano. A atriz incorpora a inteligência e, acima de tudo, a humanidade que emana de Wilkerson, mostrando uma preocupação e interesse sinceros com as pessoas que entrevista, assim como com o marido, familiares e amigos que a rodeiam.
São vários os momentos visuais chocantes, todos necessários para passar a mensagem com o impacto pesado que realmente possui. O diálogo escapa, por vezes, para uma espécie de leitura de dissertação, mas, no geral, o argumento de DuVernay é caraterizado por uma autenticidade de louvar. A banda sonora de Kris Bowers (Chevalier) é capaz de induzir lágrimas por si só, mas quando se junta ao trabalho fantástico do elenco e aos eventos trágicos que vão sucedendo, diria ser impossível ficar indiferente. Uma chamada telefónica entre Ellis e Niecy Nash (Beauty) – que interpreta a irmã de Wilkerson, Marian – é absolutamente devastadora.
Jon Bernthal (The Many Saints of Newark) também merece elogios, mas não desejo desviar a atenção do quão fascinante é o estudo realizado por Wilkerson. Origin brilha quando consegue explicar todos os pontos que justificam a análise emaranhada da autora de forma simples e acessível. Seja através de conversas com a irmã ou de diagramas e palavras-chaves num quadro branco, DuVernay faz um esforço notável para construir ajudas visuais e analogias relevantes de maneira a tornar uma tese com inúmeras camadas numa história que qualquer espetador possa perceber, sem nunca soar pretensioso ou enfadonho.
VEREDITO
Origin transpõe de forma brilhante os pilares de casta do livro de Isabel Wilkerson para o grande ecrã através de uma narrativa incrivelmente reveladora e genuinamente interessante, apesar de ficar claro que o material de origem é mais adequado a um documentário. As prestações excecionalmente humanas por parte de todo o elenco, especialmente de Aunjanue Ellis, compensam alguma falta de balanço entre diálogos emocionalmente pessoais e palestras entediantes. Várias imagens impactantes e uma banda sonora extremamente emotiva tornam a experiência audiovisual ainda mais cativante. Possui os seus problemas, mas é das histórias mais importantes de se assistir/ler deste século.