O “eterno” problema dos acessos.
Numa noite em que os The Offspring provaram que continuam a ter o jovem adolescente dentro de si e Róisín Murphy incendiou a tenda Sommersby com a sua energia, os festivaleiros saíram da primeira noite do festival esgotados. E não pelos melhores motivos.
Ainda que o Super Bock Super Rock possa ser ótimo para quem vem acampar, demonstrou, tal como em todas as ocasiões anteriores, não ser “amigo” de quem vem apenas um dia para se divertir e relaxar. Em primeiro lugar, chegar ao recinto por transportes públicos é uma autêntica jornada, numa viagem consideravelmente superior a uma hora, com mudança de transporte a meio.
Depois, Lisboa não ajuda, de todo, à localização, dado que, a uma distância razoável, depende exclusivamente da Ponte 25 de Abril. Posto isto, quem vem de carro ao fim da tarde pós-trabalho acaba por apanhar quem também está a regressar a casa depois do trabalho, mais toda a gente que vai para o festival. À chegada ao mesmo há apenas duas formas de acesso, estreitas e só com uma faixa de rodagem para cada lado. E mal os parques de estacionamento junto ao recinto enchem, o acesso é cortado. Já quem vem de boleia, bom, tem sempre de caminhar mais de meia hora para chegar ao recinto.
Quem vem de Taxi/Uber/Bolt, não vê a sua missão mais facilitada, mas acaba sempre por pagar mais do que era suposto pelos tempos intermináveis em fila. Para além disso, a sinalização e fluxo de informação é tão escassa e pouco estruturada que alguns não sabem ao certo quando e como podem chegar ao destino (há inúmeros caminhos sugeridos pelo GPS que já não é possível circular, acho estranho ninguém da organização ter feito um reparo ou ter colocado placas informativas para evitar ter festivaleiros a andar para trás e para a frente até chegar ao destino).
Graças a tudo isto, e apesar de gerir o meu trabalho para garantir que chegava 10 minutos antes para ver a atuação dos Franz Ferdinand na íntegra, apenas apanhei as duas últimas músicas, “Take Me Out” e “This Fire”, logo nem dá para fazer uma apreciação justa à performance da banda.
Imediatamente a seguir saltei para o palco Pull & Bear para Black Country New Road, um dos concertos que mais queria ver nesta edição do festival, mas parecia que esse entusiasmo era só meu e de mais meia dúzia de pessoas, tal era a quantidade de presentes na audiência. É certo que a banda tem atravessado algumas dificuldades, sendo que, ainda antes do lançamento do segundo álbum Ants From Up There (2022), o vocalista Isaac Wood anunciou que ia abandonar o projeto devido a problemas mentais. Ontem também se sentiu a falta do carisma de Georgia Ellery (substituída por Nina Lim), que está atualmente em tour com o seu novo projeto Jockstrap (tendo passado pelo Primavera Sound Porto, onde electrizou milhares). Nos entretantos, após a saída de Wood, a banda não parou, aproveitou o momento gerado e gravou uma série músicas que ficaram imortalizadas no álbum ao vivo no Bush Hall.
Esta tour tem sido exclusivamente com esse alinhamento composto por nove músicas e interpretadas por May Kershaw. Apesar de saber que o alinhamento seria este com certezas, ficou sempre uma esperança que saísse uma música ou outra dos dois primeiros álbuns, mas não correspondida. O momento musical valeu cada segundo pela instrumentais característicos, mas a verdade é que Wood faz muita falta, e creio que isso se refletiu um pouco no interesse do público. Mereciam mais, em todo caso.
Pouco depois seguiam-se os The Offspring no palco principal, o motivo principal que levou 18 mil pessoas à Herdade do Cabeço da Flauta. O ambiente era de efusividade e o alinhamento correspondeu, abrindo com “Come Out and Play”, seguido de uma série de clássicos nos quais foi “I Want You Bad” a puxar da nostalgia no início do milénio. Um pouco por toda a massa humana presente para assistir a um autêntico revival, havia malta aos pulos, a abanar a cabeça e a entoar as letras de praticamente todas as músicas. A meio do alinhamento há um momento em que a banda perpetua uma maior interação com o público e Noodles fazia contas de cabeça das quais saía uma contagem completamente irrealista de pessoas presentes (para cima de 1 milhão), enquanto Dexter Holland gozava. Seguiam-se uma série de covers curtos a músicas célebres como “Iron Man” dos Black Sabbath, “Sweet Child o’Mine” dos Guns N’ Roses ou “Blitzkrieg Bop” dos Ramones que animou ainda mais os amantes do rock presentes, mas o melhor ainda estava para vir.
“Why Don’t You Get A Job?”, “Pretty Fly (For A White Guy)” e “The Kids Aren’t Alright” foram três das cinco músicas que se seguiam e já não havia volta a dar. Mesmo com a banda a ensaiar uma saída premeditada, ninguém arredou pé, pois faltavam “You Gonna Go Far Kid” e a lendária “Self Esteem”. Americana (1998) e Smash (1994) foram naturalmente os álbuns mais tocados, o que de certa forma diz muito sobre a vitalidade criativa da banda, mas pouco ou nada diz sobre a sua a presença em palco e genica. Basicamente são um grupo de jovens a chegar aos 60 anos de idade e acho que isto resume bem o que se assistiu ontem no Meco – um triunfo para a organização e um concerto memorável para os festivaleiros.
Corria a informação de atrasos de Father John Misty e, como tal, Róisín Murphy também foi “atrasada” para o gap sem atuações não ser tão grande. Em vez de terminar em simultâneo com o concerto de The Offspring, apenas tinha começado há meia dúzia de minutos quando o palco principal viu a banda norte-americana sair, para minha felicidade. Nunca tive oportunidade de ver Murphy ao vivo enquanto Moloko e, após do lançamento de Róisín Machine (2020) em nome próprio, estava na minha lista de desejos. Pouco fazia prever a energia e inventividade da artista irlandesa que continua a incendiar palcos e a contagiar toda a gente com o seu flow. Caracterizada com uma série de vestidos reluzentes e chapéus extravagantes, Murphy dançava connosco ao som de músicas como “The Universe”, “Something More” ou “Incapable” enquanto empregava os seus vocais magníficos, acompanhados por uma banda que esteve irrepreensível.
Das clássicos, foi desenterrar “My Time Is Now” e “Sing It Back”. Na segunda, conhecida por muita gente, puxou pelo público no refrão e foi correspondida, esboçando sorrisos e correspondendo de volta. Seguiu-se “Ramalama (Bang Bang)”, um dos seus maiores hits, pautados pelo brutalismo instrumental e loucura lírica. Apesar de não se enquadrar com o resto do alinhamento, é sempre um elemento essencial, adorado por muitos. A entrega da artista foi notória, naquela que foi talvez a performance mais sensacional da noite e o reconhecimento fez-se notar, tal foi a duração da chuva de aplausos e apupos com que saiu de palco.
Com tudo atrasado e sabendo que muita gente saiu após The Offspring e, como tal, poder haver menos confusão, era provável apanhar alguma fila a sair do estacionamento. Posto isto, abdicámos de Father John Misty, mas se a chegada ao recinto não foi fácil, o verdadeiro pesadelo estava prestes a começar. Sem qualquer exagero, foi preciso 1 hora e 45 minutos para percorrer cerca de 80 metros no parque de estacionamento e chegar à estrada. Uma desorganização sem precedentes que demonstra que o lugar atual para a realização do festival não tem infraestruturas ou condições para uma realização sã do evento. Até o NOS Alive, que é um autêntico pesadelo que nos mete a treinar para os caminhos de Santiago, tem mais organização do escoamento de festivaleiros após concertos (com casas mais cheias do que 18 mil pessoas). Não estou com isto a elogiar o NOS Alive, de todo, visto que quando compro o passe geral é para ir ouvir música e não ter três dias de treino para a meia-maratona de Lisboa.
O grande ponto positivo foi o que nos leva a acarinhar e querer fazer parte do Super Bock Super Rock – “Meco, Sol e Rock and Roll” – e nada disso faltou. Foi um grande dia de música, mas os acessos (na chegada e ir embora) são também partes integrantes da experiência, logo precisam de ser melhoradas já para hoje e revistas com atenção para a próxima edição do festival.
Foto de: Super Bock Super Rock
