Não é o primeiro bom remake que existe, mas o trabalho da EA Motive em Dead Space é mais um exemplo de como os remakes podem ser excelentemente bem executados.
O conceito de “remake” ainda parece assustar muitos jogadores, em particular quando se trata de remakes dos seus jogos favoritos. E com alguma razão. O processo de criação num remake não é apenas colocar tinta nova em cima do que já conhecemos, mas sim recriar a experiência que conhecemos. É suposto melhorar, mas, neste processo, muita coisa pode ser retirada e substituída por algo novo e menos familiar. Perante a mudança, o entusiasmo transforma-se em nervosismo, dúvida e medo – para não falar na desconfiança que sentimos pelos grandes estúdios. Não nos faltam exemplos de relançamentos que ficaram muito aquém das expectativas das audiências e das expectativas individuais. Mas e os casos de sucesso? A EA Motive parece ter acertado num excelente equilíbrio.
A ideia de um remake de Dead Space era, no papel, ambiciosa. Não por ser um jogo propriamente complexo ou original, mas pelo marco que deixou na indústria quando surgiu em 2008. Para contexto, temos de recuar até à geração da PlayStation 3 e Xbox 360, onde o género survival horror estava a sofrer alterações profundas após o lançamento de Resident Evil 4. Um novo foco na ação e na tensão que a Visceral Games readaptou para um ambiente espacial. 15 anos depois, a Motive, o estúdio da EA que nos trouxe Star Wars Squadrons e a campanha de Star Wars Battlefront 2, entendeu muito bem a sua missão nesta revisita a Dead Space.
Inspirada nos clássicos de horror de ficção científica como Alien, The Thing e até 2001 Odisseia no Espaço, a equipa da Motive, com recurso ao Frostbite Engine (usado em jogos de series como Need for Speed, Star Wars e Battlefield), amplificou tudo o que torna Dead Space um jogo excelente por mérito próprio – graças à jogabilidade “moderna” dos third-person da época; à atmosfera sombria e claustrofóbica, ao design industrial e realista em ambiente futurista; ao design das medonhas criaturas; e graças àquela pitada de horror cósmico das sua narrativa que alimenta a nossa imaginação e pesadelos.
Esta conquista, chamemos-lhe assim, foi conseguida através de um enorme respeito pelo material original e também por saberem onde mudar o que é necessário. Em parte, é uma recriação e modernização 1:1 do original que, por vezes, remexe com elementos para tornar a jornada mais interessante para quem conhece o original e que colocam o jogo mais dentro das expectativas para quem ainda não o conhece em 2023.
Admito que não me recordo muito bem do jogo original. Fora algumas das sequências mais importantes e o quão incrível era a sua atmosfera e o uso da icónica Plasma Cutter, pouco ficou na memória. E isto colocou-me numa posição muito interessante de revisitação e de redescoberta. No entanto, senti-me rapidamente familiar à experiência do jogo original e deu para perceber (e mais tarde comprovar) algumas das alterações que tornam a nova versão tão moderna como um jogo da geração atual. Um remake, como se quer.
Começando pela forma como a história é contada neste remake, Dead Space coloca-nos na pele de Isaac Clarke, um engenheiro de reparações que, ao chegar juntamente com a sua equipa à estação espacial mineira Ishimura, descobre que o complexo foi misteriosamente infetado por um organismo vivo que tomou conta da maioria dos habitantes da estação. Ao longo do jogo, Isaac tenta entrar em contacto com a sua mulher, Nicole, ao mesmo tempo que vai descobrindo a razão desta infestação, enquanto navega e tenta reparar diferentes setores da Ishimura. A história desenvolve-se com twists, reviravoltas e questões filosóficas, com temas religiosos e sobre a condição humana em quantidades suficientes para nos manter investidos até aos créditos e a partilhar teorias com os nossos amigos.
No jogo original, Isaac era um protagonista mudo, tendo recebido voz apenas na sequela. Já nesta nova versão, Isaac tem voz, com Gunner Wright de regresso das sequelas. E, logo aqui, temos uma enorme diferença em relação ao jogo original, uma vez que, além desta novidade, temos todas as vozes do jogo regravadas com um novo elenco e, por extensão, sequências de diálogo refeitas, remisturadas e até com uma nova personagem secundária. Apesar de ser essencialmente a mesma história e a mesma jornada, este remake demonstra logo a sua vontade em dar mais aos jogadores sem se desviar muito da experiência original, isto porque Isaac não fala durante as sequências de jogo. Continua em silêncio sem indicar caminhos ou partilhando os seus pensamentos como muito outros jogos modernos gostam de abusar, falando apenas quando há interação com outras personagens. É refrescante.
Às vezes a nossa memória prega-nos partidas e, até termos uma comparação direta entre o velho e o novo, Dead Space ainda parecia estar visualmente muito capaz. Com a nova versão à minha frente, as diferenças são literalmente separadas por uma geração. Não só tudo no jogo foi refeito – modelos, personagens, ambientes -, como a Motive também foi mais longe ao mexer nas dimensões de alguns espaços e ambientes, estando mais densos, detalhados e claustrofóbicos, com dimensões reajustadas e um level design que permite que toda a estação da Ishimura seja explorável a pé sem acesso ao shuttle. Tudo isto graças a novos corredores e atalhos que vêm alterar um pouco o formato do original, onde cada parte da estação correspondia a diferentes capítulos do jogo.
Visualmente mais escuro, o remake de Dead Space oferece uma experiência atmosférica ainda mais aterradora. E não são apenas as texturas de alta resolução ou os novos modelos das personagens e dos Necromorphs que saltam à vista. As animações são mais naturais e acrescentam um nível de terror e de horror aos seus movimentos desconcertantes e rápidos, e temos também o incrível uso de áudio espacial que nos deixa petrificados quando os Necromorphs nos tentam atacar de surpresa fora do nosso campo de visão.
A jogabilidade mantém-se virtualmente semelhante, mas a forma correta de a definir é: afinada. Continua o mesmo jogo na terceira pessoa que conhecemos, o uso da Plasma Cutter continua a ser uma delícia para cortar os membros dos Necromorphs e contamos novamente com os seus elementos e menus diegéticos que eliminam por completo a existência/necessidade de um HUD. Ainda assim, a Motive aproveitou elementos das sequelas do original e, ao longo do jogo, alterou a forma de jogar de algumas sequências. Por exemplo, as secções de gravidade zero podem agora ser exploradas e jogadas com total controlo da personagem com recurso aos boosters do fato, tal como em Dead Space 2. É uma excelente alteração que torna o jogo mais variado e divertido, especialmente nos combates sem gravidade, onde para além da liberdade de movimentação, a nossa estratégia passa pelo guiar do som dos inimigos que se escondem nas sombras.
Apesar de todas estas melhorias, não consigo evitar em falar de um pequeno desapontamento técnico deste remake altamente exigente nas novas consolas, em particular na versão da PlayStation 5 onde o joguei. A Motive aposta na já habitual tendência de oferecer dois modos de jogo, o de Qualidade com alvo na resolução 4K a 30FPS, e o modo de Desempenho a 60FPS. Pessoalmente, nenhum dos dois me convenceu, apesar de ter jogado a primeira metade do jogo em Qualidade e em Desempenho na segunda metade. No primeiro modo, apesar de se notar o aumento da resolução com sacrifício no framerate, eram várias as vezes em que algumas arestas surgiam serrilhadas e outras eram as vezes em que as texturas e os modelos surgiam pixelizados e desfocados, retirando ao jogo aquela qualidade imagem limpa prometida nestes modos e aproximando-a do que seria de esperar de um jogo via streaming. Por outro lado, o modo de Desempenho não sofre tanto deste efeito, mas, se estivermos atentos, é claro que a resolução é muito mais baixa do que se espera de um jogo atual. Felizmente ganham “os frames”, e o modo de Desempenho oferece então uma experiência bastante sólida. Só gostava que a qualidade de imagem fosse uma nadinha mais clara. Este é o estado do jogo no momento de escrita do artigo, mas a EA já se pronunciou com atualizações que poderão melhorar a qualidade de imagem do título em breve.
Ainda assim, o remake do Dead Space é uma conquista. Ou pelo menos um modelo a seguir. A Motive não é a primeira a fazer bem um remake ou a dar uma atualização que utiliza os novos meios ao seu dispor para revitalizar um clássico, mas apresenta-nos mais um exemplo de como os remakes podem, e devem, ser feitos. E sabe especialmente melhor considerando que este é um remake vindo de uma casa tão infame como a Electronic Arts. Por favor, EA, dá-nos mais disto.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Electronic Arts.