Um olhar para o passado sólido, mas que começa é incapaz de fugir aos problemas dos lançamentos anteriores da JoyMasher.
Estou curioso para saber qual será a direção da JoyMasher após Vengeful Guardian: Moonrider. Podia ter dito o mesmo de qualquer outro projeto da produtora brasileira, que se tem especializado na criação de videojogos focados em experiências nostálgicas – quase sempre beat’em up, aventuras sidescrollers, focadas também na ação -, mas Moonrider parece ser um desfecho para o seu trabalho num género tão saudosista. Se Oniken procurou recuperar a ação das 8 bits e Blazing Chrome assumiu-se como uma sequela espiritual da série Contra, Moonrider é o equivalente aos clássicos da SEGA; às aventuras de Shinobi, Alisia Dragoon e até mesmo Strider. É um passo na direção certa, mas com um catálogo tão focado nestes títulos que procuram ressuscitar o passado, sou levado a pensar: qual será o seu futuro se nenhum destes títulos acertou em cheio no que queria fazer?
Vengeful Guardian: Moonrider é, a nível pessoal, o melhor título da JoyMasher. Um título mais seguro de si, com uma personalidade bastante vincada (e bem emulada) que consegue adaptar as mecânicas clássicas dos jogos de ação e plataformas 2D numa campanha sólida e bastante variada. Como Moonrider, o nosso ciborgue samurai com poderes especiais, temos nove níveis à nossa disposição, com sete desses níveis a serem acessíveis pela ordem que quisermos. Cada nível é representado por um boss, antigos companheiros do nosso guerreiro em busca de vingança, e a dificuldade encontra-se num ponto bastante interessante para um jogo deste género: não é muito difícil e pouco ou nada assente no clássico “tentativa e erro”. Penso que a ausência de diferentes modos de dificuldade procura construir uma progressão mais acessível, no sentido em que podemos escolher qualquer nível desde o início sem sentirmos uma curva demasiado acentuado no que toca aos seus desafios. Isto levanta também outras questões de equilíbrio na jogabilidade e de impacto em certas mecânicas deste jogo de ação, até porque o Moonrider é mais fácil do que estava à espera e quase sempre ausente de emoções fortes – o que é raro para este tipo de videojogos.
A dificuldade não foi propriamente um problema para mim, talvez por falta de destreza da minha parte, mas deixou-me confuso no que toca às mecânicas que a JoyMasher decidiu explorar. As comparações a Shinobi são fáceis, mas também necessárias para compreenderem como Moonrider se comporta em combate, com o nosso ciborgue samurai a conseguir atacar com a sua espada cibernética, saltar, utilizar um ataque aéreo e ainda realizar wall-jumps como a personagem icónica da SEGA – ou como Ryu Hayabusa da série Ninja Gaiden. O leque de habilidades é o conhecido pelos fãs do género, com o jogo a apresentar desafios assentes nas plataformas e inimigos que requerem um maior controlo espacial devido à sua mobilidade, mas Moonrider esconde habilidades passivas e ativas ao longo da sua campanha – e são estas habilidades que me fazem repensar a sua estrutura aberta. Através de chips, escondidos pelos níveis, podemos adicionar atributos como “recuperar energia por segundos”, “ganhar vida ao eliminarmos inimigos”, “aumentarmos o poder de ataque pelo número de inimigos derrotados”, “sabermos a localização de segredos em campo”, entre outros. Podemos equipar até duas habilidades passivas e algumas delas conseguem tornar um jogo fácil em algo ainda mais acessível para qualquer tipo de jogador. Vale a pena repetir os níveis em busca destes segredos ou então evitá-los para aumentarem a dificuldade do jogo.
As comparações a Shinobi são esperadas, mas Moonrider partilha muito do ADN de Mega Man – pelo menos assim aparenta ser quando iniciamos a campanha. A possibilidade de escolhermos qualquer nível a qualquer momento da campanha relembra a seleção de bosses do clássico da Capcom, ao ponto de recebermos uma nova habilidade sempre que derrotamos um dos adversários de Moonrider. Cria-se assim a ilusão que existe afinal uma ordem para terminarmos a campanha do jogo. Se existe a possibilidade de escolher qualquer nível e se recebemos uma habilidade no final de cada fase, então de certeza que existe um motivo para tal, mas a resposta é mais desapontante do que pensamos. As habilidades são eficazes, não me interpretem mal, e algumas delas são muito úteis em combate – como o desvio rápido, o portal que invoca tentáculos monstruosos ou com tiros que se dispersam pelos cenários -, mas a dificuldade de Moonrider não justifica a utilização da maioria delas. Isto porque os confrontos contra os bosses são mesmo muito fáceis, ao ponto de bastar o ataque normal do protagonista para os derrotar. Se existe uma ordem para derrotarmos os bosses do jogo, então algo correu mal na sua conceptualização. Sentimos este desequilíbrio ao longo da campanha ao ponto de ignorarmos completamente certas habilidade do ciborgue. Temos acesso a uma pontuação final, de E a S, e existem achievements para colecionarmos, mas não temos grandes motivos para repetir a campanha de Moonrider.
A ação não é tão frenética como a arte e o material promocional levam a querer, com Moonrider a ser um título muito mais ponderado e focado nas sequências de plataformas. Isto faz-se sentir pela presença de um elemento único em cada um dos níveis da campanha, como lasers enormes que temos de eliminar, sequências de condução – outro elemento clássico que muitos reconhecerão de títulos da sua infância -, perseguições entre carros ou naves e até uma caça aos interruptores em labirintos. A JoyMasher conseguiu criar um best-of mecânico com Moonrider e garantir que a campanha raramente é aborrecida ou demasiado repetitiva. Conseguimos sentir o carinho e a dedicação da produtora em dar aos jogadores algo fiel aos clássicos, mas tal como Oniken e Odallus, também Moonrider sofre pela falta de polimento e de um maior equilíbrio em certos momentos da campanha. O nosso ciborgue é muito lento quando não está a correr e muito rápido quando está a correr, o que torna difícil saber como abordar certas sequências de plataformas. O dano infligido pelos ataques também parece variar de momento para momento, sejam golpes normais ou impulsionados pela corrida, ao ponto de certos inimigos parecerem esponjas.
Também temos a possibilidade de desviar balas e devolvê-las aos nossos adversários, uma opção que poderia ter sido essencial em combate, mas que se torna bastante descartável à medida que colecionamos novas habilidades. Por fim, Moonrider comete uma das minhas maiores irritações em sidescrollers de ação: saltos de fé. Nem sempre conseguimos ver onde vamos cair quando saltamos e existem muitos momentos em que Moonrider obriga-nos a arriscar sem dar indicativos do que nos espera. Se esta foi a forma da JoyMasher adicionar mais dificuldade ao jogo, penso que o resultado final não foi o mais positivo.
É possível sentir a evolução da JoyMasher na construção de cenários e na apropriação de estilos visuais através dos seus videojogos. Oniken é uma homenagem aos jogos 8 bits, Odallus aproxima-se mais das aventuras para PC – arrisco-me a dizer com algumas semelhanças a títulos da PC-98 – e Blazing Chrome poderia ter saído diretamente da Super Nintendo. Já Moonrider é totalmente SEGA, mais especificamente Mega Drive, desde as cores mais escuras dos cenários até à banda sonora repleta de tons graves e uma aposta propositada em baixas frequências. As inspirações vão além da indústria dos videojogos e Moonrider bebe muito da estética dos 80/90s quando aplicada ao género de ficção científica, maioritariamente nas produções japonesas. Basta olharmos para animes como Guyver, Genocyber, Appleseed, Cyber City Oedo 808, entre tantos outros, para compreendermos as origens biomecânicas e grotescas do mundo futurista de Moonrider.
E agora? Para onde ir? Apesar dos seus problemas, Vengeful Guardian: Moonrider proporciona uma experiência sólida para os fãs do género através de uma campanha curta, mas sempre focada. Os níveis são variados e a possibilidade de escolhermos a nossa progressão ao longo da campanha é uma mais-valia para quem procura um jogo desafiante, mas não em demasia. Os elementos estão todos no local certo e ao mesmo tempo Moonrider não é propriamente um jogo obrigatório. Parece que falta sempre qualquer coisa nestas homenagens ao passado e a JoyMasher chega assim a um cruzamento: continuar a desenvolver “jogos presos aos 8 e 16 bits” ou evoluir e procurar algo novo? Esperemos que a intenção seja inovar, pois Moonrider começa a mostrar que o limite já chegou.
Cópia para análise (versão PC) cedida pela Cosmocover.