Morbius é mais um desastre do universo partilhado entre a Sony e a Marvel.
Desde que a pandemia começou, os filmes têm sofrido inúmeras adiamentos. Alterar as datas de lançamento constantemente afeta o hype em torno de cada obra, especialmente dos grandes estúdios. No entanto, apesar deste momento em particular levantar mais problemas que soluções, também providenciou às empresas cinematográficas uma maneira de lidar com os seus “filmes descartáveis”. A desculpa da COVID-19 para justificar más decisões dos executivos foi usada aqui e ali, logo considero surpreendente que Morbius tenha passado por tantos atrasos em vez de a Sony simplesmente despejá-lo em janeiro, como de costume. Infelizmente, o filme de Daniel Espinosa (Life) não parou de se mover pelo calendário devido a problemas próprios e não por causa de qualquer fator externo.
Quando Jared Leto (The Little Things) é genuinamente um dos poucos aspetos positivos de um filme, então algo deve ter corrido muito, muito mal com a produção do mesmo. O ator é conhecido pela sua dedicação extrema aos papéis que interpreta, mas o seu “method acting” longe do olhar das câmaras tem proporcionado histórias inacreditáveis que colegas de profissão, cineastas e cinéfilos tanto reprovam como aplaudem. Dito isto, apesar de ser um ator admitidamente polémico, possui imenso talento e demonstra-o nesta terceira parcela do universo cinematográfico da Sony-Marvel – oficialmente apelidado de Sony’s Spider-Man Universe (SSU).
Tanto Leto como Matt Smith (Last Night in Soho) tentam carregar a primeira metade de Morbius, enquanto as suas personagens se focam na cura para as suas doenças raras. Os dois atores possuem excelente química e as suas interações antes de toda a ação descontrolada até são interessantes. A própria ação contém toques visuais agradáveis por parte dos artistas VFX e do cinematógrafo Oliver Wood (The Equalizer 2), incluindo três sequências com mais suspense e tensão do que antecipava. No entanto, desde a mistura algo antiquada de slow-motion com um ritmo mais rápido até ao terceiro ato terrível com uma mescla incompreensível de CGI a encher o ecrã, é um dos componentes mais inconsistentes do filme.
Um enredo principal tão genérico que Morbius podia muito bem ter sido lançado em 2005
A partir daqui, não será fácil encontrar elogios, sendo que o argumento de Matt Sazama e Burk Sharpless (Gods of Egypt) é o maior fator negativo. Uma narrativa pesada em exposição barata e desnecessária com um enredo principal tão genérico que Morbius podia muito bem ter sido lançado em 2005. Não existe qualquer fator surpresa numa história incrivelmente previsível desde os primeiros minutos, onde a falta de desenvolvimento das personagens não só levanta imensas questões lógicas, como afasta os espetadores de criarem empatia com qualquer herói, vilão ou outros “corpos presentes”.
Adria Arjona (Sweet Girl) interpreta o estereótipo da cientista bonita, Jared Harris (Allied) o papel clichê de “pai falso”, Milo (Smith) passa de ser uma criança sem nada a um adulto milionário – sabe-se lá como e que emprego tem – e Michael Morbius (Leto), o suposto anti-vilão com motivações complexas, afinal é desenvolvido como um “bom da fita” dos calcanhares à cabeça… algo que não teria qualquer problema se as duas cenas pós-créditos mais confusas da história da Sony-Marvel não contrariassem completamente os 104 minutos anteriores, para além de quebrar várias linhas narrativas explicadas em filmes anteriores da MCU e SSU. O vício com os teases no fim dos filmes é tão forte que já começa a afetar a obra que os espetadores acabaram de ver.
Do lado técnico, a edição de Pietro Scalia (Ambulance) arruína praticamente todo o filme, sendo uma contribuição bastante impactante para a sensação de confusão geral. Não terá sido o único culpado, mas a montagem dos vários pontos narrativos e das próprias sequências de ação chegam a provocar tonturas com tantas mudanças bruscas de localização e personagens. A banda sonora de Jon Ekstrand (Child 44) deveria ser um ponto positivo e, de facto, eleva alguns momentos de Morbius. Só é pena que seja uma cópia bastante descarada da música que acompanha Batman em The Dark Knight.
Uma das produções cinematográficas de um grande estúdio mais vergonhosas dos últimos anos
Os estúdios Marvel e Sony possuem uma grande oportunidade para transformar Hollywood novamente. Se os universos cinematográficos são a fatia que todos querem atualmente, multiversos cinematográficos poderão ser “the next big thing”. Infelizmente, esta mistura da MCU-SSU vai ser analisada como “o exemplo que não se deve seguir”. Não só a SSU ainda não conseguiu um único filme aclamado tanto por críticos como audiência, como a fusão vem à custa da destruição de toda uma lógica narrativa que vinha a ser construída nos últimos filmes do Spider-Man. Caso para dizer: enfim.
Morbius é mais um desastre do universo partilhado entre a Sony e a Marvel. Apesar de boas prestações por parte de Jared Leto e Matt Smith e até um par de sequências de ação visualmente cativantes, o argumento formulaico que parece vir do início do século arruína tudo o que se podia arruinar.
Desde a previsibilidade e criatividade nula do enredo principal à forte dependência de exposição desinteressante e desnecessária, Daniel Espinosa encontra o maior problema na gritante falta de cuidado no tratamento das personagens. As contrariedades lógicas da narrativa são demasiadas para ignorar e até aumentadas por uma edição extremamente confusa, um terceiro ato envolvida numa mistura inarrável de CGI e uma banda sonora plagiada. Morbius é uma das produções cinematográficas de um grande estúdio mais vergonhosas dos últimos anos.