Far Cry 6 é mais Far Cry, na soma de todos os elementos que distinguem esta saga de outros FPS em mundo aberto.
Por esta altura, já conhecem o icónico discurso de Vaas Montenegro, o antagonista lunático de Far Cry 3. Na introdução da campanha, Vaas questiona o protagonista/jogador sobre a definição de insanidade, definindo-a como o ato de repetir as mesmas ações na expectativa de que algo mude. Hoje olho para esse discurso como uma espécie de representação da série, um elemento “meta”, onde as expetativas chocam entre a vontade de inovar e a dedicação a uma fórmula que se recusa a mudar.
Far Cry 6 é uma repetição do que veio para trás, se visto ao longe, claro, e se pegarmos na soma das suas partes. É um jogo que já vimos, que já jogámos, que tenta implementar coisas novas, mas que sabe exatamente ao mesmo. Pouco evolui, pouco revoluciona a série.
É um sentimento e uma crítica partilhada por jogadores e críticos que pegaram no jogo antes do seu lançamento e com o qual eu me alinho. No entanto, não vejo isto como algo negativo: antes pelo contrário. A sua natureza enquanto sequela “obriga” o novo capítulo a seguir o mesmo template, a abraçar as ideias e conceitos que definem esta propriedade inteletual e que são exatamente aquilo que os fãs procuram jogo após jogo.
Entrar em Far Cry 6 e apontar que é outra vez o mesmo é redutor e injusto. Há, obviamente, várias verdades que resultam nesse sentimento e que são mais óbvias e aparentes quando exploramos cada um dos jogos desta saga de forma mais superficial e casual. É como olhar para um jogo desportivo, como, por exemplo, FIFA 22, e de forma cínica dizer “é o mesmo que nos anos anteriores”. Os jogadores mais acérrimos saberão que não é e que há coisas boas e coisas más que o distinguem de outras entradas anteriores.
E Far Cry 6 é isso mesmo. É mais Far Cry, é a soma de todos os elementos que distinguem esta saga de outros FPS em mundo aberto. Temos um novo local exótico composto por zonas selvagens e urbanas, temos fações e pontos de controlo para resgatar, temos um vilão lunático, um mapa enorme cheio de segredo e pontos de interesse para explorar, missões de caça, missões secundárias e principais. Também temos um/uma protagonista que funciona como “líder” na salvação dessa região e, de alguma forma, toda uma premissa única e separada de restantes entradas, tornando a série numa antologia.
O loop de jogabilidade, os objetivos, as nossas ações e tudo o que fazemos em Far Cry 6 é também superficialmente semelhante ao que já vimos. E sabem que mais? Para mim resulta. Resulta tão bem que, a certa altura, dei por mim investido e em piloto automático a limpar objetivos uns atras dos outros, de forma quase compulsiva como em jogos no passado, em particular Far Cry 3 e Far Cry 3: Blood Dragon. Sinais de que a fórmula resulta.
Mesmo a sua premissa, desta vez focada no arquipélago de Yara – controlado pelas forças de Antón Castillo (protagonizado por Giancarlo Esposito) –, que teremos que libertar com a ajuda de vários líderes de diferentes guerrilhas, segue esta fórmula tradicional e cliché de convencer grupos de personagens resolvendo os seus problemas com missões de resgate, infiltrações e ataques. Esta estrutura serve a narrativa, que funciona apenas de pano de fundo para justificar as restantes ações em atividades secundárias durante a jornada de Dani Rojas neste ambiente paradisíaco, como tomar controlo de determinadas áreas e limpando-as de forças inimigas. Podia fazer uma análise diferente, enunciando a qualidade desta história ou criticando o peso das mensagens e posições políticas que apregoa, mas, no fim do dia, a história de um Far Cry é tão importante como a história num filme pornográfico. Não interessa assim tanto como a ação que propõe.
Não quer dizer assim que não hajam novidades face aos jogos anteriores, porque existem, sendo o grande destaque o protagonista de Far Cry 6, que é agora uma personagem mais presente e com a qual criamos uma relação de camaradagem, seguindo a sua jornada em vez de assumirmos completamente essa personagem através do role-play. Isto porque pela primeira vez na série o/a protagonista, Dani Rojas, aparece na terceira pessoa em diferentes instâncias, como cinemáticas, navegação em hubs comunitários e com ataques especiais durante o combate. E a verdade é que é uma novidade que resulta, pois torna-se mais fácil de criar uma ligação emocional, não só com Dani, mas com os restantes aliados que nos acompanham nesta aventura, motivando-nos assim a seguir mais frequentemente a campanha principal do jogo.
Outra alteração que mudou fundamentalmente a minha experiência de jogo foi a remoção da tradicional skill tree, que nos jogos anteriores permitia o desbloqueio de habilidades únicas ou a transformação das nossas stats, dando mais vida, tornando-nos mais letais, mais rápidos, etc, características que eram conseguidas em troco de missões e objetivos. Em Far Cry 6, a skill tree é trocada por um sistema tradicionalmente RPG, com stats e características associadas aos nossos equipamentos, nomeadamente às roupas que podem ser desbloqueadas também por objetivos. No papel, parece uma troca justa. Já na prática, é impactante a vários níveis, pois obriga-nos a escolher determinados equipamentos para determinadas finalidades e não torna tão motivante o “grind” de objetivos secundários para desbloquear determinadas características.
Estes são apenas dois exemplos de que Far Cry 6 tem, efetivamente, diferenças estruturais além das óbvias, como a mudança de região, a história nova e uma direção de arte ajustada ao tema do jogo. Mas continua a ser um Far Cry, sem tirar nem por. Há quem adore o formato, e nesse caso saia satisfeito, e quem realmente esteja já farto de não ver a série a fazer algo novo e diferente – grupo ao qual, honestamente, e apesar de me estar a divertir com Far Cry 6, me insiro -, mas que, no entanto, não tenho qualquer ideia ou proposta para onde é que a série poderá ir.
Far Cry 6 pode ser jogado no PC, consolas Xbox, PlayStation e serviços de streaming como o Google Stadia.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Ubisoft.