Um jogo de terror que se torna interessante pelos seus defeitos.
A cada ano que passa, apercebo-me que gosto cada vez mais de conceitos e ideias interessantes do que de projetos objetivamente sólidos. Existe um gosto crescente pelo caos, pela ambição e a criatividade que nem sempre resultam, mas que criam um fascínio sincero pela determinação com que são concebidos. Se calhar é um gosto antigo, visto que Sister, dos Sonic Youth, é um dos meus álbuns favoritos e não tanto um reconhecimento recente, mas vi-me a ponderar sobre ele enquanto jogava In Sound Mind, um jogo de terror terrivelmente desequilibrado, com mecânicas a mais – muitas delas insatisfatórias – que me manteve agarrado até ao final devido à sua irreverência e amor pelo absurdo e o ridículo.
É uma cacofonia de tons e ideias que não deviam funcionar, mas In Sound Mind é um projeto peculiar. É um jogo de terror psicológico, capaz de abordar vários temas fortes – levando-nos numa viagem pessoal pela mente de um psiquiatra e dos seus pacientes – enquanto enche a sua campanha de clichés e elementos que não consigo depreender senão como cómicos: como a tradicional figura esguia de um homem de chapéu que nos atormenta através de chamadas e de aparições ao longo da campanha. O surrealismo dos seus cenários, que se encontram entre duas realidades, dão mais substância à baixa qualidade dos gráficos e ao uso pouco surpreendente da cor e das sombras para criar um ambiente mais assustador e opressivo. O mesmo acontece com o design dos monstros e das criaturas que nos perseguem pelos níveis quase sempre labirínticos deste mundo pós-dilúvio.
Apesar de existirem poucas surpresas na narrativa de In Sound Mind, ainda que elogie a tentativa em abordar temas fortes e em dar algum destaque a distúrbios que são muitas vezes negligenciados, o mesmo não pode ser dito da sua jogabilidade. Num primeiro contacto, In Sound Mind assume-se como um jogo de terror na primeira pessoa tradicional, cimentado na estrutura popularizada pelos títulos da Frictional Games e com um foco na história, mas as peças são variadas e os elementos mais fascinantes do que prevíamos. É certo que se trata de um jogo de terror psicológico, mas aproxima-se muito mais a um título de aventura, com pitadas dos clássicos “survival horrors”.
O jogo divide-se em duas partes, em quase duas identidades díspares: a exploração do complexo de apartamentos, onde começamos o jogo, e o mundo especial, que acedemos através das cassetes dos nossos pacientes. A primeira parte dá-nos esta aproximação à estrutura de um jogo de aventura clássico, com vários andares para explorar, zonas fechadas – que só podemos aceder com a arma ou ferramenta correta – e recursos para descobrir, como novas armas, pilhas para a lanterna e balas. E sim, armas, pois In Sound Mind apresenta um sistema de combate. Ao contrário do que esperava, não é suposto estarmos sempre escondidos e evitarmos as criaturas que nos perseguem, e existe uma forma de lutar. O sistema é muito rudimentar e nem sempre funciona bem, especialmente nos confrontos corpo a corpo, mas aprecio quando um jogo de terror tem a coragem para adicionar uma forma de ripostarmos contra os inimigos em vez de fugirmos.
A segunda parte é mais focada na narrativa e é, até certo ponto, o seu lado mais tradicional, transportando-nos para níveis fechados que geralmente focam-se na resolução de uma tarefa longa através de cenários extensos. Nós acedemos a estas realidades através de cassetes, que podemos revisitar quando quisermos, e é aqui que In Sound Mind se assume como um jogo de terror contemporâneo, munindo-se até de criaturas indestrutíveis que nos perseguem pelos cenários labirínticos. A primeira cassete, onde conhecemos a história de Virginia, é um exemplo forte do que irão encontrar, com um fantasma no nosso encalce e uma missão que nos leva a explorar o super mercado em busca de quatro espelhos. Um objetivo muito claro que nos obriga a explorar todos os recantos enquanto resolvemos pequenos puzzles em busca dos itens que necessitamos.
In Sound Mind é um jogo dividido entre duas personalidades e eu aprecio esta dedicação em misturar vários elementos numa só experiência: uma contradição, eu sei. Infelizmente, não é um jogo assustador, um ponto muito negativo para um título deste género, mas é por isso que olho para ele como um jogo de aventura gráfica com alguns elementos de horror – e comédia, insisto –, onde os puzzles são tão importantes como os sustos fáceis. Mas é um jogo repleto de ideias, de conceitos, ao ponto de termos, por exemplo, um sistema de evolução que nos permite melhorar a saúde, velocidade e furtividade do nosso psiquiatra. A alma do jogo está na exploração, na descoberta de armas e itens secretos que dão vida a uma campanha desequilibrada, mas sempre interessante.
Cópia para análise (PlayStation) cedida pela Dead Good Media.