Uma homenagem sentida e desafiante a alguns dos maiores clássicos do género de terror.
O género de terror vive tempos atribulados, mas de alguma produtividade. Se os grandes estúdios parecem não saber como abordar o género, à exceção de um punhado de estúdios – onde agora podemos incluir a Motive com o remake de Dead Space –, já os produtores independentes, munidos pela nostalgia, apostam de forma crescente nesta vontade em assustar os jogadores com experiências novas ou assentes no passado. De facto, o género parece não existir sem esta necessidade de homenagear constantemente o passado e é aqui que Tormented Souls, da Dual Effect Games, se insere: uma homenagem sentida aos clássicos do género que precisava de um maior polimento para se destacar neste final de ano.
Tormented Souls é um excelente exemplo para demonstrar a luta interior que marca a vida de um crítico, no sentido em que nos sentimos na obrigação de analisar rispidamente algo que apreciámos. Posso dizer que gostei genuinamente do meu tempo com Tormented Souls e da sua campanha repleta de referências, puzzles interessantes e cenários suficientemente labirínticos que tornam a exploração entusiasmante, mas cujos problemas não consigo ignorar. Apesar de me ter divertido, não consigo fechar os olhos aos problemas técnicos, à história banal e aos péssimos diálogos que apresenta, criando assim uma experiência pouco consistente, mas repleta de personalidade.
Sinto que a Dual Effect Games estudou eficazmente o género, em especial Resident Evil e Silent Hill – adicionando, inclusivamente, uma realidade alternativa que acedemos através de um espelho –, ao demonstrar uma atenção especial no que toca ao design do seu hospital abandonado. Os corredores são extensos e constroem um mundo repleto de salas, segredos e puzzles que se interligam através de atalhos inteligentes e bem pensados para suavizar a constante navegação, para trás e para a frente, exigida pelo género. A direção de arte também é sólida e os ângulos pré-definidos e dinâmicos estão bem pensados, mas a experiência é prejudicada por alguns cortes no desempenho e por bugs visuais, como o desaparecimento da nossa arma, que levaram a mortes prematuras. Um no cravo e outro na ferradura.
A estrutura de Tormented Souls é muito idêntica e próxima aos clássicos do género, na medida em que começamos numa zona pequena e controlada, onde podemos explorar de forma linear à medida que nos habituamos às suas mecânicas, até que encontramos cenários progressivamente mais extensos e labirínticos. Não vão encontrar grandes novidades em Tormented Souls ou mecânicas arriscadas e invulgares, ainda que aprecie os seus menus com cursor livre – onde podemos interagir com objetos e botões sem necessitarmos dos comandos direcionais, semelhante a um título point and click –, mas há uma enorme solidez de progressão, até mesmo quando sentimos que todas as ideias não se coadunam ao longo da campanha – muito motivado pela falta de coesão temática em certas zonas do jogo.
A experiência mantém-se assente na sobrevivência e os recursos são escassos, com a Dual Effect Games a adicionar um fator que influencia não só a exploração, como o combate pouco surpreendente de Tormented Souls: a escuridão. Caroline, a nossa protagonista, tem medo do escuro e é necessário utilizar um isqueiro ou aceder velas para a mantermos protegida. Se estiver banhada na escuridão, Caroline não consegue atacar ou interagir com objetos, criando assim a necessidade de termos algum sentido estratégico porque não podemos, por exemplo, utilizar o isqueiro e uma arma em simultâneo. São poucas as situações onde temos de escolher entre atacar e fugir, mas existem e têm influência também na forma como resolvermos certos puzzles.
Os dois grandes problemas de Tormented Souls são, na minha opinião, a sua banda sonora genérica, repleta de leitmotifs tradicionais e que destoam do ambiente do jogo, e o facto de não ser assustador. A ausência de sustos sérios – e retiro da equação os irritantes jump scares – ou de um ambiente tenso, onde tememos cada passo que damos, leva-me a considerar Tormented Souls mais como um jogo de aventura gráfica e não tanto como um titulo de sobrevivência. Está no meio, mas sem grande equilíbrio entre ambas as partes. Os monstros, criaturas que resultam de experiência falhadas, apresentam um design muito forçado e pouco imaginativo, aproximando-se do que vimos em Silent Hill Downpour, e isto não é um elogio. O seu posicionamento também não é o mais satisfatório e o jogo raramente utiliza os ângulos pré-definidos a seu favor para criar alguma tensão.
Apesar dos seus problemas, diverti-me com Tormented Souls. É uma boa homenagem, de corta e cola, ao género de terror e aos clássicos da PlayStation, apresentando momentos genuinamente bons e ainda alguma diversão na resolução dos puzzles e na exploração do hospital abandonado. Falta-lhe originalidade, polimento e uma melhor banda sonora, o que faz com que não seja fácil de recomendar a quem não se recorde nostalgicamente da era dourada do género: ainda que apresente um esquema de controlos em 3D e não apenas os infames “tank controles”. Mas se, como eu, acompanharam a evolução dos jogos de terror e sobrevivência, Tormented Souls será, no mínimo, divertido e uma competente viagem ao passado do género.
Disponível para:PC e PlayStation 5
Jogado na PlayStation 5
Cópia para análise cedida pela PQube