E foi assim o primeiro dia do Vodafone Paredes de Coura.
A tarde é soalheira, o Intermarché está cheio, naquela mistura destes dias por Coura onde os residentes habituais de repente se tornam minoria entre a chegada dos emigrantes e sua prole para o querido mês de agosto – os que foram para Lisboa e os que foram para fora – que tornam o francês a segunda língua do Alto Minho no Verão mesmo com a irmã Galiza aqui tão perto, e a visita dos festivaleiros para o habitat natural da música naquela que é a semana mais especial para o concelho que chegou à celebridade nacional por via do festival de música mais antigo em atividade do país – a cantar desde 1993.
Após a visita da praxe ao centro cultural – exposição de fotografia de Alfredo Cunha sobre os 50 anos do 25 de Abril recomenda-se -, há a chegada após o jantar ao recinto do tal festival. E o primeiro nome a ser visto no Vodafone Paredes de Coura é André 3000 com a sua nova encarnação flautística de New Blue Sun. É engraçado como há reacções quase de ódio visceral pelo homem lhe ter apetecido fazer diferente e não ser o mesmo gajo dos Outkast. O óbvio ululante é que isto não faz sentido às 21h30 no palco do anfiteatro natural – o fuso horário utilizado para as atuações desta edição daria um bom caso de estudo, em que a maioria do público presente se está a borrifar para o artista, mas muito mais interessado no convívio com os demais. Lá para as filas da frente, ali da régie em diante, consegue-se finalmente algum ambiente para ouvir com o mínimo de atenção. Há sons de pássaro e uma língua inventada pelo meio – o sorriso após dizer isso perante o respeito institucional do público a achar que se tratavam de palavras de antanho. Por vezes, a flauta faz lembrar uma gaita de foles no meio dos outros instrumentistas, mas o crescente sónico no final deu um twist à coisa. Claramente o OVNI deste ano.
Os 800 Gondomar, de regresso cinco anos depois com São Gunão, foram reforço do próprio dia para compensar a ausência dos Bar Italia com um membro hospitalizado no Porto. Punk bem disposto com um “Estão a divertir-se?” entre falas e boa disposição entre amigos.
De seguida, Sampha trouxe por seu lado um triunfo enganadoramente fácil na sua simplicidade. Figura multi-facetada, colete e calças de fato de treino branco tanto à vontade no fundo do palco a comandar as tropas como a dar pinotes pelo palco, sempre a apresentar um força tranquila. Um palco belíssimo (pena não se ter deixado fotografar), as variações instrumentais sábias de Lahai e do premiado Process em destaque. Sampha parecia que ia ser uma mega estrela, tornou-se um mega produtor, e agora aparece na plenitude dos poderes a dar a cara de forma discreta, mas visível.
George Clanton é americano e um músico eletrónico que grava coisas com piada. Porém, estava mais interessado em citar marcas à sua volta, fazer auto-comiseração egoísta sobre o país de origem, dizer que em três dias do Porto já percebe imenso disto e que em Coura vê muitos mais portugueses do que no centro da Invicta (não deixa de ter a sua razão). Talvez um dia saiba ou queira dar concertos. Siga.
O último ás de trunfo em termos de notoriedade da noite foi Killer Mike, que apresenta um dos discos mais frescos do ano – Songs for Sinners & Saints. O nome não está ali para enganar ninguém, gospel bem no centro do palco com um coro sempre ativo vestido de branco e longe da agressividade em palco de Run the Jewels de que faz parte e que vimos num Primavera Sound de Barcelona há uns anos. Muitas referências à Geórgia natal, à experiência da opressão, ao exit nine onde ele poderá estar a vender substâncias de legalidade duvidosa (“Something for Junkies” apareceu). Sobretudo, muitos apelos à fé à força da arte como experiência espiritual. Ao contrário de há umas horas, aqui o encaixe é perfeito com o meio ambiente e humano à volta. Hossanas a Portugal e talento em palco, esta versão de Killer Mike passou a prova e deixou o povo feliz.
Model/Actriz às 3h00 fez sentido (Sextile às 4h15 já não, fica para a próxima com pena), o pós-punk do agrupamento liderado por Cole Haden, de voz grave e saias com salto alto (porém prático) a navegar de um lado para o outro com carisma e controlo na dissonância. Ao vivo não desiludem, e deixam vontade de sala fechada e cavernosa.