Começámos bem.
Mais um regresso ao Couraíso, este particularmente calmo e fluído com a passagem pelo Centro Cultural para acreditação rápida e eficiente e o estacionamento fácil – pelas 18h circula-se bem e o clima de agosto ajuda.
Infelizmente não foi possível apanhar o concerto surpresa de Samuel Úria à varanda da Casa Grande de Romarigães, nome popular da Quinta do Amparo que agora tem um núcleo museológico de homenagem a Aquilino Ribeiro, autor do grande romance com nome da casa e que tem sido propriedade da família. Não foi possível ir a local tão próximo do nosso coração, mas ainda foi possível apanhar a metade final do concerto dos Calibro 35, grupo italiano de culto que alguns classificam de funk cinematográfico, pela forma como trabalharam bandas sonoras de compositores como Ennio Morricone, Luis Bacalov ou Armando Trovajoli. Balaclavas no rosto, ritmo frenético e um final com o malhão de “Notte in Bovisa”. Como hors d’oeuvre do festival, está ótimo e excelente.
Os Dry Cleaning continuam a trajetória ascendente a que já se pôde assistir no ano passado no Primavera Sound Porto. Florence Shaw a vocalizar um dos projetos mais interessantes do pós-punk dos últimos anos e com uma lição sempre bem estudada do local onde está, desta vez com o toque de agradecer a honra de estar a abrir o palco principal nos 30 anos do Vodafone Paredes de Coura. De lá para cá chegou Stumpwork, disco que fez parte de tantas e tantas listas dos melhores de 2022, e “Gary Ashby” e “Don’t Press Me” são representantes da sonoridade confessional de Shaw que solta as letras de poética irónica e crítica quase como se estivesse a conversar no café, mas a banda sempre a ritmar de forma apertada. Tão clássico e tão moderno.
Já Snail Mail, que é como quem diz Lindsey Jordan, aparentava irritação inicial pelas condições de som do agora rebatizado palco Yorn, mas finalmente lá arrancou para um concerto que estava ganho à partida com o entusiamo dos fãs, em particular do grupo que estava na frente constantemente a pedir músicas. Intenso para a vulnerabilidade lo-fi da autora de “Valentine”.
Os Yo La Tengo não têm, de forma genérica, este tipo de fãs. Têm sim uma legião de gaviões da fiel, em que muitos já os seguem há décadas, outros os descobriram há menos anos, mas sempre com o mesmo encantamento. O maravilhoso rodízio de instrumentos do trio composto por Ira Kaplan, Georgia Hubley e James McNew deram aula catedrática característica de uma banda para quem está noutras bandas ou escreve sobre música – o chamado agrupamento de culto. Acompanhados pelo pôr de sol na colina do habitat natural da música, o destilar de canções que compõem o património do indie rock americano foi uma viagem que obrigou a refugiar dos cantos mais faladores e ruidosos do público para se obter a recompensa plena da prenda que estava a ser desembrulhada à nossa frente pelos autores de “Autumn Sweater”. Esta gente de Nova Jersey continua a tê-lo, energia e atmosfera.
A seguir ao jantar, os Squid mostraram porque são companheiros merecedores da lista dos salvadores da guitarra por terras de Sua Majestade ao lado dos companheiros de dia Dry Cleaning e, por exemplo, dos Black Midi. Aqui a voz é mais frenética, agressiva, a noite no bar depois da conversa no café. O Monolith é disco pleno de improvisação que traz consigo melodias delicadas lado a lado com os nervos à flor da pele. Vitalidade construída em palco.
Jessie Ware seria talvez o nome mais falado do dia, e trouxe com ela os sentimentos mais contraditórios do dia. That! Feels Good! é o álbum festa de 2023, uma maravilha disco trazida para a atualidade, com produção brilhante e a voz luminosa da londrina a moldar-se a territórios remotos da cristalina “Say You Love Me”. Roupa prateada cintilante e com dois dançarinos e dois cantores de apoio que também constantemente se moviam à frente do pano de fundo que jamais se alterou do nome da artista em letras bem grande – aqui não havia dúvidas. É o show de Jessie.
Com vários encómios ao Coura festival (está bem, pelo menos não lhe chamou Paredes festival), o hino “Free Yourself”, “Freak Me Now”, bem como “What’s Your Pleasure” do anterior disco com o mesmo nome, foram bem recebidos. No entanto, o show de palco não tira partido das maiores forças de Jessie Ware, que chega a ser apelidada como a “tia divertida que gosta de dançar” por algum membro mais juvenil do público – algo absurdo sobre uma artista de 38 anos, por exemplo mais jovem que St. Vincent, vista em junho. Só que isso dá nota da dissonância cognitiva vista em palco.
Dito isto, a voz e o esforço estão lá, mesmo na versão de “Believe” de Cher. O final, abrupto, não ajudou. E não, 50 minutos não são aceitáveis para um “cabeça de cartaz”, apesar de se concordar com a tolice da terminologia.
Por último, e já passam das duas da manhã quando chega o duo norte-irlandês Bicep, não padecendo de nada visto nesta versão ao vivo. Sozinhos em palco em frente aos sintetizadores e com um fundo visual hipnótico quanto baste, quem faz “Glue” tem por aqui casa aberta para os receber. E muitos ficam na sala a ouvir a experiência destes DJs e produtores, enquanto os outros vão embora para escovar os dentes e se deitar. Escolha acertada, como diria a DECO.