Mais um ano, mais uma edição de Vodafone Mexefest. O festival vai crescendo à medida que fica cada vez mais camaleónico e com uma aposta mais acentuada no hip-hop. Regularmente, há salas que são substituídas por outras, dando a a sensação que é um festival de experiências, apesar de existir há uns quantos anos. E as escolhas de concertos? É uma decisão cada vez mais difícil.
Neste primeiro dia, serviam-se nomes como Washed Out, Destroyer, Valete, Manel Cruz, Samuel Úria (confirmação de última hora em detrimento de Jessie Ware) e Songhoy Blues, entre outros.
Começámos o roteiro com o multi-instrumentalista PAULi, britânico que já colaborou com nomes como Jamie xx, FKA Twigs ou Damon Albarn, e que à sua espera tinha a sala Montepio do São Jorge cheia de fãs da sua música. A sala revelou-se pequena e deixou muitos interessados à porta para esta apresentação a solo.
Aqui, surgindo completamente sozinho no meio dos teclados, guitarra e todos os restantes instrumentos/aparelhos, tal como one-man band, o músico foi vagueando pela sua eletrónica que se mistura com estilos tão dispares como o gospel, soul e hip-hop. Às vezes apetecia-nos fechar os olhos e aproveitar o momento, outras vezes chegava a vontade de bater o pezinho para a dança.
Não sendo propriamente fácil definir um estilo para a música de PAULi, a verdade é que captou a atenção do público sem dificuldades (e logo na segunda música teve a coragem de ir para meio de todos nós) nesta apresentação do seu EP, The IDEA OF TOMORROW. Para o ano, espera-se o lançamento do primeiro álbum de originais. E nós esperamos vê-lo novamente por cá.
Passámos depois para o concerto dos Tomara na sala Ermelinda de Freitas no Palácio Foz, um espetáculo que tínhamos muita curiosidade de presenciar, ou não fosse este o concerto de estreia da banda, e logo no Vodafone Mexefest.
Filipe Monteiro, marido da cantora Márcia, resolveu lançar-se com o seu próprio projeto, anos após ter colaborado com nomes como Da Weasel, The Legendary Tigerman, David Fonseca, Rita Redshoes, António Zambujo, entre outros.
Esta nova aventura, este alter-ego de Filipe Monteiro, resulta no projeto Tomara que vai buscar inspirações aos primeiros anos de Bon Iver, assim como a um folk-indie. Apesar do evidente nervosismo (era a estreia do projeto ao vivo, convenhamos), Filipe Monteiro e os seus colegas de palco tocaram para uma sala esgotada os temas do disco de estreia Favourite Ghost, lançado no passado mês de setembro.
Destacam-se temas como os singles “Coffee and Toast” e “For no Reason”, claro, mas também “House”, tema em que Márcia participava e que prontamente ajudou a cantar ao vivo, juntamente com Samuel Úria. Convidados de peso num concerto de apresentação de um novo projeto não é para todos.
A música dos Tomara mostra incursões por um universo romântico e sofisticado, ideal para ouvir em momentos calmos ou ao final da tarde a ver o pôr-do-sol. Só assim nos apercebemos da riqueza sonora e de como a vontade de arriscar leva à existência de projetos tão bonitos como este. Sem dúvida um dos novos talentos da música portuguesa.
Ao mesmo tempo dos Tomara, a cantora, rapper e produtora musical Diana de Brito, mais conhecida pelo nome IAMDDB, atuava para uma plateia cheia de gente no Cine-Teatro Capitólio, principalmente de adolescentes. A artista é de Manchester, mas tem raízes angolanas e vivência lisboeta. Claro que esta experiência de vida veio influenciar a sua música que anda ali por um universo entre o hip-hop e o R&B, permitindo a IAMDDB oferecer um concerto bastante entusiasmante com temas como “Pxssycat” ou o single “Shade”. Só pecou mesmo por ter falar em demasia com o público.
Era altura do concerto de Washed Out no Coliseu dos Recreios, talvez para muitos um dos nomes grandes no cartaz do Vodafone Mexefest. Mas infelizmente foi um concerto morno e sem grandes pontos de interesse.
Ernest Weatherly Greene Jr. e os seus compinchas entraram em palco pouco depois da hora marcada e o cenário não era muito animador. Muito espaço vazio, sendo que até final do concerto o Coliseu ficaria apenas a meio gás. E meio Coliseu são somente duas mil pessoas.
Sim, o pano de fundo ia sendo projetado com formas e cenários muito coloridos, ideal para tirar aquela foto e colocar no Instagram, mas o concerto em si deixou a desejar, assim como o próprio volume, muito muito baixo.
A própria banda estava ali como se aquele fosse apenas mais um concerto, e não um momento especial, e esse sentimento acaba por passar para o público. Verdade seja dita que o género do chillwave já não tem o mesmo impacto que há cinco anos atrás, e os Washed Out acabaram também por sofrer desse mal. Por exemplo, Mister Mellow, o terceiro álbum de originais da banda, passou um bocado despercebido no panorama musical.
Claro que a voz quente e profunda do artista de Geórgia é perfeita para um cenário com paisagens tropicais, mas no Coliseu não resultou muito bem. “Burn Out Blues”, “Don’t Give Up” e “Get Up” foram os momentos alto de um concerto que soou muito monótono e que dificilmente ficará na nossa memória pelas melhores razões. E não, nem tivemos direito a “Amor Fati”.
Para as 21h20 estava marcado o concerto de Oddisee no Cine-Teatro Capitólio, muito bem composto para receber este MC de Washington. E cedo percebeu-se que este homem já devia ter vindo ao nosso país há mais tempo.
Apesar de não ter trazido os Good Compny, banda que o acompanha nos concertos, o DJ de serviço ajudou no ritmo do concerto ao mandar umas quantas rimas.
Oddisee anunciava que aquele era o último concerto da sua digressão numa noite em que a sua mãe fazia anos. Aproveitando para cantar os parabéns à senhora, o jovem variou a sua atuação entre o mais recente álbum, The Iceberg, onde foi buscar a interventiva “Like Really”, e discos mais antigos, mas sempre com o mesmo groove, o mesmo flow e o mesmo ritmo nas suas rimas. Fala sobre destruir estereótipos, sobre liberdade e sobre o amor. Faz-nos lembrar, a espaços, Kendrick Lamar.
Com o peso e a medida certa, Oddisee tem potencial para chegar muito, muito longe. Este foi um dos melhores concertos da noite. E só não foi ainda melhor porque a sua banda não o acompanhou nesta aventura lisboeta.
Ainda fomos a tempo de ver parte do concerto da leiriense Surma, que, com o seu jeito meio tímido, viu o público pedir um encore, algo nada habitual neste tipo de festivais. Já sabemos que a voz de Débora Umbelino pode soar ora angelical, ora de um ser vindo de outro planeta, mas é ao vivo que o disco Antwerpen mostra toda a sua força, com a jovem de Leiria a variar entre guitarra, máquinas e o baixo, mesmo que nem todas as músicas estejam ensaiadas ao pormenor, como a jovem referiu a artista antes de atirar-se a “Drög”, já no final do concerto.
Nós desculpamos, Débora. Apenas pedimos que continues a deslumbrar o nosso mundo com a tua visão artística. E ou muito nos enganamos ou um dia destes ainda vamos ver o projeto Surma no Coliseu dos Recreios.
A fila também era enorme para os malianos Songhoy Blues, designados para atuarem na belíssima Casa do Alentejo. O blues elétrico misturado com funk-rock e pitadas de jazz aqui e ali fazem a festa no meio de todos os presentes que esgotavam a sala. Antes de entrarmos, muita gente à espera de entrar e poucos a sair. Apesar do ambiente festivo, não é música que vá agradar a todos aqueles que compraram passe para o festival.
Chegávamos a um dos momentos cruciais da noite. Dois jornalistas, três concertos. Manel Cruz, Destroyer e Valete. Abdicámos de Valete e lá fomos para os outros dois.
Em espaços que não são o Coliseu, é frequente encontrarmos filas ou multidões à espera de entrar dentro da sala. O mesmo sucedeu com o concerto de Manel Cruz, muitíssimo concorrido. Agora com a sua nova banda, Extensão de Serviço (antes Estação de Serviço), o músico portuense atuou perante um Tivoli BBVA esgotado, ora bem, e mostrou várias canções de um álbum que ainda não saiu para o mercado.
E a verdade é que as músicas de Manel Cruz não são para todos os ouvidos, nem todos gostam daquelas letras desconcertantes. Mas é difícil alguém não gostar de temas como “Beija-Flor” e “Ainda Não Acabei”, amplamente rodado nas rádios nacionais. Faça o que fizer, este nome grande da música nacional vai ter sempre um lugar especial no coração dos portugueses.
Já os Destroyer, banda de Dan Bejar, tinham ficado melhor integrados num Cinema São Jorge, como estava inicialmente anunciado. É que a música do projeto do canadiano não ecoou com força suficiente no Coliseu. À hora marcada, o vocalista Dan Bejar entrou em palco munido de duas cervejas e um copo que lhe iria fazer companhia durante o concerto. Este é um homem que não gosta do estatuto de estrela e que nunca teve uma relação fácil com a exposição em palco e com o próprio público, comunicando com este de forma imperceptível. Faz parte do charme, dizem alguns, mas isso não chega para conquistar multidões.
O pop rock da banda que vai buscar influências à pop britânica da década de 70 e 80 lá acaba por criar momentos bonitos e entusiasmantes como “Times Square”, por exemplo, resgatada ao álbum Poison Season, de 2015. Claro, esta passagem da banda por Portugal serviu para apresentar os temas do mais recente álbum de originais, Ken, lançado há pouco mais de um mês, que ainda poucos devem conhecer, pelo que serão sempre os temas do aplaudido álbum de 2011, Kaputt, como “Chinatown” ou a faixa-título, que conseguem criar mais empatia junto do público.
Apesar da banda conseguir uma atuação imaculada (temos um baixo, bateria, duas guitarras, um saxofone, sintetizado, trompete e piano), faltou um bocadinho de interação e energia de Dan Bejar para que este fosse um concerto para mais tarde recordar.
Fomos a correr para ver um pouco da atuação da dupla bracarense Ermo, um dos projetos nacionais mais interessantes dos últimos anos. Com foco em Lo-Fi Moda, álbum que muita tinta fez correr ao longo de 2017, os Ermo mostraram a sua eletrónica galopante ao público que, aos poucos e poucos, foi enchendo a garagem da EPAL. Escutámos temas tão estranhos como interessantes como “raicevic.als”, “ctrl + C ctrl + V” (que passa habitualmente na rádio), “Vem nadar ao mar que enterra” e “Fa zer vu du”, que nos chegam de rompante como estaladas na cara.
Aos Ermo, não lhes vemos as caras, apenas vemos duas pessoas a saltar e a dançar freneticamente enquanto mexem nas suas mesas de som. E o público, sem saber bem como dançar, quase que replicava os movimentos.
Já as Hinds não nos entusiasmavam, pelo que corremos até ao São Jorge para ver Samuel Úria num concerto muito especial e com alguns convidados. Cá fora, um dos seguranças apenas dizia: “malta, a sala está esgotada, não vai entrar mais ninguém”.
Nós lá conseguimos, e, já sentados, embora tenhamos perdido o momento com Gisela João e temas como “Carga de Ombro”, vimos em palco uma das suas outras convidadas, Ana Bacalhau, que ali interpretou “Só Querer Buscar” (escrita por Samuel Úria) para o seu álbum a solo, e “Não Ouviste Nada”, dos Deolinda, que anunciaram recentemente uma pausa na carreira.
Dos cerca de 30 minutos que vimos do concerto de Samuel Úria, podemos constatar que o ritmo foi constante, cheio de pontos de interesse, e que este músico de Tondela mostrou sempre a sua personalidade humorística aqui e ali. Ouvimos os já conhecidos “Não Arrastes o Meu Caixão” ou “É Preciso que eu Diminua”, num concerto que também contou com a participação de um coro gospel.
Úria vai ganhando cada vez mais notoriedade na música portuguesa, e, por vezes, até parece a versão portuguesa de um Elvis Presley.
Demos por terminada a noite, mas alguém nos contou que o Coliseu estava bem cheio para receber os Orelha Negra, que agora parecem decididos em apostar em novas sonoridades.
No segundo e último dia do Vodafone Mexefest, esperam-se grandes concertos de Cigarrettes After Sex, Sevdaliza e Everything Everything.