O Euro digital deve terminar a fase de preparação em outubro deste ano, mas uma implementação para a população em geral ainda vai demorar.
Já se fala do assunto há mais de uma década, mas o euro digital está, pelos vistos, cada vez mais perto de se tornar realidade. Recentemente, e perante a Comissão dos Assuntos Económicos do Parlamento Europeu, Piero Cipollone, membro do conselho executivo do Banco Central Europeu (BCE) e responsável pelo projeto, confirmou que a fase de preparação do euro digital terminará em outubro, mas o quadro legislativo que definirá a utilização da futura moeda eletrónica só deverá ser aprovado no segundo trimestre de 2026.
A partir daí, seriam necessários entre dois anos e meio a três anos para desenvolver e colocar em funcionamento a infraestrutura necessária ao euro digital. Portanto, só lá para 2028… ou 2029.
O projeto do euro digital nasce de uma motivação clara: garantir que, num mundo cada vez mais digital, as pessoas mantenham a possibilidade de fazer ou receber pagamentos em moeda do banco central. Philip R. Lane, membro do BCE, explica que a introdução de dinheiro digital pretende complementar o numerário físico, apoiando a modernização do sistema monetário de dois níveis, que combina moeda física e depósitos bancários. Este sistema, que evoluiu ao longo de 300 anos, criou uma base sólida para o funcionamento do sistema financeiro e permitiu aos bancos centrais assegurar a estabilidade dos preços de forma eficaz.
Lane sublinha que a moeda emitida pelo banco central sempre desempenhou um papel crucial na confiança na conversibilidade do dinheiro bancário. À medida que a digitalização avança, essa estabilidade poderia ficar em risco caso não existisse uma alternativa digital acessível. Além disso, os instrumentos de pagamento beneficiam de fortes externalidades de rede: quanto mais pessoas os utilizam, maior o seu valor, limitando o poder de monopólio das empresas privadas e aumentando a eficiência económica. Um euro digital permitiria reduzir a dependência de sistemas de pagamento privados, oferecendo um mecanismo seguro e universal mesmo em caso de interrupções ou ciberataques.
Resiliência e inclusão como pilares do euro digital
A resiliência é outro ponto central no debate. Piero Cipollone destaca que, numa Europa exposta a riscos geopolíticos e operacionais, é essencial proteger a disponibilidade do euro para todos os cidadãos. O euro digital complementará o dinheiro físico, garantindo pagamentos contínuos mesmo durante grandes interrupções. Esta ferramenta funcionaria como um bem público, assegurando que serviços essenciais de pagamento estejam sempre disponíveis, tal como a eletricidade ou a água potável.
O desenho tecnológico do euro digital incorpora várias medidas de resiliência. A infraestrutura de processamento será distribuída por diferentes regiões com múltiplos servidores, permitindo reroute automático em caso de falhas. Para além disso, o BCE desenvolverá uma aplicação dedicada, permitindo que os utilizadores troquem facilmente entre prestadores de serviços de pagamento ou continuem a aceder aos seus fundos mesmo se um banco deixar de operar temporariamente. A funcionalidade offline permitirá pagamentos mesmo quando a internet estiver indisponível ou o acesso a numerário físico for limitado, garantindo continuidade em situações de crise ou desastre natural.
Outro objetivo central é a inclusão. Cipollone salienta que o numerário sempre foi um pilar da inclusão financeira, oferecendo acessibilidade, autonomia e confiança. O euro digital será concebido para ser acessível desde o início, com interfaces adaptáveis, comandos de voz, displays de grande dimensão e fluxos simplificados. A nível local, entidades como bibliotecas, serviços postais ou autoridades públicas poderão oferecer apoio aos cidadãos menos familiarizados com a tecnologia, garantindo que ninguém fique excluído da economia digital.
Benefícios económicos e institucionais
Do ponto de vista económico e institucional, Lane argumenta que o euro digital ajudará a unificar mercados fragmentados na zona euro, reduzir custos para comerciantes e aumentar o poder negocial face a redes de cartões internacionais. Um euro digital pan-europeu permitirá ainda inovação fintech, separando a infraestrutura básica de pagamentos da oferta de serviços adicionais, evitando que uma tecnologia privada domine e bloqueie futuras inovações. Além disso, o euro digital reforça a relação direta entre o soberano e o cidadão, mantendo a confiança na estabilidade monetária e consolidando a soberania europeia sobre a moeda.
Cipollone acrescenta ainda que, para que o euro digital efetivamente aumente a resiliência dos pagamentos na Europa, é essencial que se torne realidade rapidamente, com um calendário claro para a sua implementação, assegurando um meio de pagamento seguro, acessível e resiliente para todos os cidadãos.