O EDP Cool Jazz parece ser um festival para gente da terra – a local shop for local people. De facto, poucas ou nenhumas indicações existem para chegar ao local dos concertos, o Hipódromo Manuel Possolo, bem no centro de Cascais. No fundo até faz sentido, o local é bonito e quer-se que continue assim, e acaba por ser local de fácil acesso. Mas primeiro temos que atravessar o Parque Marechal Carmona e passar pelas barracas de comes e bebes e os mini carrosséis, que dão à noite um certo ambiente de festas do concelho, com famílias compostas por membros de várias gerações. Está certo.
Passa-se pelo portão, e no relvado que faz de plateia em pé há uma zona de lugares sentados, ladeada por duas bancadas laterais, – uma delas com ares de tribuna de honra, até com algumas mesas que lhe dão quase um ambiente de cruzeiro clássico de luxo. Para o resto do mundo há o resto do relvado para se estar de pé, mas a proximidade do palco aceita-se perfeitamente, e a noite está boa, com pouco vento.
O ambiente está bom, então. A primeira parte, feita pelos Quatro e Meia, moços de Coimbra afinados e que dão um espetáculo esmerado, corre a bom ritmo, mas a expetativa vai crescendo pela chegada do grande nome. Compasso de espera para um anúncio dos apresentadores a indicar um atraso de 15 minutos. Passado este tempo, burburinho com a chegada de Sua Excelência, o Presidente da República. Pouco depois, Tom Jones e sua banda entram em cena.
E arranca com estilo, com “Burning Man”, de Johnny Lee Hooker. De seguida, “Run On” e “Mama Told Me Not To Come”, e a questão fica imediatamente arrumada. Aquele vozeirão continua intacto. E, igualmente espantoso, o ritmo frenético também, com algumas breves e simpáticas palavras de apresentação antes de cada tema. Não seria difícil convencer alguém que aquele senhor em palco tem 59, e não 79 anos.
Chega a vez de uma das suas imagens de marca, talvez a mais recente, “Sex Bomb”. Com um ritmo mais envolvente e compassado do que o original que rodou inúmeras vezes por festas de todo o mundo, Tom Jones diz cada palavra com tempo, a gerir o entusiasmo do público presente, e pela primeira vez os sentados nas primeiras filas, começam a levantar-se para entrar no ritmo da festa. Quando se acelera para o refrão, está ganha a partida.
O alinhamento bem eclético continua com clássicos como “Fever”, de Eddie Cooley, tema gravado por muitos e celebrizado por Peggy Lee – e que resulta na voz barítono de Jones. Em “Delilah”, mais próximo do standard gravado nos anos 60, a banda, discreta mas eficiente, consegue recriar de forma bem sucedida a célebre entrada tensa e fantasmagórica.
Outro dos momentos altos do concerto foi “Tower of Song”, original de Leonard Cohen, que faz parte dessa coleção fabulosa de canções chamada “I’m Your Man”, e que Tom Jones gravou no seu álbum Spirit in the Room, de 2012. Dificilmente se poderiam encontrar figuras mais distintas estilisticamente, o poeta celebrado pela crítica e intérprete de voz limitada mas capaz de criar ambientes como ninguém, e o tonitruante galês que se tornou quase sinónimo de ambiente de casino.
Porém, funciona, com Jones a dar uma gravitas diferente, mas igualmente poderosa, e cada palavra é bem medida antes de ser dita. Desta vez, dizer que se nasceu com uma voz de ouro não é irónico, mas real. E os ricos continuam a ter os seus canais nos quartos dos pobres.
“What’s New Pussycat” é despachada com alguma velocidade, em modo coro do público, e “It’s Not Unusual” continua imbatível como música para fazer sentir bem e animar a festa. Outras versões de temas que entraram no imaginário colectivo por outra vozes, como “You Can Leave Your Hat On” ou “What a Wonderful World”, recebem o tratamento Tom Jones e são cantadas impecavelmente, mostrando à saciedade que este não é um negócio para novos, é um negócio para quem sabe. A este nível. “Kiss”, de Prince. resulta especialmente interessante, talvez pelo contraste de vozes face ao original, e os arranjos oitenteiros continuam a funcionar como da primeira vez.
Fecha-se o concerto com outro clássico do cancioneiro da música popular, “Strange Things Happen Everyday”, de Sister Rosetta Tharpe. Iniciamos a marcha de regresso e a saudade começou depressa a instalar-se. Lição catedrática.
Foto de: EDPCOOLJAZZ