Foi um momento de comunhão entre artistas, público e palco, numa noite de música bonita. Não sem antes termos direito a 20 minutos de espera em relação ao horário previsto das 21h30. Os Tindersticks podem vir de Nottingham, mas já há vários anos que demonstram um certo espírito latino, como aliás as várias colaborações com a realizadora Claire Denis demonstram, por exemplo.
Não que isso enerve a maioria dos espetadores. Estes sabem bem o que querem e ao que vão. Gente ainda com ar viçoso, apesar dos primeiros cabelos grisalhos, mas com maturidade e sem precisar de vestir ao peito ou ao ombro o último slogan ou piadola para ganhar cred no meio. Essa fase já passou há muito. Os Tindersticks são respeitados, mas não ganharam aura de mito, nem têm nada de realmente novo ou na moda. Os Tindersticks são cada vez mais eles, e não existe mais expetativa para além dessa.
Portugal parece gostar disso, tendo direito a cinco concertos espalhados pelo território nacional (Faro, Lisboa, Leiria, Coimbra e Porto), número que diversas outras jurisprudências de maior escala não têm direito. Por Lisboa, casa cheia há muito tempo na Aula Magna para receber Staples, David Boulter e Neil Fraser, Dan McKinna e Earl Harvin Jr.
E quando chegam ao palco, é tal e qual isso o que acontece. Stuart Staples, de bigode farto e ar de quem consegue manter boas conversas na esplanada, lidera a sua entourage e não diz nada, simplesmente começa a cantar. “Running Wild” serve de cartão de visita. Poderosa, intimista, com uma acústica. Vai ser sempre assim. “Second Chance Man” diz-nos que “I Found love before I could identify it”, enquanto “How He Entered” fala-nos de corações abertos, de forma dita, quase nem cantada. Zero palavras para além das palavras escritas nas letras destas músicas, e, porém, a sensação de estar próximo do palco, dos membros da banda, é esmagadora. Realmente, por vezes menos é, de facto, mais.
A gestualidade controlada, mas nervosa de Staples, em particular a forma quase infantil como os seus pés se movem, sem porém alguma vez abandonar o lugar, e o contraste que tais movimentos fazem com o ar profundamente adulto de quem poderia muito bem ser o filho de Georges Brassens.
A Aula Magna é um palco tremendo, um encaixe perfeito para este cenário. Tem história (foi nos ares da Cidade Universitária que os Tindersticks se estrearam ao vivo por cá, lá longe em 1995), por acústica, fabulosa, por proximidade, perfeita. “Trees Fall” funciona, do último álbum, “No Treasure But Hope” é outro momento de beleza e comunhão, logo seguida pela companheira de disco “Pinky in the Daylight”. Talvez quem estivesse à espera de um alinhamento encostado aos primeiros álbuns, como o de estreia em nome próprio ou Curtains, tivesse ficado desiludido por um alinhamento tão moderno. Todos os outros, não.
Para cortar com o ambiente calmo, “Her” assume uma iluminação mais cor de carne e instrumental mais animado, qual música para banda sonora de Tarantino. Logo a seguir, “Carousel” aterra-nos no planalto que é esta atuação, sempre guiada pelos olhos fechados de um vocalista de voz única. Estamos nos anos 20 do século XXI, mas valha a verdade se dissessem que estávamos numa outra década qualquer do pós-guerra, ninguém estranharia. Sempre de cortina fechada, sem projeções vídeo ou slides, sem distrações.
A belíssima “Willow”, escrita para a banda sonora do filme High Life, é outro momento alto. “Show Me Everything”, de The Something Rain, chega antes de “For the Beauty”, do mais recente trabalho. Tempo de pausa, antes do regresso com “A Night So Still”, e mais uma nova, “Take Care in Your Dreams”, para encerrar.
Os Tindersticks continuam deliciosamente imemoriais, sem ligar a modas ou pressões externas, nem precisam de se dedicar a espetáculos de recordar é viver. Bastam serem eles próprios.
Fotos de: Nuno Lopes