O aguardado regresso dos The Divine Comedy a Lisboa serviu para apresentar Office Politics, novo disco que celebra 30 anos de carreira. Mas as comemorações não se ficaram por aí: Neil Hannon trouxe balões e chapéus coloridos e celebrou connosco o seu 49.º aniversário.
Aqueles que chegaram cedo à Aula Magna tiveram direito a um cativante aquecimento por parte dos Man & The Echo, quarteto de Warrington que foi responsável pela primeira parte do concerto e cujo nome parece resultar de um jogo de palavras com os seus famosos vizinhos de Liverpool, Echo & The Bunnymen.
Logo depois, enquanto se ultimavam os preparativos para a chegada dos The Divine Comedy, escutaram-se alguns temas de artistas que ajudaram a popularizar a música eletrónica experimental, tais como Giorgio Moroder, Philip Glass, White Noise, Remi Gassman e Tom Dissevelt. Não terá sido inocente esta pista subtilmente deixada por Neil Hannon, único membro que se mantém desde o início da formação dos The Divine Comedy, em 1989. Em Office Politics, o 12.º álbum de estúdio, a pop orquestral perdeu espaço para os sintetizadores, aos quais o músico norte irlandês recorreu para refletir sobre o lado negro da tecnologia e do mundo laboral.
Esta temática foi transportada para o palco com a mesma dose de nostalgia que está estampada na capa do novo disco: no meio de um cenário a imitar um escritório, destacavam-se um computador e um telefone antigos e um enorme relógio analógico. Saudades de uma época que já passou, que mais tarde seriam confirmadas através de “I’m a Stranger Here”, um tema novo em que Hannon se confessa como um clandestino dos velhos tempos. Talvez isso ajude a explicar a sua opção de lançar o novo trabalho em formato de duplo álbum, algo que já é pouco habitual na indústria discográfica e que acontece pela primeira vez na sua extensa carreira.
Foi a esse escritório vintage que Neil Hannon chegou com uma pontualidade britânica, envergando fato e gravata e óculos escuros. Acompanhado por cinco músicos, apostou forte nos novos temas (foram nove no total, bem recebidos pelo público que encheu o anfiteatro), mas abriu as hostilidades com recurso à prata da casa: as mexidas “Europop”, “Generation Sex” e “To Die a Virgin” prenderam imediatamente a atenção da plateia. O tema que abre o disco Victory for the Comic Muse (2006) inclui a frase “Well, hooray it’s my birthday!”, que esta noite ganhou um significado especial porque o concerto em Lisboa calhou no dia de aniversário de Hannon. Esta feliz coincidência foi lembrada pelo próprio aniversariante, que pouco depois teve direito a um “Parabéns a Você” cantado em uníssono por um público devoto.
Claramente a jogar em casa, Neil Hannon confirmou as qualidades que lhe reconhecemos: excelente comunicador, apurado sentido de humor e exímio escritor de canções. As novas músicas que apresentou abordam assuntos contemporâneos: marcada pelos riffs da guitarra de Tosh Flood, a faixa que dá título ao novo álbum denuncia o despedimento de um trabalhador na sequência da publicação de fotos no Facebook; “Infernal Machines” descreve o inexorável poder das máquinas, percorrendo territórios eletrónicos dos Depeche Mode ou mesmo dos Muse em “Uprising”; “You’ll Never Work in This Town Again” lembra a crescente influência dos algoritmos nas nossas decisões e “Absolutely Obsolete” conta a triste história de um trabalhador cujas funções passaram a ser realizadas por uma aplicação informática.
Os momentos mais hilariantes da noite ocorreram numa fase do concerto que podemos considerar como a “festa do escritório”. Chapéus de cartão coloridos nas cabeças de todos os músicos e um balão entregue por um estafeta combinaram na perfeição com atmosfera descontraída de “At the Indie Disco” e “I Like” (ambos resgatados do disco Bang Goes the Knightwood, de 2010) e de “National Express” (alguém acredita que a magnífica canção de abertura do álbum Fin de Siècle já completou 21 anos?). Com o público finalmente de pé a dançar, os ânimos aqueceram até ao ponto de vermos um preservativo pendurado na guitarra-baixo de Simon Little e um auscultador de telefone a ser usado como shaker pelo teclista Ian Watson…
“After de Lord Mayor’s Show” (mais uma do novo disco, suavemente pontuada pelo piano eletrónico de Andrew Skeet) fez jus ao conhecido provérbio inglês e trouxe acalmia depois da excitação. Altura certa para os The Divine Comedy puxarem ao sentimento com as comoventes “A Lady of a Certain Age” e “Absent Friends”.
“When the Working Day is Done”, faixa que encerra o novo álbum ao compasso da bateria de Tim Weller, pareceu indiciar o final de mais uma jornada de trabalho, mas os The Divine Comedy ainda fizeram horas extraordinárias. Num encore em formato acústico, os seis músicos juntaram-se à volta de um microfone colocado na frente do palco para interpretar a sequência “Your Daddy’s Car”, “Songs of Love” e Tonight We Fly”, clássicos maiores dos anos 1990.
Desligados da corrente e unidos pela emoção, percebemos que a simples combinação de vozes e guitarras acústicas é suficiente para sublinhar a intemporalidade das canções de um extraordinário compositor chamado Neil Hannon. Ele continua a ser um dos melhores artistas ao vivo e é também por essa razão que um concerto dos The Divine Comedy nunca será apenas “mais um dia no escritório”.
Fotos de: Maria Ana Mendonça